“São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!” (Mateus 6.22,23)
Para entender essas palavras corretamente, elas devem ser consideradas em seu contexto dos versos anteriores, aos quais estão intimamente ligadas, e onde nosso Senhor, da maneira mais solene, protege os seus discípulos do espírito mundano, contra o excessivo amor e desejo pelas coisas terrenas. “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra.” Não estejais ansiosos para fazer isso. Que não seja o grande negócio de suas vidas. “Onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam.” Cada coisa terrena é mutável e incerta. Aquele, portanto, que coloca o seu maior bem nelas, ficará terrivelmente desapontado. “Mas ajuntai para vós outros tesouros no céu”. Garanta um direito à herança celestial pelo exercício da fé nAquele que tem o poder de concedê-lo; e então, porque “a fé trabalha por amor”, e que, embora em si mesmos não tenham nenhum mérito, a vontade de Deus, na sua misericórdia, para a sua honra no final, lhes concederá a grande recompensa da vida eterna. Assim devemos juntar nossos tesouros no céu. Cada ato justo, santo e benevolente do verdadeiro crente espiritual em Cristo estabelece para ele algum novo tesouro no céu; não na base do mérito, deixe isso ser sempre compreendido, mas na base da divina designação. A infinita misericórdia de Deus não vai esquecer aquilo que é feto por amor ao Seu nome, e em obediência à sua vontade.
“Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos…” – Hb 6.10.
“Ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam.” Cada coisa lá é imutável. Os tesouros do mundo futuro são de tal natureza que não podem mudar, e nós estaremos seguros, se alguma vez pela misericórdia de Deus, nós os obtivemos, na possessão eterna deles pela aliança do seu amor.
“Porque eu vivo”, disse Jesus Cristo, “vós também vivereis.”
A importante razão dada para esta injunção é: “Porque onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração.” Essas coisas que você mais valoriza envolverão os seus maiores afetos.
Se, portanto, pensamos sobre as coisas da Terra como sendo tão valiosas, tão importantes, nós as amaremos, e teremos, na verdade, um amor supremo por elas, vamos amá-las com a exclusão de Deus; nos tornaremos idólatras espirituais, pessoas de mente mundana, destituídas daquela espiritualidade e nobreza de espírito que o afeto pelas coisas celestiais teria produzido. Se, pelo contrário, contrastando este tesouro celestial com o terreno, definirmos o valor correto das coisas celestiais, então as amaremos, e toda a nossa natureza ativa passará por uma mudança. Em vez de sermos carnais e mundanos, seremos espirituais e celestiais, e sob a influência dessas afeições, vamos passar pelo tempo de nossa provação e peregrinação aqui na Terra, como sendo tornados e qualificados para entrar na posse e desfrutar os tesouros celestiais e eternos.
Agora, como todo este alerta de nosso Senhor se assenta na suposição desta estimativa adequada das coisas terrenas e celestiais, de acordo com o seu valor real, assim, é claro, que isto supõe que aqueles que se submetem a este conselho celeste são pessoas de mentes iluminadas, isto é, suas mentes têm sido iluminados pelo Espírito de Deus, porque, a partir de seu olho mental, as escamas caíram, para que, em seus corações Deus, que ordenou que a luz brilhasse na escuridão, é quem resplandeceu, dando a luz do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo Jesus; e, consequentemente, eles têm a mais clara demonstração daquelas realidades espirituais e futuras que são os grandes objetivos da verdadeira religião.
Esta iluminação da mente que está sendo suposta, os benefícios e bênçãos disto são mencionados no texto. Eu concebo que quando esta passagem é tomada apenas para expressar simplicidade de intenção, isto é trazido muito abaixo da sua plenitude adequada de significado. Isto é uma ilustração do que foi dito antes pelo Senhor: “A candeia do corpo são os olhos.” Aquele que não possui o sentido da visão é cego, não tem luz interior, que é aquele que não tem percepção interior do que é iluminado no exterior e ilumina o cenário que lhe é apresentado, quando o sol está acima do horizonte, para os olhos de quem o contempla. E se o olho está doente, não é perfeito em suas operações, e na proporção e extensão da doença a cena não é vista, e toda a percepção interior da grandeza e da beleza da natureza fica excluída.
“A candeia do corpo são os olhos: Se, pois, os teus olhos forem bons”, literalmente, “singelos” ou “simples”, se é o que está implícito em outra passagem como sendo “todo”, “sem doença”, “todo o teu corpo será cheio de luz “; as cenas externas serão distintamente percebidas pela mente, nenhuma penumbra haverá nelas. “Mas se teus olhos forem maus”, doentes, as funções da visão executadas impropriamente, “todo o teu corpo será cheio de trevas”, não haverá percepção, sem dúvida nenhuma, percepção distinta das coisas que são iluminadas no exterior, e que, para aqueles que possuem o sentido da visão completo, são vistas claramente. “Se portanto, a luz que há em ti são trevas”, se tu continuares na tua cegueira natural, “quão grandes serão tais trevas!”
Quão lamentável é a condição daquele que é cego de nascença! Mas quando a perda da visão ocorre em quem tinha uma vez enxergado perfeitamente, quão mais lamentável é a sua condição! “Se a luz que há em ti”, a percepção interior de coisas externas, é extinta, e tudo se torna escuro, “Quão grandes serão tais trevas!”
(“caso a luz que em ti há sejam trevas”. Esta citação de nosso Senhor se refere ao seguinte: a luz citada no texto é relativa à capacidade de discernir as coisas. O homem não iluminado pelo Espírito Santo, tem a sua própria luz de discernimento, em sua mente, mas nosso Senhor a chama de trevas, porque não pode dar uma justa avaliação das coisas e realidades que nos são apresentadas, especialmente daquelas que são espirituais e que podem ser somente discernidas pela luz que é espiritual e não pela nossa simples compreensão mental. – Nota do tradutor).
Agora, esta é a ilustração pela qual o Senhor nos transmite algumas das mais importantes verdades espirituais. O significado do todo é que, se os olhos do nosso entendimento são abertos, se cordial e totalmente recebem as iluminações da palavra divina e do Espírito, então toda a nossa alma estará cheia dessa luz espiritual e divina, as coisas espirituais e eternas serão apresentadas à mente na força de sua própria demonstração, em toda a clara ordem de suas relações mútuas, e a relação que outras coisas prestam a elas, de modo que estaremos habilitados para julgar com precisão a respeito delas, a e estimá-las corretamente.
Mas se, pelo contrário, os olhos do nosso entendimento não têm sido abertos; se o véu continua a cobrir o nosso coração, e as escamas estão sobre os nossos olhos, ou, se tendo sido uma vez iluminados, “nos desviamos do mandamento santo que foi entregue a nós”, e perdemos esta visão distinta, esta clara visão das coisas divinas e eternas, então, “quão grandes serão estas trevas!” Quão indescritivelmente miserável, quão lamentável, quão cheia de perigo, é a nossa condição! Este parece ser o significado do texto.
Uma das muitas vantagens do estado de mente abençoado citado no texto é que não seremos apenas habilitados a contemplar as realidades espirituais e eternas, sendo totalmente convencidos de sua existência real, mas por colocarmos as coisas da terra, em comparação com as coisas assim reveladas a nós, somos capazes de estimar todas as coisas de acordo com o seu justo valor e, portanto, para regular nossas afeições em conformidade com o mesmo.
Para mim, parece que a razão pela qual os homens vivem absortos com as coisas do mundo, e negligenciando a Deus e a sua salvação, é que as coisas desta vida presente lhes parecem totalmente importantes, que nada é tão grande, nada é tão valioso, nada é tão profundamente interessante, como as alegrias e tristezas da vida presente.
A razão pela qual eles agem assim é que o seu tesouro está no mundo.
Isso é evidenciado pelos seus corações. Eles não valorizam nada tanto quanto isto, porque não amam nada além disso. A coisa é facilmente provada. Se alguém ama o mundo presente mais do que qualquer outra coisa, mais do que Cristo, mais do que Deus, mais do que a sua salvação, evidentemente ele valoriza as coisas do mundo mais do que qualquer coisa que o Evangelho revelou. E isto se aplica tanto às suas alegrias quanto às suas tristezas. Ele não pode conceber quaisquer prazeres superiores aos que o mundo dá aos seus sentidos ou imaginação, não pode conceber uma honra superior às que um companheiro possa conferir; não pode conceber riquezas mais importantes do que as do mundo; se ele é o que é chamado de um homem de sorte, não pode conceber uma tristeza mais profunda do que as dores da pobreza, e censura, e dor de perda, e, portanto, todo o seu cuidado é o de evitar isto.
Agora, se pudéssemos persuadir homens como estes, que existe um prazer muito mais agradável e duradouro, que há riquezas muito mais valiosas, honras elevadas muito acima da mais elevada ambição cega terrena; se pudéssemos convencê-los que existe uma dor muito mais temível do que a extrema dor do coração por perdas e decepções, e pelos vários problemas da vida presente, e que não podemos conceber um estado de angústia tão profundo, e que há uma dor à qual estamos expostos, e no limiar da qual estamos de pé, muito mais temível e mortal; se pudéssemos convencê-los que a obra da sua salvação poderia ser iniciada, não teríamos o menor sucesso.
Agora, onde há essa iluminação, esta visão diferente das coisas espirituais e eternas, há a capacidade de fazer estas comparações, existe a percepção do padrão superior, através do qual formamos uma estimativa de todas as coisas aqui embaixo.
Deixe-me explicar isso. Um homem que é totalmente cego só pode medir as coisas por algum padrão com o qual ele esteja familiarizado. Ele julga as coisas, sejam grandes ou pequenas, por um baixo padrão. Ele não tem ideia da vasta extensão do espaço. Ele não possui o meio pelo qual as ideias poderiam ser comunicadas à sua mente. Portanto, o que para outros, seria, um objeto banal, para ele, julgando por seu padrão usual, será considerável. Mas deixe-o ter os seus olhos abertos, deixe-o ser levado para algum lugar elevado em relação ao chão, deixe-o examinar alguma paisagem extensa, deixe-o levantar os olhos para o céu acima, e ver o quão alto ele é, e então quão diferente é a sua medida de grande e pequeno! ele aplica uma medida de grande alcance para os objetos que ele pesquisa, e as coisas que uma vez lhe pareceram até mesmo enormes, tornam-se pequenas e diminutas, como de fato são.
E, assim, obtém um padrão pelo qual julga tudo que o mundo chama de ótimo ou bom, e está habilitado a perceber sua deficiência em relação a esse padrão celestial, por isso estamos também habilitados para que possamos perceber a sua impropriedade para nós mesmos. E isto é um ponto importante. Quando a mente está espiritualmente iluminada, a luz que revela essas coisas para nós brilha também em nós mesmos. Descobrimos então que o homem é um ser muito maior do que nunca antes tínhamos julgado que ele fosse. Não é verdade que o homem é um ser insignificante. Infiéis, de fato são isso, e ele é insignificante em vista daquilo que deveria ser.
Tradução, adaptação e redução feitas pelo Pr Silvio Dutra de um texto de Richard Watson, em domínio público.