“Mas isso deve ser a aliança que farei com a casa de Israel; Depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei a minha lei no seu interior, e a escreverei no seu coração; e serei o seu Deus e eles serão o meu povo.” (Jeremias 31.33)
Ele agora mostra uma diferença entre a Lei e o Evangelho, porque o Evangelho traz consigo a graça da regeneração: a sua doutrina, portanto, não é a da letra, mas penetra no coração e reforma todas as faculdades interiores, de modo que a obediência é atribuída à justiça de Deus.
Uma questão pode, contudo, ser aqui apresentada: Faltou a graça da regeneração aos Patriarcas sob a Lei? Mas isso é muito absurdo. O que, então, se quer dizer quando Deus nega aqui que a lei foi escrita no coração, antes da vinda de Cristo? A isso respondo, que os Patriarcas, que anteriormente foram regenerados, obtiveram este favor por meio de Cristo, de modo que podemos dizer, que era como se fosse transferida para eles de outra fonte. O poder depois de penetrar o coração não era inerente à Lei, mas era um benefício transferido a partir do Evangelho. Isso é uma coisa. Então sabemos que esta graça de Deus era rara e pouco conhecida sob a Lei; mas que, sob o Evangelho os dons do Espírito Santo foram mais abundantemente derramados, e que Deus tem tratado mais generosamente com a sua Igreja. Mas ainda assim o principal a considerar é o que a Lei de si mesma, especialmente quando é feita uma comparação entre a Lei e o Evangelho.
Porque quando falta a comparação, isso pode não ser corretamente aplicado à Lei; mas no que diz respeito ao Evangelho é dito que a Lei é a letra, como é chamado em outro lugar (Romanos 7.6) e esta também é a razão por que Paulo a chama de letra em 2 Coríntios 3.6 – “A letra mata” etc. Por “letra” não significa o que Orígenes tolamente explicou, pois ele perverteu essa passagem como fez com quase toda a Escritura. Paulo não quer se referir ao sentido simples e claro da Lei; porque a chama de letra por outra razão, porque é colocado somente diante dos olhos dos homens o que é certo, e parece que também em seus ouvidos. E a palavra letra refere-se ao que está escrito, como se ele tivesse dito: A lei foi escrita em pedras, e era, portanto, uma carta. Mas o Evangelho – o que é? É o espírito, isto é, Deus não se dirige apenas pela sua palavra aos ouvidos dos homens e a apresenta diante de seus olhos, mas ele também ensina interiormente seus corações e mentes.
Esta é então a solução da questão: o Profeta fala da lei em si mesma, como aparte do Evangelho, porque a Lei, então, está morta e destituída do Espírito de regeneração.
Em seguida, ele diz: eu vou colocar a minha lei no seu interior. Por estas palavras, ele confirma o que temos dito, que a novidade, que ele antes mencionou, não era assim quanto à substância, mas tão somente quanto à forma, porque Deus não diz aqui: “Eu vou lhes dar uma outra lei”, mas eu vou escrever a minha lei, isto é, a mesma Lei, que anteriormente tinha sido entregue aos Patriarcas. Ele, então, não promete nada de diferente quanto à essência da doutrina, mas ele faz a diferença unicamente quanto à forma. Mas ele afirma a mesma coisa de duas maneiras, e diz que ele iria colocar a sua lei no seu interior, e que ele iria escrever no seu coração. Nós, sabemos de fato, o quão difícil é que o homem seja conduzido à obediência para que toda a sua vida possa estar em uníssono com a Lei de Deus, porque todos os desejos da carne são grandes inimigos, como diz Paulo, que lutam contra Deus (Romanos 8.7). Como então todas as nossas paixões e concupiscências nos conduzem assim em guerra contra Deus, isto é de uma maneira uma renovação do mundo quando os homens se deixam governar por Deus.
E nós sabemos que a Bíblia diz, que não podemos ser discípulos de Cristo, a não ser que renunciemos a nós mesmos e ao mundo, e neguemos a nós mesmos (Mateus 6.24; Lucas 14.26,27). Esta é a razão por que o Profeta não estava satisfeito com uma declaração, mas disse: Eu vou colocar a minha lei no seu interior, vou escrevê-la em seus corações.
O Profeta atesta aqui que é obra exclusiva de Deus escrever sua Lei em nossos corações. Assim então, desde que Deus declara que este favor é justamente seu e reivindica para si a glória disto, quão grande deve ser a arrogância dos homens em se apropriarem disto para si? Escrever a Lei no coração importa nada menos do que a Lei deve governar lá, e que não deveria haver qualquer sentimento do coração, não conformado à sua doutrina. Isto está, portanto, suficientemente claro, que ninguém pode ser transformado de forma a obedecer a Lei, até que ele seja regenerado pelo Espírito de Deus; mais ainda, que não há inclinação no homem para agir corretamente, exceto se Deus preparar o coração pela sua graça; em uma palavra, que a doutrina da letra é sempre morta, até que Deus a vivifique pelo seu Espírito.
Ele acrescenta: E eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Aqui Deus apresenta genericamente a substância da sua aliança; para o que está designada a Lei, exceto que as pessoas deveriam recorrer a ele, e que ele também deveria exercer um cuidado sobre o seu povo? Pois sempre que Deus declara que ele será nosso Deus, ele nos oferece sua disposição paternal, e declara que a nossa salvação sendo o objeto de seus cuidados; ele nos dá um acesso livre a si mesmo, nos convida a repousar em sua graça, e, em suma, esta promessa contém em si tudo que é necessário para a nossa salvação. O caso se aplica também no dia de hoje, sob o Evangelho; porque como nós somos estranhos ao reino dos céus, ele nos reconcilia consigo mesmo, e atesta que ele será nosso Deus. Disso depende o que se segue, e eles serão o meu povo; porque um não pode ser separado do outro. Por essas palavras, então, o Profeta sugere brevemente, que o objeto principal da aliança de Deus é que ele deve se tornar o nosso Pai, de quem devemos buscar e esperar a salvação, e que devemos também tornar-se seu povo.
Texto de João Calvino, traduzido e adaptado por Silvio Dutra.