“Porque Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação.” (II Tim 1.7)
O caráter real do cristianismo, como infundido na alma do crente, e exibido em seu viver. Ele enche um homem de energia, mas de uma energia combinada com suavidade, e regulada com discrição. Em quem isso sempre existe, funciona como uma nova criação; e provoca mudança numa extensão muito considerável; a visão da vida, as disposições, os hábitos da alma, gradualmente transformam um homem à imagem divina em verdadeira justiça e santidade.
Isto não significa que os homens assim transformados serão os mesmos em todas as coisas; ainda permanecerá em cada homem muito da sua constituição original, como também ocasionará um fim com menos diversidade nas características dos diferentes santos. Nem toda a graça que Deus já concedeu produziria uma perfeita identidade de caráter entre Pedro e João, mas os princípios que a graça divina infunde na alma são os mesmos em todas as épocas e em todos os lugares, e de todos os seus objetos pode ser dito: “Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação.”
Com o objetivo de abrir e ilustrar estas graciosas palavras, eu lhe mostrarei,
I. O espírito que Deus infunde nas almas do seu povo – “não é um espírito de medo”.
“O medo” é descartado da alma que é verdadeiramente entregue a Deus. Pode existir, na verdade, o que eu posso chamar de medo constitucional, (algumas pessoas, de cuja piedade não se pode duvidar, têm um medo estranho e inexplicável deste ou daquele animal), e não se aprofundam no princípio religioso que preveniria este medo; porque a sua sede é na imaginação, e não no coração, mas o medo do homem, que tem tão grande ascendência sobre a mente carnal, será perdido, se for submetido e absorviodo pelo temor de Deus.
É um espírito “de poder”.
Uma resolução santa será formada por se servir ao Senhor, e por segui-lo completamente. Qualquer meio que seja usado para deter um filho de Deus de cumprir o seu propósito, não terá sucesso, porque ele se manterá no seu caminho.
Pai, mãe, irmão, irmã , casas, e sua própria vida, são considerados por ele como de nenhuma conta, em comparação com o seu dever para com Deus; ele a tudo renuncia por causa do seu Deus e Salvador; e quanto ao pecado, é para ele um inimigo que ele persegue com implacável hostilidade, determinado, através da graça, que nenhuma luxúria deve continuar nele não mortificada e não submetida. Seu pecado que o assedia, seja ele qual for, é perseguido por ele com mais intensidade do que a vigilância normal, se por qualquer meio que possa prevalecer para trazê-lo em sujeição, e para destruí-lo completamente.
E ele avança de vitória em vitória; pensando que, embora seja fraco em si mesmo, por meio da força que lhe é comunicada do alto, ele pode fazer todas as coisas.
Este poder, no entanto, está misturado com um “espírito de amor”.
A energia à qual nos referimos, tem algo de um aspecto não cordial, e seria não cordial no grau mais elevado, se não fosse temperada com amor. Resistir à autoridade dos pais, e às solicitações dos entes mais queridos, traz consigo um aspecto de vontade própria culpada, e de deplorável presunção. O crente, portanto, deve estar particularmente em guarda para cortar todas as ocasiões para tais incompreensões. Todo o seu espírito deve ter aroma de amor. Ele deve mostrar, que tudo o que ele faz, ele faz por absoluta necessidade; e que, tanto quanto o amor possa operar em conformidade com a vontade de Deus, ninguém deve ser excluído do cultivo disto.
Mesmo em relação aos seus perseguidores isto deve estar ativado e em exercício contínuo; sua firme determinação deve ser: “não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem.” – Rom 12.21.
No entanto, nem mesmo o amor deve ser deixado de operar, sob a direção de “um espírito de moderação”.
O entusiasmo não é parte da verdadeira religião, e sim uma decidida oposição a ela, e é sempre o fruto de uma mente mal regulada. A verdadeira religião é sabedoria, e Deus, quando a infunde na alma, nos dá “domínio próprio” e discrição.
Um homem sob a influência da graça divina fará uma pausa antes de agir, e vai pesar, como em uma balança, as reivindicações do dever, quanto a como elas podem ser afetadas por ocasiões e circunstâncias.
Ele vai distinguir cuidadosamente entre as coisas necessárias, e as coisas de importância secundárias. Ele vai assistir à ocasião e à forma mais apropriada de fazer o que ele julga ser necessário, assim como se despojará de toda ofensa desnecessária, e para cortar ocasião àqueles que buscam agir contra ele. Tanto no mundo e na Igreja, ele estará ansioso para rebaixar a si mesmo, para que todos os que o contemplarem reconheçam que Deus está com ele. Ele não fará qualquer ofensa desnecessária em qualquer coisa, mas trabalhará, como Davi, para se comportar sabiamente de uma forma perfeita.
Mas, para que possamos apreciar melhor o seu espírito, vamos marcar o seguinte:
II. Sua importância peculiar, para o desempenho responsável do ofício ministerial.
As palavras diante de nós foram endereçadas mais imediatamente a Timóteo, um jovem e piedoso ministro, e elas merecem uma atenção muito especial de todos os que são, ou futuramente poderão ser, engajados no ofício ministerial.
Nestes, não deve ser encontrado nenhum “espírito de medo”.
Um ministro é um porta-estandarte, e se ele desmaiar, o que deve ser esperado dos outros? Ele deve ir com sua vida em sua mão; ele tem “o rosto como um seixo” contra toda oposição do mundo. Nenhuma confederação, seja de homens ou demônios, deve intimidá-lo. Seu espírito deve ser aquele que é descrito pelo profeta: “Em verdade eu estou cheio do poder do Espírito do Senhor, e de juízo e de força, para declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado.”, Miq 3.8. E, no meio de todos os males que possam vir sobre ele, deve dizer: “em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus.”, Atos 20.28.
Mas neles deve ser visível um “espírito de poder”.
Eles têm mais dificuldades para enfrentar do que outros. Eles estão na linha de frente da batalha, e eles devem ser exemplos, não somente para o mundo, mas para toda a Igreja de Deus. Para Timóteo, enquanto era jovem, foi dito: “Sê tu um exemplo dos fiéis, na palavra, na conversação, no amor, no espírito, na fé, na pureza.” Se um ministro for vencido por qualquer mal, o dano causado à Igreja de Deus é incalculável. Todo o mundo ímpio terá ocasião de exultar sobre ele, e de blasfemar contra o próprio nome de Deus; sim, eles vão se endurecer em suas próprias iniquidades e imputar ao Evangelho os males que eles virem no ministro.
Ele deve portanto, ser firme, inabalável, sempre abundante na obra do Senhor, pois só então poderá o seu trabalho não ser vão no Senhor.
Neles, também, mais especificamente, deve existir um “espírito de amor”.
Nada, senão um amor pelas almas imortais pode adequá-los a todos os trabalhos e dificuldades que eles têm que suportar. Eles devem, portanto, “ter compaixão dos que são ignorantes e que estão fora do caminho”; e devem ser capazes de chamar a Deus para testemunhar que eles têm grande tristeza e contínua dor em seus corações por causa de seus semelhantes que perecem; e eles devem estar prontos para enfrentar até mesmo a morte, se isto for necessário para o bem-estar espiritual de seus irmãos. Ao mesmo tempo, toda a sua conduta deve ser regulada por este princípio benigno. Cada coisa que eles fizerem deve proceder disto; cada coisa que eles devem sofrer deve chamá-los a se exercitarem nisto; e toda a sua caminhada deve ser, como a de seu Divino Mestre, em um espírito de amor.
Mas , em todas as suas circunstâncias diversas, eles devem mostrar estarem sob a influência de um espírito com “domínio próprio”.
Em nenhuma situação é a sabedoria tão necessária, quanto no desempenho do ofício ministerial, pois, como as circunstâncias do ministro são mais árduas, e suas provações mais diversificadas, que as dos outros, por isso a falta de juízo nele é mais profundamente sentida do que em qualquer outra pessoa, porque os preconceitos de muitos são fortalecidos por isto, e as almas de muitos ficam endurecidas em seus pecados. Um ministro, portanto, deve estar particularmente atento a este ponto. Ele deve ter uma mente bastante moderada.
Seus pontos de vista, tanto da verdade quanto do dever, devem ser claros; o seu julgamento, em relação a todas as coisas, deve ser precisa e sabiamente formado. Ele deve ser libertado de todos os preconceitos que possam influenciar sua mente, e de toda a luxúria que possa cegar os olhos. Ele deve ser amigável, atencioso, um homem de oração; ele deve sentir toda a sua dependência de Deus para guiá-lo corretamente, e deve pedir a ele por sabedoria. E, quando Deus tem realmente chamado um homem para o ministério, deve haver, embora em graus diferentes, “o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor.”
Aplicação
1. Para você , então, que não recebeu esse espírito, eu diria: “Busque-o no Senhor”.
Isto é um dom de Deus; não pode proceder do homem; pode vir a nós através do homem, mas é de Deus somente, dele mesmo, de quem vem cada dom perfeito e bom.
Quer sejamos ou não ministros, este espírito é indispensável para o nosso bem-estar eterno. Nenhum homem pode ser salvo sem ele. “O medroso” deve ir para o lago de fogo, como certamente os “devassos ou assassinos”. A pessoa destituída de sabedoria não é melhor do que o bronze que soa ou o címbalo que retine; e “o homem desprovido de sabedoria perecerá.” Eu digo então, busque esse espírito, e assim você estará de pé diante de Deus e dos homens.
2. Para aqueles que o receberam, eu diria: “Despertem isto em vocês.”
Essa foi a orientação dada a Timóteo: “Desperta o dom de Deus que há em ti”, isto é, mexa-se, como se tivesse com um fogo que está numa condição enfraquecida. O fogo, que queimava sobre o altar, começou, como você bem sabe, a partir do céu, mas deveria ser mantido vivo pelo cuidado do homem. Assim deve ser com o fogo que foi acendido em nós, que deve ser sempre mantido aceso no altar de nossos corações; é preciso se mexer, através da leitura, meditação, e de oração; e a oposição que é feita ao Evangelho deve suscitar em nós a maior energia em sua defesa. Paulo agora estava preso por causa do Evangelho. Isto pode ter sido uma fonte de alarme para Timóteo e induzir-lhe a chamar de volta a si aquela medida de atividade e zelo que deveria existir nele na obra do Senhor.
O apóstolo lhe disse: “Não te envergonhes do testemunho do Senhor, nem de mim, seu prisioneiro , mas sê participante das aflições do Evangelho, de acordo com o poder de Deus.” Então diga a si mesmo: Vamos, “você não deve se envergonhar do Evangelho de Cristo”; e esteja disposto a ser honrado se for chamado a ter uma parte daquelas aflições que são atribuídas aos seguidores do Cordeiro. Elas vão provar suas graças; elas também tendem a nos vivificar, e fazer com que tenhamos um brilho redobrado. Vamos crescer na graça, então, seja doravante isto a sua grande ocupação e, o que o conduzirá a esse fim, será fazê-lo com diligência, ou recebê-lo com prazer.
Tradução e adaptação feitas pelo Pr Silvio Dutra, de um texto de Charles Simeon, em domínio público.