Era segunda-feira de manhã. O pastor fora cedo ao seu gabinete de estudo. No seu rosto se estampava preocupação, tristeza e desânimo. Em sua mente se travava uma violenta luta entre a fé e a incredulidade. Era um daqueles dias de ressaca, até não muito raros na vida de um pastor.
Grande insatisfação consigo mesmo, o martirizava. Sentia-se incapaz e incompetente. Sentou-se a meditar e orar. Interrogava a Deus e não podia esconder certa revolta contra os caminhos de Deus. Desconfiava de sua própria fé. Será que creio de fato? Onde está o poder da fé? Onde está o poder da Palavra? Será que Deus me abandonou. Bem o mereço.
Por que me tornei pastor? Deveria ter abraçado outra profissão. Será que Deus me escolheu de fato ou a decisão foi um ato de atrevimento meu? Será que estou no lugar certo? Meu chamado é a expressão da vontade divina ou foi de certa forma minha cobiça? Por que Deus não me concede dons melhores? Por que preciso perder tanto tempo na elaboração de um sermão ou estudo bíblico? Já estudei tanto, mas esqueço tudo e preciso recomeçar sempre de novo. Por que ainda caio em tantos e tantos erros e pecados.
Lutou até com certo remorso do seu sermão de ontem. Fui um fracasso total.
Acho que um dia a comunidade me mandará embora. Ainda ontem perdi a paciência com alguns membros e fui áspero com eles. Domingo de manhã pedi a Deus insistentemente sabedoria e bênção para o culto, mas parece que Deus não me ouviu.
Por que tudo é tão difícil no ministério. Outros falam com tanta facilidade, abam-se do poder do Espírito Santo e de suas realizações, mas eu não tenho nada disso.
Enquanto meditava, dialogava e discutiu assim com Deus e consigo mesmo, folhava, vez por outra, a Bíblia na busca de uma luz, de um consolo.
Deparou então com um versículo: “Quando eu digo: Resvalou-me o pé, a tua benignidade, Senhor, me sustém. Nos muitos cuidados que dentro em mim se multiplicam, as tuas consolações me alegram a alma.” (Sl 94.18,19) Ele procurou compreender que consolação era essa. Notou que toda a força do consolo está na graça de Cristo. O perdão nos consola. Nosso consolo não está em nossas obras, realizações ou nosso poder. Lembrou-se como muitos servos de Deus se queixaram amargamente de suas fraquezas e como todos desejavam a completa libertação e ansiavam pelo dia no qual estariam livres
de sua natureza pecaminosa. Compreende melhor a palavra: “A minha graça te basta.” Importa confiar na palavra da graça. Enquanto estamos na carne, precisamos lutar. Também os dias de nosso ministério são “canseira e enfado”. Não compreendemos os caminhos de Deus, mas sabemos que Deus nos dirige sabiamente. Compreendeu que tudo é graça, também na vida santificada. E que a vida santificada não se mede por nossas realizações, por nossa satisfação ou vitórias, que julgamos ter alcançado, mas está firmada na graça de Cristo. E a certeza do perdão não advém de nossas experiências, mas do evangelho e dos sacramentos. Oh! Maravilhosa graça.
Lembrou-se então do hino: “Eu sei que Deus é sabedor das minhas faltas, meu temor, mas pronto está a me valer, de todo o mal me proteger.” (HL 414, recitado conforme uma tradução antiga) Cristo que há pouco lhe parecia bem distante, estava novamente bem presente. Que consolo.
Se Cristo muitas vezes desaparece de diante de nós e parece ocultar-se, ele o faz unicamente para nos manter humildes, para nos guardar do orgulho, levar-nos ao arrependimento, fazer-nos ver que tudo é graça, sem nenhum merecimento ou dignidade de nossa parte. Somo mendigo, disse Lutero, falando em fraqueza a fracos mendigos da riqueza que nos é confiada por Cristo, que nos alegra. Este reconhecimento é obra do Espírito Santo. O Espírito Santo glorifica Cristo em nossos corações. Reconhecer a graça de Cristo, alegrar-se na graça de Cristo é estar cheio do Espírito Santo.
Ele compreendeu também que, mesmo sendo nosso dever buscar crescer sempre na fé e na vida santificada, o grau de fé difere de pessoa para pessoa. O grau de fé pertence às coisas a respeito das quais pedimos: “Seja feita a tua vontade.” Em seus caminhos insondáveis, Deus concede medida diferente de fé. E nosso consolo, nossa alegria não está no grau de fé, no grau de nossa vida santificada, no número de realizações e vitórias que
julgamos ter obtido, mas unicamente na graça de Cristo. E para evitar que nos envaideçamos, Deus, por vezes, oculta sua graça de nós. Então caímos em profunda tristeza e desespero. Reconhecemos nossa pecaminosidade e nulidade, para voltar arrependidos à graça e nos alegrar nela.
Enquanto o pastor voltava a ser reerguido pela graça e agradecer por ela a Deus, alguém bateu à porta.
– Entre – disse ele. Era a senhora Jussara.
– Bom dia, pastor.
– Bom dia Dona Jussara. Em que posso lhe servir?
– Não, nada. Estava passando por aqui, então me lembrei em lhe agradecer pelo sermão de ontem. Sabe, pastor, tínhamos muitas perguntas sobre este assunto que o senhor abordou no sermão, a Predestinação. O senhor foi muito
feliz em seu sermão. Após o culto comentei com várias pessoas, todos gostaram muito. Vim lhe agradecer e pedir se possível voltar a esse tema na próxima reunião do Departamento Feminino. É possível?
– Pois, não. Alegro-me em ouvir isso.
Após alguns comentários, a senhora Jussara se despediu. O pastor estava refeito. Ao levantar a cabeça, seus olhos caíram sobre seu chamado emoldurado na parede. Leu-o, novamente e disse: Amém. Sim, Deus quer que eu
trabalhe aqui, apesar de minhas fraquezas. Seus poder se aperfeiçoa na fraqueza. Nós não nos firmamos em nosso saber e nossos dons, mas na Palavra, pela qual o Espírito Santo trabalha “quando e onde lhe apraz”.
Assim é a vida não somente do pastor, mas de todo o cristão. Há lutas, há fraquezas. Nossa carne nos dá trabalho cada dia. E nossa consciência nos acusa. Nestes momentos, em que a consciência nos acusa de pecados, cabe nos
buscar refúgio na graça de Cristo. Pois pecados não se trata com conselhos, nem com bons propósitos. O pecado precisa morrer, por confissão e arrependimento e o novo sair e ressurgir, pela força do evangelho, novo
homem, que viva em justiça e pureza diante de Deus eternamente.
Que privilégio ser pastor. Poder descansar cada dia em Cristo. A ele levamos nossas preocupações, fracassos e ansiedades. Ele nos dá descanso.
– Abençoado Dia do Pastor.
São Leopoldo, 09/06/2008
Horst R. Kuchenbecker
Fonte: IEADV Serrana