“Então, Pedro começou a dizer-lhe: Eis que nós tudo deixamos e te seguimos.
Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos por amor de mim e por amor do evangelho,
que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e, no mundo por vir, a vida eterna.” (Marcos 10.28-30)
Por causa da corrupção da nossa natureza, os defeitos dos outros são capazes de nos levantar em nossa própria estima, e de nos dar ensejo para o auto-aplauso. Isso não deveria ser assim, porque os defeitos dos outros deveriam ser lamentados, não menos do que os nossos, porque eles são prejudiciais para as almas dos homens; e, se nós mesmos estamos livres de tais falhas, temos razão para glorificar a Deus por sua graça, a única que nos faz diferir dos outros.
Temos, no contexto um lamentável exemplo da fraqueza humana: um jovem de hábitos exemplares, que, ao lhe ser requerido que vendesse tudo o que tinha, para dar aos pobres, e seguir a Cristo, retirou-se triste; entristecido com Cristo; preferindo a sua riqueza antes do que a dele. Pedro, vendo isso, começou a refletir com complacência sobre a conduta diferente, que ele e seus companheiros apóstolos, tinham possuído: eles haviam deixado tudo por Cristo; e, como nosso Senhor tinha dito ao jovem, que, se obedecesse ao seu conselho, teria “um tesouro no céu”, Pedro perguntou, que recompensa ele e seus irmãos teriam pelos sacrifícios que eles tinham feito na causa de Cristo; “Temos deixado tudo, e te seguimos; e o que deveremos ter por conseguinte?”, Mateus 19.27.
Esta pergunta é a primeira coisa para a nossa presente consideração.
Embora os apóstolos fossem pobres, seu TUDO era tanto para eles, quanto teria sido se tivessem sido ricos; nem podemos duvidar, que a entrega disto era aceitável para Deus, como se fosse o sacrifício mais custoso: “isto é aceito de acordo com o que o homem tem, e não de acordo com o que ele não tem”, 2 Cor 8.12.
Este sacrifício foi exigido deles , e eles tiveram que oferecê-lo sem hesitação, pois poderiam realmente dizer que “tinham deixado tudo por Cristo”, e eles tinham, assim, comprovado serem dignos de sua descendência dele, porque, sob o comando de Deus, tinham oferecido o seu único filho Isaque sobre o altar. Também não devemos imaginar que o dever era algo peculiar a eles; porque é tanto nosso dever, como era deles, a saber, deixar tudo por Cristo. Nós não somos chamados, como os apóstolos, a abandonar nossos chamados mundanos, a fim de seguirmos ao Senhor; ao contrário, somos convocados a “permanecer na condição na qual somos chamados”, mas devemos estar dispostos a sacrificar tudo por Cristo, e devemos realmente sacrificar tudo o que estiver em concorrência com ele; a este respeito todo o mundo cristão é chamado ao mesmo exercício de fé e abnegação como os apóstolos haviam sido; cada coisa pecaminosa deve ser mortificada, e até mesmo as mais inocentes e necessárias devem ser abandonadas, e ainda mais aquelas que possam nos induzir à prática de qualquer pecado, ou à negligência de qualquer dever; é preciso “aborrecer pai e mãe, e até mesmo as nossas próprias vidas também, para ser discípulo de Cristo.”, Lucas 14.26.
Sob tais circunstâncias a pergunta de Pedro parece ser razoável; porque se devemos entregar tudo por e para Cristo, podemos perguntar: Que hei de ganhar com isso? ou, que recompensa devo obter? Não é de se esperar que Deus vai nos chamar para tais provações, e não nos remunerar por nossa fidelidade a ele. É verdade, que nós nunca podemos olhar para uma recompensa de dívida; mas por uma recompensa de graça podemos esperar, e que também é proporcional aos sacrifícios que fazemos, os sofrimentos que enfrentamos, e os serviços que realizamos.
Nós não temos a liberdade de fazer barganhas, por assim dizer, com o Todo-Poderoso, e estipular salários em troca de nossos serviços; devemos sim entrar voluntariamente ao seu serviço, e alegremente dar tudo por ele; mas depois de ter feito os sacrifícios necessários, podemos indagar pela recompensa prometida. Devemos, como Abraão, “sair do nosso país e da nossa parentela, sem saber para onde vamos”, Heb 11.8, e devemos confiar em Deus para fazer toda a provisão necessária para nós; e, se ele não tiver especificado qualquer coisa na sua Palavra, devemos ficar contentes em continuar ignorantes quanto à retribuição que ele nos fará, mas, como ele teve o prazer de fazer promessas específicas para aqueles que confiam nele, não podemos estar errando por nos esforçar para determinar a sua importância e extensão.
A RESPOSTA DE NOSSO SENHOR a esta pergunta é o próximo ponto a ser considerado por nós.
Mateus registra mais sobre a resposta de nosso Senhor do que qualquer um dos outros evangelistas. Ele menciona uma parte que parece mais imediatamente aplicável para os próprios apóstolos, que, “na regeneração”, isto é, no dia em que “Deus vai fazer novas todas as coisas”, e “haverá novos céus e uma nova terra”, e “quando o Senhor vier em sua glória para julgar o mundo”, eles serão honrados acima de todos os outros homens, sendo, por assim dizer, os assessores de Cristo no juízo, e terão a sua palavra como a lei pela qual “as doze tribos de Israel”, e todo o mundo, serão julgados. Marcos registra apenas o que era de aplicação geral, mas ainda assim ele apresenta toda a satisfação que a pessoa mais despojada e destituída possa desejar.
Há uma recompensa presente que todos os que sofrem perdas por causa de Cristo devem receber, e que também excederão em muito qualquer perda que elas possam eventualmente sofrer. É tomado como certo que eles podem perder o afeto de todos os seus parentes mais achegados por causa do seu apego ao Evangelho, e que eles podem ser privados de tudo o que eles possuem no mundo, mas, Deus lhes enviará, frequentemente, suprimentos de uma outra forma, que devem, em realidade exceder qualquer tipo de perda, e se ele não lhes retribuir desta forma, ele irá dar-lhes “contentamento, que com a piedade é grande ganho”, e um tal aumento de alegria que lhes será mais doce do que todas as iguarias sobre a terra. Ele “derramará seu amor em seus corações”, e, sob a perda de pais terrenos, e de sua porção terrena, serão capacitados a chamá-lo de Pai, e a terem o próprio céu como sua herança. Que qualquer um que tiver experimentado estas consolações, dirá, que elas são “cem por um” maior do que tudo o que eles sempre tiveram como conforto de suas posses terrenas em sua abundância mais rica.
Mas, além disso, há uma recompensa futura, “a vida eterna”, que será certamente dada a todos os que sofrem por Cristo neste mundo; “se sofremos com ele, também reinaremos com ele”, e “seremos glorificados”, e teremos “um peso de glória proporcional” às provações que suportamos, e as graças que exercemos, em seu serviço.
Mas quem pode estimar o valor desta recompensa? Basta dizer que a veracidade de Deus está penhorada na concessão disto, e que as bênçãos prometidas existirão, tanto quanto o próprio Deus existe.
Texto de Charles Simeon, em domínio público, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.