“E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12.2)
“E não vos conformeis com este mundo”. O termo mundo tem vários significados, mas aqui isso significa os sentimentos e os costumes dos homens; aos quais, não sem motivo, ele nos proíbe de estarmos conformados a eles. Pois desde que o mundo inteiro jaz no maligno, cabe-nos lançar fora o que temos do velho homem, se queremos realmente estar em Cristo; e para eliminar qualquer dúvida, ele explica o que ele quer dizer, ao afirmar o que é contrário à natureza; pois ele nos convida a sermos transformados em uma novidade de espírito. Esses tipos de contrastes são comuns nas Escrituras; e, portanto, o assunto é mais claramente assentado.
Agora vejamos que tipo de renovação é exigida de nós: não é aquela relativa à carne apenas, ou da parte inferior da alma, como os Sorbonistas explicam esta palavra; mas da mente, que é a parte mais excelente em nós, e à qual os filósofos atribuem a supremacia; porque a chamam de ἡγεμονικὸν, o poder de liderar; e a razão é imaginada por eles como sendo a rainha mais sábia. Mas Paulo a retira do seu trono, e assim a reduz a nada, ensinando-nos que devemos ser renovados na mente. Porque por mais que possamos lisonjear-nos, esta declaração de Cristo ainda é verdade – que cada homem deve nascer de novo, para que possa entrar no reino de Deus; porque estamos na mente e no coração, completamente alienados da justiça de Deus.
“Para que experimenteis”. Aqui você tem a finalidade para a qual devemos renovar a nossa mente – para que dando adeus a nossos próprios conselhos e desejos, e os de todos os homens, possamos estar atentos unicamente para a vontade de Deus, o conhecimento do qual procede a verdadeira sabedoria. Mas, se a renovação de nossa mente é necessária, a fim de que experimentemos qual seja a vontade de Deus, é, portanto, evidente o quanto ela é oposta a Deus.
Os epítetos que são adicionados são destinados para a finalidade de nos recomendar à vontade de Deus, para que possamos buscar conhecê-lo com maior presteza; e, a fim de restringir a nossa perversidade, é realmente necessário que a verdadeira glória da justiça e perfeição seja atribuída à vontade de Deus. O mundo convence-se de que as obras que ele já inventou são boas; mas Paulo exclama, que o que é bom e justo deve ser determinado a partir dos mandamentos de Deus. O mundo louva a si mesmo, e se deleita com suas próprias invenções; mas Paulo afirma que nada agrada a Deus, exceto o que ele tem ordenado. O mundo, a fim de encontrar a perfeição, desliza a partir da palavra de Deus em seus próprios dispositivos; Paulo, através da fixação da perfeição na vontade de Deus, mostra que, se alguém passa sobre essa marca, ele está iludido por uma falsa imaginação.
Texto de João Calvino, traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
(Nota do Pr Silvio Dutra: Não à guisa de esclarecimento do que foi comentado por Calvino, que é bem claro quanto à interpretação do texto bíblico, mas para a nossa reflexão, adiciono que a questão de fazer a vontade de Deus e não a nossa, não se trata de uma mera oposição de vontades, mas de vivermos de acordo com aquilo para o que fomos projetados ao termos sido criados por Deus. Evidentemente, é por isso que Ele pode aprovar somente o que pensamos e fazemos, que esteja em conformidade com o padrão de vida que nos define como pessoas que respondem à imagem e semelhança com Deus, com a qual e para a qual fomos criadas. Não temos portanto em relação a este assunto, em vista, qualquer tipo de vontade divina caprichosa, que tenha o propósito de se afirmar autoritária e tiranicamente sobre a nossa própria vontade, uma vez que tendo sido a nossa mente corrompida pelo pecado, é totalmente compreensível que ela seja restaurada pela renovação que se acha por meio da fé em Jesus Cristo, e na prática da Sua Palavra.)