O “legalismo” se tornou para todos os fins uma réplica evangélica a qualquer menção de santidade, obediência, ou boas obras. Eu não quero ser um legalista. Eu odeio o legalismo. Odeio cada expressão de legalismo. O legalismo, conforme definido em Gálatas 5:1, é o erro de abandonar nossa liberdade em Cristo, a fim de assumir um jugo de escravidão legal. Para o legalista, as boas obras são necessárias para ganhar o favor de Deus. (Ainda que Deus requeira e se agrade da prática das boas obras, realmente não é por meio delas que obtivemos ou continuaremos obtendo o seu favor, senão por causa exclusivamente de Jesus Cristo e de tudo o que fez por nós, para a nossa expiação, aceitação, reconciliação, justificação, redenção, santificação e glorificação – como poderíamos receber estas realidades espirituais por meio de nossas obras? – nota do tradutor.)
Eu não tenho qualquer simpatia pela ideia de que aqueles que acreditam que a pessoa com a consciência mais sincera (ou a escola bíblica com as regras mais rigorosas) deveriam definir para nós o que seja a santidade. Estou muito feliz de deixar a Escritura definir os parâmetros da santificação. E onde a Bíblia é silenciosa, eu acho que deveria ser, também.
Então, eu deploro a cada pitada de legalismo, e quero deixar isso claro.
Mas, também enfaticamente desprezo a tendência evangélica comum de considerar como “legalista” todas as chamadas para a obediência e para cada convocação à santidade. Como se a graça fosse uma punição por causa de desobediência e imoralidade. Como se o evangelho nos desse licença para “Permaneceremos no pecado, para que a graça aumente.” Ele nunca pode ser isto! Como morreríamos para o pecado ainda vivendo nele?”
Agora, a linha de demarcação entre o Evangelho e a lei é absolutamente vital, e você nunca vai me ouvir dizer o contrário. Um dos grandes avanços da Reforma Protestante veio na forma como Martinho Lutero salientou a distinção entre lei e evangelho. A lei não é evangelho e vice-versa. Eu aprecio os que trabalham para diferenciar entre os dois. Não há praticamente nenhuma distinção teológica mais importante.
E deixe-me dizer isto mais uma vez, com ênfase: Confundir a lei e o evangelho não é um pequeno erro. É um erro fácil de se cometer, e vamos ser francos: parece haver algo no coração humano caído que nos torna propensos a esse erro. É o erro que está no cerne de todo o tipo de legalismo. Eu acho que há uma tendência de cada mente humana caída para o padrão para o legalismo, e é certo que devemos resistir a essa tendência. Não há nenhum erro mais mortal em toda a teologia. Algumas das palavras mais fortes de condenação em qualquer lugar do Novo Testamento foram destinadas a quem suplantou as promessas do evangelho com exigências legais (Gálatas 1:6-9).
Então estamos claros sobre isso? Eu odeio o legalismo com uma paixão santa.
No entanto, é um erro grave (também condenado em termos muito fortes pelo apóstolo Paulo) imaginar que o evangelho não concorda com o padrão moral estabelecido pela lei; que a justificação pela fé, elimina a necessidade de obediência, ou que a liberdade perfeita da graça de Deus dá a licença para uma vida não santa. As boas obras, obediência aos mandamentos de Cristo, e encorajamentos e admoestações para sermos santos são aspectos necessários da vida cristã. Não necessariamente (na forma como o legalista sugere) para ganhar o favor de Deus. Na verdade, nossas obras são inúteis, totalmente impotentes, para esse fim. Mas a obediência é uma expressão natural e inevitável e essencial do amor a Cristo e gratidão por Sua graça. Esta é a lição prática principal que podemos aprender com o princípio da graça: a graça nos compele ao amor e às boas obras. A graça nos constrange a renunciar ao pecado e a buscar a justiça.
Veja: O evangelho é mais excelente do que a lei, mas os dois não discordam. O evangelho nos liberta da condenação da lei, mas não nos dispensa do padrão moral estabelecido pela lei. Ou, para dizer de outra forma: o princípio da sola fide – justificação somente pela fé – não é hostil às boas obras. O evangelho coloca as boas obras no seu devido lugar, mas se entendermos corretamente o princípio da sola fide, seremos zelosos de boas obras; em busca sincera da santidade, e ansiosos para obedecer aos mandamentos de nosso Senhor. Não precisamos ser nem um pouco hesitantes em “estimularmos um ao outro ao amor e às boas obras.”
E isso é o que vamos ver na passagem que estamos meditando nesta hora – Tito 2:11-15. Lendo este texto, que lições podemos aprender com uma compreensão bíblica do princípio da graça? Qual é a graça afirmada que deve nos ensinar? Em toda a nossa conversa sobre ser saturado de graça, com foco no evangelho, o ministério centrado em Cristo, será que realmente temos entendido a “graça” corretamente, ou temos inadvertidamente caído no mesmo passo de “homens ímpios, que transformam a graça de nosso Deus em libertinagem?” E se nós, como pastores, temos feito um bom trabalho em instruir o nosso povo nas verdadeiras lições da graça?
Agora, aqui está a nossa passagem (Tito 2:11-15):
11 Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens,
12 educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,
13 aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus,
14 o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras.
15 Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze.
Vamos começar com uma palavra sobre o contexto e as circunstâncias que levaram a esta epístola. Paulo está escrevendo a Tito, a quem ele “deixou… em Creta, para que Tito colocasse em ordem o que ainda era necessário e constituísse presbíteros em cada cidade” (1:5). Então Tito está treinando e designando líderes para as igrejas em Creta. E Paulo envia a Tito uma pequena lista de qualificações para os homens que ele deveria nomear anciãos nas igrejas. É essencialmente idêntica à lista dada em 1 Timóteo 3. O princípio central, certamente, é o de que os líderes da igreja são “mordomos de Deus” e, portanto, devem ser moralmente e de reputação “irrepreensível”. Paulo reitera a mesma expressão duas vezes, no início de sua lista, em 1:6 e novamente no versículo 7.
Ele segue com uma lista de especificações que definem o significado de ser “irrepreensível”. Notem que exceto para a habilidade de ensinar (que é um dom que é absolutamente necessário para cumprir o chamado de um ancião) os requisitos apresentados por Paulo não se referem a habilidades e talentos. Eles são qualidades de caráter. E todos eles têm a ver com a maturidade, domínio próprio e retidão moral.
Este é o tipo de homem que está qualificado para liderar a igreja. Ele não é um palhaço ou um comediante. Não é alguém com potencial para ser uma celebridade, um futurista, um inovador, e palestrante motivacional. O tipo de pessoa que Tito deveria nomear para a liderança não era alguém com um enorme ego e um dom para ser simplista. Não há nada aqui sobre capacidade artística, graus de aprendizagem, exatidão política, visão de negócios, estilo de roupa, inteligência e criatividade, ou o seu conhecimento da cultura popular Nenhuma das coisas que as igrejas de hoje tendem a pesar quando à procura de um pastor.
Mas os anciãos que Tito deveria treinar e ordenar simplesmente precisavam ser, santos, homens disciplinados, maduros, capazes de lidar com a Palavra de Deus com precisão e ensinar suas verdades para os outros. Não jovens, e culturalmente esclarecidos, mas homens de Deus que são totalmente maduros e firmes.
Se você entender o que Paulo está dizendo aqui e compará-lo com a cultura evangélica do século 21, isto deveria causar um pouco de dissonância cognitiva. A estratégia que Paulo está dizendo a Timóteo para usar no trabalho de plantação de igrejas nada tem a ver como as organizações de plantação de igrejas de hoje dizem ser necessário.
Eu não posso imaginar que Tito leu esta carta e levou Paulo a dizer que ele precisava para começar a dar aulas de contextualização, patrocinando seminários sobre sexo, gerindo simpósios sobre inovação e marketing da igreja, ou oferecendo cursos sobre liderança valendo-se das obras mais recentes escritas sobre o assunto por autores renomados, que vão na contramão de tudo o que o apóstolo ensinou.
E (eu sei que isso é um pouco de digressão, mas) eu quero dizer isto claramente: As maiores ameaças para o evangelho de hoje não são as políticas do governo que prejudicam os nossos valores, e nem crenças seculares que atacam nossas confissões de fé, nem mesmo ateus que negam nosso Deus. Os maiores inimigos do evangelho de hoje são igrejas mundanas e pastores mercenários que banalizam o Cristianismo.
E isso não é um problema novo. Isto era verdade mesmo nos tempos apostólicos – em muitas igrejas primitivas. Em Filipenses 3:18-19, o apóstolo Paulo escreveu: “Porque muitos há, dos quais muitas vezes eu vos disse, e agora vos digo até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo.” Uma das principais características que Paulo destacou desses inimigos da cruz – inimigos da autêntica graça, era que eles “tinham suas mentes nas coisas terrenas.” Eles “pervertiam a graça de nosso Deus em sensualidade.” Eles misturaram a ideia de liberdade cristã com uma oportunidade para satisfazer a carne. Eles “usaram a liberdade como um disfarce (cobertura) para o mal.” No processo, eles banalizaram a cruz, corromperam a idéia da graça, e perverteram o evangelho.
E aqui no nosso texto, Paulo emprega o princípio da própria graça para refutar tal banalizada, mundana, noção de uma religião sem lei. Ele diz que as verdadeiras lições que aprendemos com a graça haviam fugido em face de tudo o que é superficial e mundano, injusto, desobediente.
Por uma questão de fato, Paulo está advertindo Tito a não ceder às tendências da cultura cretense secular. Capítulo 1, versículo 12: “Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos.” Isso provavelmente não era uma coisa politicamente correta para ser dita, mas mesmo assim, Paulo acrescenta enfaticamente: “Este testemunho é verdadeiro. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sãos na fé.” Ele estava dizendo a Tito que a igreja deve ser contra-cultural, resistente aos males e falhas de caráter da sociedade secular. Os líderes da Igreja não devem ser obcecados com ganhar elogios e admiração do mundo.
Em vez disso, Paulo diz (2:1): “ensina o que está de acordo com a sã doutrina,” e ele passa a dar uma série de mandamentos para categorias específicas de pessoas na igreja: “anciãos” (v. 2). “As mulheres mais velhas da mesma maneira” (v. 3). “As mulheres jovens” (v. 4). “Os homens mais jovens” (v. 6). “Escravos” (v. 9). E a Tito como o pastor missionário de plantação de igrejas é dada uma diretriz em particular: “Em todos os aspectos … seja um modelo de boas obras” (v. 7), especialmente por causa dos jovens que representam os futuros líderes na igreja .
Agora, observe que o versículo 1 fala de “o que está de acordo com a sã doutrina”, e, em seguida, Paulo passa a relacionar uma pequena lista de coisas que nós provavelmente rotulamos de “deveres práticos” mais do que os tipos de coisas que deveríamos designar como “verdades doutrinárias”. Veja, um dos principais pontos de Paulo aqui é que ele não quer que Tito gaste todo o seu tempo ensinando doutrina como teoria, concentrando-se apenas no conteúdo objetivo bíblico, histórico e teológico à custa de exortar a igreja à obediência e à santidade prática. E vamos ser honestos: isso é uma falha peculiar em algumas de nossas igrejas reformadas e calvinistas. Adotamos uma abordagem didática que é pesada em material relativo à verdade e à doutrina objetiva – algumas vezes, sem nunca abordar qualquer tipo de exortação prática.
O ponto de Paulo é que os deveres práticos vitais de santidade e obediência estão em perfeito “acordo com a sã doutrina.” As chamadas para a obediência e exortações à virtude não são incompatíveis com as doutrinas da graça, e muito menos estão em oposição à graça. Nas palavras do versículo 10, o que Paulo definiu neste capítulo são as ações e qualidades de caráter que “adornam a doutrina de Deus, nosso Salvador “.
Em outras palavras (se você me permite citar a versão bíblica NIV), estas são coisas que “vão tornar o ensino sobre Deus, nosso Salvador atraente”, e não” atraente” no sentido de que elas tornariam a mensagem numa estória que agrade o mundo. O evangelho ainda é “um escândalo para os judeus e loucura para os gentios.” Cristo ainda é “uma pedra de tropeço e rocha de escândalo”. Sua advertência em João 15:18-20 ainda é válida: “Se o mundo vos odeia, sabei que antes odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, porque eu vos escolhi do mundo, por isso o mundo vos odeia. Um servo não é maior do que seu senhor. Se eles me perseguiram, também vos perseguirão a vós.” Assim também, nas palavras de 1 João 3:13: “Não se surpreendam irmãos, que o mundo vos odeie.” Você não pode mudar isso e ser fiel. Pare de tanto se esforçar para ganhar a afeição do mundo.
E, no entanto, a virtude autêntica é atraente no sentido de que capta a atenção do mundo e dá à nossa mensagem uma medida de inegável credibilidade. Nesse sentido, o cultivo da virtude básica é mil vezes mais atraente do que qualquer marca atualmente popular do evangelismo elegante, da moderna religião, ou da contextualização pós-moderna.
Essa é a estratégia do apóstolo Paulo para se chegar a uma cultura hostil. E o que me intriga é como ele usa o princípio da graça para fazer seu ponto. Em contraste com aqueles que transformam a graça em libertinagem, Paulo diz que o princípio bíblico da graça nos ensina algo completamente diferente.
Na verdade, eu vejo três lições distintas que Paulo afirma que podemos aprender com a graça. Todas elas têm a ver com a forma como vivemos (em outras palavras, elas são práticas, não lições teóricas). Todas as três lições nos dão instruções e incentivos para a vida reta e obediência ao senhorio de Cristo. Isso, diz Paulo, é o que a graça deve produzir, não uma atitude negligente sobre a virtude e o vício, não uma aceitação casual dos valores mundanos, mas exatamente o oposto. O fruto verdadeiro da graça divina é uma vida santa.
A graça nos ensina três lições nos versículos 12 e 13, mas antes de nos concentrarmos nesses dois versos, preste atenção na estrutura da passagem maior, começando no versículo 11. Você notou as duas ocorrências da palavra “aparecer”? Versículo 11: “Porque a graça de Deus se manifestou.” Versículo 13: Nós estamos “esperando … o aparecimento de … Jesus Cristo.” É o mesmo texto básico no original grego. A palavra no versículo 11 é a forma verbal (para aparecer) e a palavra no versículo 13 é a forma substantiva (aparência); e a palavra grega tem a conotação de brilho (literalmente, “brilhar” ou “ser trazido à luz”).
E essas duas palavras apontam para os dois adventos de Jesus Cristo.
Versículo 11: “a graça de Deus se manifestou.” Como, especificamente? Na encarnação e ministério de Cristo. “Porque a lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.”, João 1:7 , e eu acho que é importante ressaltar o que João quis dizer quando escreveu isso. Ele não estava sugerindo, é claro, que a Velha Aliança era desprovida de graça. Ele não estava dizendo que a graça é algo novo que Cristo introduziu no seu primeiro advento. Ele simplesmente quer dizer que Cristo é a própria encarnação da graça divina. Moisés, por um lado, foi o legislador, Jesus, por outro lado, é a fonte e o representante vivo da graça de Deus. A lei foi a característica dominante da aliança mosaica, a graça e a verdade são as características dominantes da Nova Aliança. João 1:14: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, glória como do unigênito Filho do Pai, cheio de graça e de verdade.” (João 1:14). Moisés era o representante e instrumento através do qual a lei foi escrita em tábuas de pedra. Cristo é a pessoa em quem a graça e a verdade estão encarnados. Mas Moisés e Cristo não são adversários. Muito pelo contrário. Cristo veio como o cumprimento de tudo o que Moisés jamais escreveu.
E isso inclui a lei. A graça cumpre a lei, não a derruba. O próprio Jesus disse isso no início de Seu Sermão da Montanha (Mateus 5:17): “Não penseis que vim revogar a Lei ou os profetas: não vim revogar, mas cumprir.”
Assim a graça “apareceu” de uma forma única e definitiva através da encarnação e obra expiatória de Cristo. Paulo se refere a isso novamente em Tito 3:4-5: “Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo,”.
A palavra “aparecer” – manifestação – em Tito 2:13, certamente, é uma referência à segunda vinda de Cristo: “aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus,”. Agora, nós não temos tempo para entrar em detalhes sobre isso, mas a maneira como Paulo emprega as palavras nesta declaração é instrutiva. Esta é uma referência a uma pessoa, não duas. “Nosso grande Deus e Salvador, Cristo Jesus”. É uma afirmação da divindade de Cristo, e é um paralelo exato com a expressão encontrada no final do versículo 10: “Deus, nosso Salvador.” Jesus Cristo é o nosso Deus e nosso Salvador. É Sua manifestação em glória que esperamos.
Enquanto isso, vivemos entre esses dois adventos – as duas “aparições”. No final do versículo 12, Paulo se refere ao período de tempo entre as duas aparições como “o presente século”. Assim, ele nos aponta para o passado, quando “a graça de Deus … apareceu.” Ele quer que vivamos “no século atual” – exemplificando as virtudes da graça no aqui e agora. E ele quer que a gente fique de olho na expectativa sobre o futuro, à medida que ” aguardando a bendita esperança “, o retorno de Deus, nosso Salvador, em Seu esplendor completo – que será a culminação final tanto da graça quanto da glória.
Em outras palavras, existem dimensões passadas, presentes e futuras da graça, e a presente dimensão é o foco principal de nosso texto. Enquanto vivemos entre estes dois adventos, a graça nos leva para a escola. Este “presente século” é a escola da graça. E eu vejo três lições principais que a graça nos ensina. Elas todas são lições difíceis, porque são contrárias às tendências naturais da nossa carne caída, e nós temos que guardar e reaprender essas lições diariamente. Mas aqui estão elas. Lição número 1. A graça nos ensina:
1. A repudiar as obras da carne
Versos 11-12: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,”. Agora, eu preciso comentar o versículo 11, mas nós não podemos permanecer lá. Obviamente, este texto não está dizendo que a graça traz a salvação para todas as pessoas, porque Jesus ensinou repetida e expressamente que “larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e aqueles que entram por ela são muitos.” (Mateus 7:13). Descrições do julgamento final de Jesus sempre incluem avisos urgentes que muitos naquele dia ouvirão: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos.”
Então Tito 2:11 , não está ensinando uma doutrina de salvação universal. Observe a conjunção “Para” no início do verso. Vincula a declaração a que a precedeu – e isto é uma longa lista de categorias de pessoas – “Os homens mais velhos … mulheres mais velhas … mulheres jovens … homens mais jovens … e escravos.” “Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação para todos os tipos de pessoas, todas as pessoas: homens velhos, mulheres velhas, jovens, homens mais jovens, e escravos, nos ensinando a todos, a renunciar à impiedade e às paixões mundanas . “
Essa é a primeira lição que aprendemos debaixo da graça como nosso instrutor: “dizer não às paixões mundanas e à impiedade”. O verbo grego é arneomai, que significa “negar” ou “recusar”, ou “repudiar”.
É uma palavra forte, repudiar, mas não tão forte, talvez, como a palavra que Paulo ocasionalmente usa em outro lugar: “mortificar”, Romanos 8:13: “mortificar as obras da carne”. Colossenses 3:5: “Ponha à morte … o que é da terra em você”. Gálatas 5:24: “Crucifique a carne com as suas paixões e concupiscências”. O sentido, porém, é exatamente o mesmo. “Repudiar a impiedade e as paixões mundanas.” Quão fortemente devemos repudiar tais coisas? Basta seguir em frente e colocá-las à morte. Exterminá-las.
Essa é a primeira lição que a graça nos ensina. É no que consiste o arrependimento: a total, renúncia incondicional e negação das obras carnais e desejos mundanos.
Agora, isto não é opcional. Há uma ideia de que todas as exigências para a obediência e todo apelo à santidade são, por definição, pietistas, legalistas e moralistas, e, portanto, essas coisas devem ser evitadas, como se fossem uma ameaça séria para o evangelho e o princípio da graça.
Se você acha que cada apelo à santidade soa como legalismo, você tem um problema. Por outro lado, se você acha que o remédio real para a derrota na vida cristã é dobrar os joelhos e trabalhar duro para alcançar a santidade, você tem um problema, também. Acima de tudo, você tem uma visão distorcida da graça se você acha que a graça elimina qualquer necessidade de santidade. Você tem uma visão distorcida da graça se você acha que graça simplesmente derruba a justiça em favor do livre e fácil perdão. Se você pensa que a marca da chamada “livre graça” soa perigosa ou você acha que isso soa divertido, se você acha que graça torna discutível todo tipo de dever moral, você não entende a graça adequadamente.
Os evangélicos contemporâneos são perigosamente suscetíveis tanto ao legalismo quanto ao liberalismo, porque os evangélicos têm ficado satisfeitos com uma compreensão superficial da graça por gerações. O problema remonta, eu acho, a mais do que um século.
A graça foi degradada pela primeira vez no inferno. Em seguida, ela foi retratada como um meio de realização pessoal. Hoje em dia é geralmente entendida como um princípio que anula a necessidade de ser ou agir corretamente. Talvez alguns de vocês pensem que a graça é um princípio que anula a necessidade de ser ou agir corretamente. Mas isto é uma mentira que é enfaticamente refutada pelo apóstolo Paulo aqui: “a graça de Deus nos ensina a renunciar à impiedade.”
Note que esta primeira lição sozinha faz um forte contraste com a noção convencional de graça. A graça não é um sentimento meloso que nos faz sempre passivos e positivos. A graça em si é dinâmica. É a expressão ativa do favor de Deus. É favor imerecido. Mais do que isso, é exatamente o oposto daquilo que nós merecemos. Mas é uma força potente, poderosa. Pela graça Deus se apodera de pecadores indignos, e os une espiritualmente a Cristo, os veste com Sua justiça, desperta suas almas mortas, remove os seus corações de pedra e dá-lhes a vida, um coração terno de carne, e os abençoa, com todas as bênçãos espirituais.
E a primeira resposta mesma da graça que advém do coração regenerado é uma confissão negativa: nós “renunciamos à impiedade e às paixões mundanas.” Em outras palavras, o primeiro movimento de nosso arrependimento é um dom de Deus, uma obra da graça. Cada aspecto do arrependimento autêntico é motivado e operado pela graça. A pessoa que não se arrependeu não recebeu de fato a graça.
Falamos de “graça irresistível”. Gosto dessa expressão, porque transmite a sensação de que a graça é dinâmica, não passiva. Mas também é sujeita a mal-entendidos. Quando dizemos que a graça é “irresistível”, não queremos dizer Deus emprega coerção para nos conduzir a Cristo. A graça é irresistível no mesmo sentido que eu acho a minha mulher irresistível. Não que ela me ameace ou me obrigue a fazer a sua vontade, mas que eu estou cativado de uma forma muito positiva por seu apelo inerente.
De um modo semelhante, mas ainda mais profundo, a graça divina nos leva a Cristo pela atração, não por constrangimento. E se você foi atraído a Cristo pela graça, se você realmente o ama, você vai odiar tudo o que se opõe a ele. É assim que a graça que nos atrai a Cristo nos ensina “a renunciar à impiedade e às paixões mundanas.” Isso, eu acho, é a mesma verdade que Paulo tem em mente em Romanos 2:4 quando diz que “a bondade de Deus é quem nos conduz ao arrependimento”.
Nas famosas palavras de Martinho Lutero, de suas 95 teses, “Quando o nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo, disse “Arrependei-vos,” Ele chamou toda a vida dos fiéis para ser de arrependimento.” Nós “renunciamos à impiedade e às paixões mundanas” num fundamento diário, que é a graça, adequadamente compreendida, que nos instrui a nos arrependermos no início de nossa vida cristã, e em seguida, solicita e opera arrependimentos diários desde então.” Essa é a lição número um que podemos aprender com a graça: repudiar as obras da carne. Aqui está uma segunda lição. A graça nos ensina:
2. A cultivar o fruto do Espírito
A segunda metade do versículo 12. A graça nos ensina para que “vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,”. Observe o enfoque triplo na sobriedade, justiça e piedade. O primeiro termo é de uma palavra grega que, literalmente, se refere a solidez de mente. Sua conotação é auto-controle, moderação. A versão King James diz: “sóbria”, e a Bíblia New American Standard diz: “sensata”. Todas essas ideias são inerentes à palavra no original grego. A ideia não é apenas de temperança e moderação, mas de sabedoria, prudência, circunspecção – clareza de mente. Ele está descrevendo uma virtude cujo benefício principal reverte para o próprio indivíduo. A graça nos ensina a ser lúcidos e a exercer domínio próprio cauteloso.
O segundo termo descreve uma virtude que descreve as nossas relações com os outros: A graça nos capacita a “viver … com justiça.” A ESV e a NIV usam a palavra “reto”. Para citar o grande teólogo batista John Gill, isso fala da vida “justa” entre os homens, dando a cada um o que lhe é devido, e lidar com tudo de acordo com as regras de equidade e justiça, por termos sido feitos novos homens, criados para a justiça e santidade verdadeiras, e como mortos para o pecado, através da morte de Cristo, e assim vivemos para a justiça, ou de uma forma justa, e como sendo justificados pela justiça de Cristo, revelada no Evangelho.” Isto abrange todas as dimensões da justiça – prática e forense. Mas como o contexto é claramente sobre o modo como vivemos nossas vidas, eu acho que o enfoque aqui é sobre as nossas relações com os outros seres humanos. Viver “de modo justo” é fruto do ensino da graça.
E então o terceiro termo, “piedoso”.
Esta terceira palavra “piedoso” é um adjetivo que no grego é etimologicamente o oposto exato da palavra traduzida por “impiedade” no início do verso. “Impiedade” é asebeia. “Piedade” é eusebos. Elas são formas positivas e negativas de uma mesma raiz. A graça nos ensina a evitar a impiedade e a viver piedosamente. Isso tudo é muito simples e direto. Paulo não está dando a Tito uma ideia complexa e misteriosa. É muito simples: A graça (a autêntica graça bíblica, não o substituto pobre moderno evangélico, mas a graça do Senhor Jesus Cristo) nos ensina a repudiar as obras da carne e a cultivar o fruto do Espírito.
Paulo ensina esta mesma ideia em Gálatas 5, onde ele contrasta as obras da carne com o fruto do Espírito. Gálatas 5:18-24:
Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei. É claro que os crentes são não estão sob a lei, mas debaixo da graça. Então, o que Paulo está fazendo nesta passagem é um claro contraste entre o que produz a carne sob o jugo da lei, contra o que o Espírito Santo produz em nós através da liberdade da graça. Ouça o contraste. E note que a única coisa que a nossa carne caída pode produzir são obras corruptas. Mas a obra do Espírito em nós é chamada de “fruto”, e isto é inteiramente virtuoso:
Gál 5:19 Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia,
Gál 5:20 idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções,
Gál 5:21 invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam.
Gál 5:22 Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade,
Gál 5:23 mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.
Gál 5:24 E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências.
Em outras palavras, o que nos define como cristãos é isto mesmo: que nós repudiemos as obras da carne. A graça, não a lei, é o que nos capacita e nos motiva e nos dá poder para fazer isso. E, ao mesmo tempo, a graça nos ensina a cultivar o fruto do Espírito.
Assim, as lições 1 e 2 que aprendemos na escola da graça: repudiar as obras da carne; para cultivar o fruto do Espírito, e agora a terceira:
3. A antecipar a bem-aventurança da eternidade
Aqui está a distinção fundamental entre a lei e a graça. Porque para qualquer pensamento de auto-conhecimento o efeito da lei por si só, à parte da graça, é puro terror. Porque nós somos pecadores, a lei ameaça os pecadores com a destruição total. Mas a graça nos enche de expectativa e antecipa as bênçãos que vão durar eternamente. Versículo 13: “aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus.”
Em suma, a escatologia da graça é diferente da escatologia da lei. Sempre que a lei pronuncia condenação e jura vingança eterna, a graça pronuncia uma bênção e promete recompensa eterna. A graça nos ensina a viver à luz desta esperança.
Todas as lições que a graça nos ensina são incentivos para a santidade: o nosso ódio da injustiça, a dívida que temos para com a justiça de Cristo, a recompensa que nos é prometida na eternidade – todas essas coisas são incentivos para nós renunciarmos à impiedade e às paixões mundanas e vivermos de modo sensato, justo e piedoso, no presente século.
E note: este era o próprio objetivo de Cristo em redimir-nos, em primeiro lugar. Versículo 14: “o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras.”
Agora, não me diga que não há nada inerentemente legalista sobre ser zeloso de boas obras. E não me diga que a graça exclui qualquer tipo de boas obras. O zelo para as boas obras é o objetivo final da graça.
Agora, tenha em mente: esta passagem abrange todos os tempos e todas as perspectivas: passado, presente e futuro. Eu, os outros, e Deus. Em todos os aspectos, exceto um, as lições da graça estão em perfeito acordo com o que a lei diz. Elas dizem a mesma coisa. Tanto a lei e a graça dizem que devemos “renunciar à impiedade e às paixões mundanas.” Tanto a lei e a graça dizem que devemos ter domínio próprio, e viver de modo justo e piedoso no presente tempo. Tanto a lei e a graça nos humilham e nos mostram a virtude do domínio próprio. Tanto a lei e a graça dizem que devemos viver em retidão e amar o nosso próximo como amamos a nós mesmos. Tanto a lei e a graça nos instruem a amar o Senhor nosso Deus com todo nosso coração, alma, mente e força. Em todos os aspectos, a graça está de acordo com os mandamentos e diretrizes da lei moral eterna de Deus. Nunca entretenhamos o pensamento de que a lei e a graça ou a lei e o evangelho se contradizem.
Mas há esta distinção vital entre a lei e a graça, e a diferença reside nesta terceira lição: a lei nos ameaça com a destruição, porque não podemos obedecê-la perfeitamente. A graça nos dá tanto o desejo e o poder para obedecer. Isso é o que Filipenses 2:13 diz: “é Deus quem efetua em vós tanto o querer como o realizar segundo a sua boa vontade”. A vontade e o poder para a obediência são dons da graça divina. Assim, enquanto a lei e a graça concordam em que ambas nos impelem a ser santos, a lei somente pode nos condenar para o nosso fracasso e nos ameaçar com a destruição. A graça é o remédio para o nosso fracasso, e garante a bênção eterna.
A diferença principal, sucintamente, é que a lei não pode dar vida, somente pode levar à morte. II Coríntios 3:6: “A letra mata, mas o Espírito vivifica.” Somos salvos “pela santificação do Espírito”, de acordo com 2 Tessalonicenses 2:13. A obra graciosa do Espírito em nossos corações garante a nossa santificação. Leia Romanos 8:3-4: “Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.”
A distinção entre a lei e a graça não tem nada a ver com os mandamentos, ou o conteúdo moral da lei. O que a graça elimina são as maldições da lei. Quando os imperativos morais da lei estão em causa, a graça está de pleno acordo. Paulo diz isso expressamente em Gálatas 3:6: “a lei é contrária às promessas de Deus? Certamente que não! Porque, se houvesse uma lei que pudesse dar vida, então a justiça seria de fato pela lei.”. Gálatas 3:21: “O problema com a lei era a nossa incapacidade e nossa falta de vontade de querer e trabalhar para o bom prazer de Deus. A graça é o remédio para isso.
E o resultado? Versículo 14: para que pudéssemos ser redimidos de toda iniquidade e purificados por Cristo – “um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras ” E não há nada nem um pouco “legalista” sobre esse zelo.
Versículo 15: “Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze.”
Texto de Phil Johnson, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.