Tendo falado nos dois primeiros capítulos de Romanos sobre a natureza pecaminosa universal de toda a humanidade, quer em todas as épocas ou lugares, e do juízo de condenação eterna que há da parte de Deus sobre aqueles que se encontram nesta condição, a saber, todas as pessoas sem exceção, Paulo passou a discorrer nos capítulos 3, 4 e 5, sobre a solução provida por Deus para perdoar e restaurar o homem caído, ao nos dar Jesus Cristo para ser tanto o nosso sacrifício expiatório, quanto o nosso sumo sacerdote intercessor, o nosso guia, rei e senhor, bem como a nossa própria nova vida espiritual e celestial.
Tiago havia falado sobre a Lei Régia que condena todo homem, porque esta Lei não foi revogada ou substituída pela Nova Aliança feita no sangue de Jesus, senão apenas a Lei cerimonial e civil que foi dada através de Moisés para vigorar para a nação de Israel no período do Antigo Testamento, que durou de Moisés (1.440 a.C), até a morte de nosso Senhor Jesus Cristo na cruz.
Tiago falou também de uma Lei da Liberdade sob a qual se encontram todos os que creem em Jesus. E por que ele se referiu a ela deste modo? Por que é pela lei do Espírito e da vida em Cristo Jesus que somos libertados da lei do pecado e da morte (Rom 8.2). Veja que é afirmado ser ela uma lei de liberdade. E liberdade do pecado e da morte espiritual eterna.
Não se trata portanto de uma simples lei de liberdade de vícios, de práticas imorais, ou de toda forma de pecado que se possa nomear, mas é sobretudo uma liberdade de uma condição de morte para a de vida eterna; de prisão em ignorância e em trevas, para o verdadeiro conhecimento de Deus e de luz. É liberdade da escravidão a Satanás e a todos os espíritos das trevas. É liberdade da condenação da Lei Régia e da própria Lei de Moisés. É liberdade para ter poder e capacidade para viver de maneira santa e agradável a Deus e em comunhão com Ele por toda a eternidade.
Tudo isto nos foi trazido pela graça e verdade que estão em Jesus Cristo, e que nos foram reveladas pelo Seu evangelho.
O injusto pecador, estando sob o evangelho, será visto por Deus como sendo justo, porque além de ter sido justificado pela fé no evangelho, terá também a justiça de Cristo sendo implantada nele progressivamente até a perfeição em glória, pela operação e instrução do Espírito Santo.
A justiça do próprio Cristo lhe foi oferecida pelo evangelho para poder ser perdoado e justificado por Deus.
É por estar em Cristo que somos justificados e por conseguinte tornados aceitáveis a Deus.
Deus não mais condenará eternamente aquele que foi justificado pela fé em Jesus.
Ele não o fará porque prometeu isto desde os dias dos profetas do Velho Testamento (Jeremias 31.31-35), porque castigaria e cobraria a conta de todos os nossos pecados em Seu próprio Filho Unigênito, que se ofereceu voluntariamente, em amor, por nós.
E para que não houvesse qualquer dúvida quanto ao que havia prometido acrescentou um juramento por Si mesmo de que jamais anularia o que nos prometeu (Hebreus 6.17).
É por isso que vemos o caráter deste perdão e justificação sendo ilustrado por Jesus em tantas passagens dos evangelhos, especialmente nas parábolas da dracma perdida, do filho pródigo e da ovelha perdida.
Não temos tempo e espaço para aprofundar aqui todo o ensino que há nestas parábolas, mas podemos destacar pelo menos este aspecto da busca de Deus pelos perdidos, e que deve haver também nos que estão perdidos, uma busca de Deus para que possam ser acolhidos por Ele.
Todavia, ninguém deve pensar que ao buscar a sua ovelha fujona e extraviada, que o Pastor teve da parte dela uma efusiva recepção.
É bem provável que ela tenha tentado escapar de seus braços imaculados, de tão suja que estava pelo pecado, envergonhada de sua condição, mas ainda assim ele insistiu em pegá-la e obteve êxito ao pegá-la e colocá-la sobre os seus ombros, para poder cuidar dela, lavando-a, alimentando-a e dando-lhe um abrigo seguro no aprisco.
É por este motivo que é ordenado aos cristãos seguirem o exemplo do Seu Pastor e Mestre, buscando também as ovelhas desviadas do rebanho. Ainda que haja uma resistência natural nelas ao serem assim procuradas, mas isto não deve ser motivo de deixarmos de orar por elas e de procurarmos abordá-las com exortações amorosas de encorajamento a retornarem ao redil.
Ainda que algumas tenham sido tratadas com a disciplina da Aliança prescrita pelo próprio Senhor Jesus Cristo, não nos é dado desprezá-las e deixar de amá-las e de interceder em favor delas para a sua futura restauração pela via do arrependimento.
E por que tudo isto? Porque são filhos de Deus. Adotados por Deus como filhos em Jesus Cristo. São amados de Deus. Reconciliados com Deus, ainda que estejam com sua comunhão presente arruinada por uma vida carnal e pecaminosa, porque o preço exigido para a justificação deles foi pago integralmente por Jesus, que nada deixou para que fosse pago por eles para poderem ser reconciliados com Deus.
A inimizade que havia foi desfeita, porque “justificados pela graça mediante a fé temos paz com Deus por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo”. A guerra de inimizade por causa do pecado acabou no momento em que nos rendemos por meio da fé em Jesus.
Neste, e nos capítulos anteriores, o apóstolo demonstrou com argumentos sólidos que a condição do melhor dos homens, diante de Deus é de completa miséria por causa do pecado.
Então, ainda que o fato de ser judeu tenha em si alguma vantagem, porque foi aos israelitas que Deus revelou a Sua Palavra, e por meio deste povo que trouxe Cristo ao mundo e com Ele a Sua salvação, no entanto, quanto ao que diz respeito à condição de escravidão por causa do pecado original, os judeus se encontram nas mesmas condições em que se encontram os gentios aos olhos de Deus.
Todos que são libertos, o são, portanto, somente pelo modo descrito pelo apóstolo, sobretudo nos versos 9 a 18, das coisas que são condenadas pela Lei, de maneira que toda boca se feche diante de Deus, quanto à tentativa de alegar diante dEle qualquer tipo de justiça ou mérito pessoal.
Pela exposição dos versos 3 a 8 Paulo demonstrou que o fato de alguns judeus, na verdade a maioria deles, não viver em conformidade com a vontade de Deus, por não serem convertidos, não demonstrava que a fidelidade de Deus havia sido aniquilada, ao contrário, comprovava que Ele é fiel em cumprir o que prometeu, porque apesar de toda a infidelidade deles quanto à antiga aliança, por cerca de 14 séculos, deu-lhes ainda assim um Salvador.
Assim, a injustiça deles trouxe à luz a bondade e a misericórdia de Deus, na pessoa de Jesus.
Deus permitiu e tem permitido a longa existência do pecado no mundo, para exibir o quanto é longânimo, perdoador, misericordioso, justo e bondoso.
Todavia, aqueles que afirmam que é bom praticar o pecado porque a graça tudo perdoa, demonstram com esta sua atitude que não conhecem de fato a Cristo, porque caso fossem convertidos, saberiam que os que assim pensam encontram-se condenados por permanecerem na prática deliberada do pecado, como Paulo afirma em Rom 3.8, pois os que têm sido de fato convertidos pela graça detestam o pecado e amam a santidade que há em Jesus.
E ainda que temporariamente vencidos pelas cobiças e paixões carnais, eles virão a se arrepender e a se envergonhar disto em razão da nova natureza que receberam na conversão, que é inteiramente espiritual, santa e divina.
Assim, a graça há sempre de prevalecer neles sobre as suas quedas e fraquezas carnais, uma vez que Aquele que começou a boa obra neles, tem prometido e cumprido, completá-la até o dia da volta de Cristo.
É importante lembrar que já a partir deste capítulo o grande tema dominante desta epístola é o da justificação pela graça mediante a fé, sem o concurso das obras.
Paulo falou também de santificação a partir do sexto capítulo.
É muito importante ter sempre isto em vista ao estudar esta epístola aos Romanos para que não se faça uma confusão entre justificação e santificação, porque a justificação e a regeneração são instantâneas e acontecem no momento em que a pessoa se converte e passa a ter a habitação do Espírito Santo. E isto ocorre de uma vez para sempre, sem ser anulado. São atos irrevogáveis de Deus.
Já a santificação é um processo de negar-se a si mesmo e carregar a cruz seguindo a Jesus dia a dia.
É o ato que dura toda a vida, e que consiste no despojamento do velho homem e do crescimento na graça e no conhecimento de Jesus.
Então ao dizer que por obras da lei ninguém pode ser justificado, o apóstolo não estava negando a importância da lei, mas mostrando que ela não tem nenhuma participação no trabalho que é realizado para a nossa justificação e regeneração, senão somente auxiliar o Espírito Santo no Seu trabalho de nos convencer que somos pecadores e que necessitamos portanto de um Salvador.
Deste modo, Paulo fechou este terceiro capitulo dizendo que a fé do evangelho não está destinada a remover a lei, mas confirmar a lei, isto é, tanto sabemos pela fé o quanto a lei de Deus é perfeita em mostrar o Seu caráter e a nossa miséria, e o quanto podemos viver de modo que satisfaça as exigências da lei, somente quando somos convertidos pelo evangelho da graça de Cristo, mediante a fé.
Por isso Paulo afirma no verso 32: “Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei.”.
Pr Silvio Dutra