Tullian Tchividjian (entrevistado por Justin Taylor)
Pergunta: O evangelho é uma via média entre o legalismo e o total descaso para com a lei?
Tullian Tchividjian: Este parece ser um engano comum na igreja hoje. Eu ouço as pessoas dizerem que há dois perigos de igual risco que os cristãos precisam evitar: legalismo e antinomismo (ausência de lei). Legalismo, segundo eles, ocorre quando você focaliza demais na lei, ou em regras. Antinomismo, eles dizem, acontece quando você focaliza demais na graça. Então, para manter o equilíbrio espiritual, você tem que equilibrar lei e graça. Legalismo e antinomismo são apresentados tipicamente como dois fossos, um em cada lado do Evangelho, que nós devemos evitar. Se você começa recebendo muita lei, você precisa equilibrar isso com graça. Muita graça, você precisa equilibrar com lei. Mas eu passei a acreditar que este jeito “equilibrado” de moldar o assunto pode nos impedir inconscientemente de realmente entender o evangelho da graça em toda sua profundidade e beleza.
Pergunta: Como você abordaria o assunto, então?
Tullian Tchividjian: Eu creio que é teologicamente mais preciso dizer que há um inimigo primário do evangelho – legalismo – mas ele vem em duas formas.
Algumas pessoas evitam o evangelho e tentam “se salvar” mantendo regras, fazendo o que lhes disseram para fazer, mantendo os padrões, e assim por diante (você poderia chamar isso de “legalismo de linha de frente”).
Outras pessoas evitam o evangelho e tentam “se salvar” quebrando as regras, fazendo tudo que elas querem, desenvolvendo seus próprios padrões autônomos, e assim por diante (você poderia chamar isso de “legalismo de retaguarda”).
Pergunta: Assim a escolha fica entre submeter-se à regra de Cristo ou submeter-se à autonomia?
Tullian Tchividjian: Certo. Há duas “leis” pelas quais podemos escolher viver, diferentes de Cristo: a lei que diz que “posso achar liberdade e abundância de vida guardando regras” ou a lei que diz que ” posso achar liberdade e abundância de vida quebrando as regras.”
Ambas são legalistas neste sentido: uma “regra de vida” tem como sua meta guardar regras; a outra “regra de vida” tem como meta a quebra de regras. Mas ambas são uma regra de vida a qual você está se submetendo – uma regra de vida que está te dirigindo – que é definida por você e por sua habilidade de desempenho. O sucesso é determinado pela sua capacidade de quebrar ou manter as regras. De qualquer forma você ainda está tentando “salvar-se” a si mesmo, o que significa que ambas são legalistas porque ambas são projetos de auto-salvação.
Se a maioria das pessoas fora da igreja é culpada de legalismo “quebre as regras”, a maioria das pessoas dentro da igreja é culpada de legalismo “cumpra as regras”.
Pergunta: O que você diz para pessoas que pensam que nós precisamos “manter a graça sob controle” distribuindo alguma lei?
“Quanto mais Jesus é exaltado como sendo suficiente para nossa justificação e santificação, mais nós começamos a morrer para nós mesmos e viver para Deus.”
Tullian Tchividjian: Fazer assim prova que nós não entendemos a graça e rompemos com o avanço do evangelho em nossas vidas e na igreja. Uma disposição do tipo “sim, graça… mas” é o tipo de postura que mantém o moralismo rondando a igreja. Alguns de nós achamos que o único modo de manter pessoas licenciosas sob controle é dando-lhes a lei. Mas o fato é que o único modo pelo qual pessoas licenciosas começam a obedecer é quando elas experimentam a aceitação radical de pecadores por parte de Deus. Quanto mais Jesus é exaltado como sendo suficiente para nossa justificação e santificação, mais nós começamos a morrer para nós mesmos e viver para Deus. Os que acabam obedecendo mais são aqueles que crescentemente entendem que a posição deles com Deus não está baseada na obediência deles, mas na de Cristo.
Pergunta: Mas os cristãos não precisam ser sacudidos para saírem de suas zonas de conforto?
Tullian Tchividjian: Sim. Mas você não faz isso dando-lhes lei; você faz isto dando-lhes o evangelho. O Apóstolo Paulo nunca usa a lei como uma forma de motivar a obediência; ele sempre usa o evangelho. Paulo sempre satura as obrigações do evangelho em declarações do evangelho porque Deus não está simplesmente preocupado com um tipo qualquer de obediência; Ele se preocupa com um certo tipo de obediência (como ilustrado pelos sacrifícios de Caim e Abel). A obediência que agrada a Deus é a obediência que flui da fé – fé naquilo que Deus já fez e confiança naquilo que ele fará no futuro. E embora nós devamos obedecer até mesmo quando não nos sentimos dispostos, obediência de longo prazo, contínua, sincera, ao evangelho só pode vir da fé e da graça; não do medo e da culpa. Conformidade de comportamento, sem a mudança de coração que só o evangelho pode fazer, será superficial e de curta duração. Ou, como eu gosto de dizer, imperativos menos indicativos é igual a impossibilidades.
Pergunta: Então você acha que a lei não tem – ou não deveria ter – mais nenhum papel na vida cristã?
“O poder para obedecer vem de ser movido e motivado pela obra completa de Jesus por nós. O combustível para fazer o bem vem daquilo que já foi feito.”
Tullian Tchividjian: Não. Apesar da lei de Deus ser boa (Romanos 7), só tem o poder de revelar o pecado e mostrar o padrão e imagem do requisito de integridade, não de remover o pecado. A lei nos mostra o que Deus ordena (o que, evidentemente, é bom), mas a lei não possui o poder para nos permitir fazer o que ela diz. Você poderia colocar isso deste modo: a lei guia, mas não dá. Em outras palavras, a lei mostra para nós como é uma vida santificada, mas não tem poder santificador. A lei não pode mudar um coração humano. É o evangelho (o que o Jesus fez) que pode nos dar o ânimo a obedecer de uma forma que honra a Deus. O poder para obedecer vem de ser movido e motivado pela obra completa de Jesus por nós. O combustível para fazer o bem vem daquilo que já foi feito. Portanto, enquanto a lei nos guia, só o evangelho pode nos dirigir.
Pergunta: Você é mestre em pintar bons quadros com palavras. Tem algum para isto?
Tullian Tchividjian: Bem, alguém me falou recentemente que a lei é como um conjunto de trilhos de via férrea. Os trilhos não provêem nenhuma energia para o trem, mas o trem tem que ficar nos trilhos para funcionar. A lei nunca dá poder algum para fazer o que ela ordena. Só o evangelho tem poder para, por assim dizer, mover o trem.
Pergunta: Mas a Bíblia não nos motiva dizendo que se nós amamos Jesus nós guardaremos os seus mandamentos?
Tullian Tchividjian: Quando João (ou Jesus) fala sobre guardar os mandamentos de Deus como um meio para saber se você ama Jesus ou não, ele não está usando a lei como um meio para motivar. Ele está simplesmente declarando um fato. Aqueles que amam a Deus continuarão guardando os seus mandamentos. A pergunta é como guardamos os mandamentos de Deus? O que sustenta uma obediência prolongada na mesma direção? De onde vem o poder de fazer o que Deus ordena? Como todo pai e professor sabem, conformidade comportamental a regras sem mudança de coração será superficial e efêmera. Mas superficial e efêmero não é o que Deus quer (isso não é o que significa “guardar os mandamentos de Deus”). Deus quer uma obediência contínua do coração. Como isso é possível? Obediência motivada pelo evangelho, de longo prazo, contínua, só pode vir da fé naquilo que Jesus já fez, não do medo do que nós temos que fazer. Parafraseando Ray Ortlund, qualquer obediência não fundamentada no evangelho ou motivada pelo evangelho é insustentável.
Pergunta: Você acredita no assim chamado “terceiro uso da lei”?
Tullian Tchividjian: Sim. Eu sou um crente convicto nos três usos da lei (pedagógico, civil e didático). A lei nos remete a Cristo para justificação (o primeiro uso, que está correto), mas alguns também diriam que Cristo nos manda de volta para a lei para santificação (uma forma equivocada de entender o terceiro uso). Em outras palavras, há um engano comum na igreja que diz que enquanto a lei não pode justificar, ela pode nos santificar. Não é verdade. Em Romanos 7, Paulo está falando como um cristão justificado, salvo, regenerado e ele está dizendo: “A lei não tem o poder de me transformar. A lei guia mas não dá poder algum para fazer o que diz”. Portanto, eu gostaria de prevenir as pessoas de concluir que o terceiro uso da lei insinua que ela tem poder para transformar. Dizer que a lei não tem nenhum poder para nos transformar, de forma alguma reduz seu papel contínuo na vida do cristão. E não minimiza em absoluto a importância do terceiro uso da lei. Nós só precisamos entender o papel preciso que ela exerce para nós hoje: a lei serve para nos tornar gratos por Jesus quando nós a quebramos e serve para nos mostrar como amar a Deus e aos outros.
Pergunta: Como você reduziria a sua preocupação a uma sentença?
Tullian Tchividjian: Nós somos justificados somente pela graça, mediante a fé somente, na obra acabada de Cristo somente, e Deus nos santifica trazendo-nos constantemente de volta à realidade da nossa justificação.
Fonte: Extraído do blog de Tullian Tchividjian no Gospel Coalition. / Bom Caminho
Tradução: Juliano Heyse