Tendo falado sobre a necessidade de santificação no sexto capítulo, Paulo apresenta agora, algumas razões que explicam a necessidade desta santificação.
A primeira delas é que ao termos sido justificados, nós entramos automaticamente numa relação de caráter matrimonial com Cristo.
Na verdade não é apenas cada cristão individualmente que tem a Cristo por Seu noivo, mas toda a igreja.
Os judeus que estavam presos aos termos da Antiga Aliança por dever de obediência para com Deus, seriam tidos como adúlteros e infiéis se abandonassem aquela aliança que lhes foi determinada pelo Senhor para ser guardada.
Mas, estando em Cristo, já não estão mais debaixo do compromisso da Antiga Aliança, porque ela não somente foi revogada pela morte de Cristo, para que os que são justificados pela fé nEle, pudessem abandonar o primeiro pacto, a primeira aliança, o primeiro compromisso, para poderem assumir um segundo, de caráter muito diferente do primeiro.
Em Cristo estariam mortos para a exigência de fidelidade àquela Primeira Aliança, de maneira a poderem contrair núpcias com Ele nos termos de uma Nova Aliança, instituída no Seu sangue.
Paulo queria falar de morte para a Lei, não no sentido de estarmos desobrigados da Lei moral, pelo fato de sermos cristãos, mas pela mudança de alianças, porque logo no primeiro versículo deste capitulo, ele deixou claro que estava falando estas coisas àqueles que conheciam a lei.
Então, para se fazer melhor entendido no que estava dizendo, ele se valeu de uma ilustração, dizendo que se dá em relação a esta nova contração de núpcias com Cristo, para os que estavam debaixo do regime da lei do Velho Testamento, o mesmo que se dá com o casamento de um homem com uma mulher, pois que morrendo uma das partes, a outra fica livre para contrair novas núpcias.
Em Cristo, o cristão morreu para a condenação da Lei, que diz, que está debaixo de maldição todos os que transgredissem a quaisquer dos seus mandamentos.
Já não vale mais, portanto esta regra para um cristão que tenha sido justificado e se unido a Cristo pela fé, porque ele já não pode mais ser considerado maldito pela lei, caso venha a pecar eventualmente, porque não está mais casado com a lei, mas com Cristo.
Assim, a Lei não pode pretextar que esteja havendo infidelidade para com ela, porque estamos casados com outro, porque morremos para ela e para a sua condenação ao termos sido crucificados juntamente com Cristo.
O casamento com a Lei não nos ajudou em nada quanto à nossa salvação, porque em vez de nos ajudar, ela nos condenava e nos acusava, ainda que justamente, por causa dos nossos pecados, que consistiam na transgressão das suas ordenanças. E o resultado destas transgressões era a morte.
Mas, em Cristo nenhum judeu estava mais obrigado a cumprir os mandamentos civis e cerimoniais da Lei, porque foram revogados pelo Senhor.
Além disso, o modo de se agradar a Deus não incluiria mais a necessidade de se guardar também todos os mandamentos da Lei cerimonial de Moisés, porque a dispensação da graça não é um serviço a Deus segundo a letra dos mandamentos do Velho Testamento, mas em novidade de espírito, segundo a justiça do evangelho, não mais no regime da Lei, mas no regime do Espírito, conforme Paulo o detalhou no terceiro capítulo de II aos Coríntios.
Pelo verso 7, nós vemos que Paulo não estava se referindo apenas à lei cerimonial, mas também à lei moral, mostrando que nosso casamento, mesmo com esta lei, não poderia nos capacitar a viver de modo agradável a Deus e muito menos nos justificar do pecado, e até mesmo nos santificar.
A lei não é pecado; ao contrário, é santa, justa, perfeita, espiritual e boa. Mas, nós somos pecadores que transgridam naturalmente a lei, caso não sejamos capacitados pelo próprio poder de Deus operando em nós, pela graça, para que possamos viver de tal modo que sejamos irrepreensíveis diante de todas as exigências da Lei.
Por isso, apesar de a lei nos ajudar a compreender que somos pecadores, a força do pecado nos torna completamente incapacitados para atender por nós mesmos às suas exigências.
A lei sozinha, em vez de vencer o pecado, serve ao contrário, para colocá-lo ainda mais em realce; porque comprova que somos de fato pecadores, já que transgredimos os mandamentos da lei de Deus, caso não sejamos habilitados pelo Espírito Santo a vencer a fonte do pecado que opera na carne.
No entanto, ao sermos salvos por Cristo, passamos a entender que a Lei é espiritual, boa e santa, e passamos a dar o devido valor à Lei, apreciando os mandamentos de Deus; entendendo que nos foram dados para serem amados e cumpridos.
No entanto, tal é a força do pecado, que ele usa o próprio mandamento para nos enganar e matar, como Paulo afirma no verso 11.
Queremos fazer a vontade de Deus. Não queremos fazer aquilo que a Lei condena, antes queremos fazer o que ela aprova, mas sem a força da graça operando em nós, o pecado há de se revelar mais forte do que a nossa própria vontade, e acabamos derrotados.
A condição da luta que ocorre entre o Espírito e a carne é descrita por Paulo a partir do verso 14.
Sabendo que não é possível a aniquilação definitiva de qualquer tipo de pecado enquanto vivermos neste mundo, será sábio estarmos sempre prevenidos, porque a condição citada em Rom 7.22,23 é uma condição permanente enquanto estamos neste corpo:
“Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros.”
Mas também é verdade, que este prazer interior que temos agora na lei de Deus vem da habitação do Espírito Santo, como lemos em Tg 4.5:
“Ou pensais que em vão diz a escritura: O Espírito que ele fez habitar em nós anseia por nós até o ciúme?”
E em Rom 7.18,19:
“Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico.”
Nisto não há qualquer paradoxo, mas a confirmação de que o pecado necessita de fato, ser vencido e mortificado, para que se possa cumprir as ordenanças do Senhor.
É possível praticar o bem, é possível viver em santidade, é possível ter comunhão com Deus, ainda que estejamos sujeitos à ação do pecado.
Enquanto no corpo estamos sujeitos ao pecado, por maior que seja a nossa consagração, e dizemos isto não para justificar um viver segundo a carne, mas exatamente para se viver de modo santo, sabendo nós de antemão isto; que enquanto neste mundo, nunca significará uma aniquilação total e permanente do pecado, e que por isso necessitamos ser diligentes quanto ao assunto da sua mortificação.
Esta é a razão principal porque o Espírito Santo e a nova natureza nos são doados pela graça, para que tenhamos um princípio interior por meio do qual possamos nos opor ao pecado e à cobiça que conduz ao pecado.
Devemos saber que há uma permanente luta do Espírito Santo contra a carne, e da carne contra o Espírito, apesar de a carne ficar cada vez mais fraca, e a graça cada vez mais forte, à medida que progredimos em nossa santificação.
Há uma tendência no Espírito na nova natureza espiritual, para estar agindo contra a carne, como também na carne para estar agindo contra o Espírito Santo.
Como vemos em II Pe 1.4, 5 é nossa participação da natureza divina que nos dá uma fuga das corrupções que estão no mundo pela cobiça; e, vemos em Rom 7.23 tanto uma lei da mente, quanto uma lei dos membros do corpo.
Esta competição é pela nossa vida e alma.
Não estar empregando o Espírito Santo e a nova natureza diariamente para mortificar o pecado, é negligenciar aquele socorro excelente que Deus nos tem dado contra nosso maior inimigo.
Se negligenciarmos fazer uso do que nós recebemos, Deus pode reter Sua mão privando-nos de nos dar mais.
As Suas graças, como também os Seus dons nos são dados para serem usados e exercitados, e não para serem, enterrados ou jogados fora.
Não estar mortificando o pecado diariamente, é pecar contra a bondade, sabedoria, graça, e amor de Deus, que os tem fornecido para tal propósito.
No dizer de Rom 7.24 nós temos um corpo de morte, porque está sujeito continuamente à morte que é operada pelo pecado.
Este corpo só será livrado desta humilhação quando nós formos transformados no arrebatamento da igreja, quando receberemos um corpo glorificado que não está sujeito ao pecado.
Como lemos em Fp 3.21:
“que transformará o corpo da nossa humilhação, para ser conforme ao corpo da sua glória, segundo o seu eficaz poder de até sujeitar a si todas as coisas.”
Então não há outra forma de ser livrado da ação do pecado senão pela sua morte; por isso é nosso trabalho enquanto estivermos neste corpo, o de estar matando continuamente o pecado.
Este é o trabalho de se matar um terrível inimigo que vive dentro de nós, com um golpe após outro, de modo que não o deixemos viver.
A relação entre a vontade que reside na mente, e a lei do pecado ou a lei do Espírito Santo, que operam no homem todo, a saber, no corpo, alma e espírito, são realidades que transcendem a própria vontade do homem; por conseguinte de todas as faculdades da sua mente. Paulo se referiu a isto em Romanos 7:15 a 25.
O cristão, de si mesmo, com sua mente deseja servir à lei de Deus, mas isto não é tudo quanto ele necessita para poder servir aprovadamente a Deus, pois precisa também que a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus o capacite a fazer o que deseja, e a não fazer o que não deve e não deseja fazer, porque somente esta lei espiritual pode vencer a lei do pecado que opera na carne, que é mais forte do que a própria vontade.
Por isso, nossa mente deve ser renovada e sujeitada à Palavra de Deus. E, ainda que a vontade resista, nós devemos treinar a mente neste exercício de tal maneira, que a mantenhamos nos ajudando a meditar na Palavra, a orar, e a nos concentrarmos na busca do Senhor, até que Ele se manifeste e fortaleça nosso espírito.
Paulo diz no verso 16, que ao fazer o que ele não queria, consentia com a lei que é boa, a saber, a sua vontade era a de não pecar, mas o pecado que habita na carne o levava a praticar o mal, e nisto a lei comprovava que ela é boa, porque testifica ao homem que ele é pecador por natureza, porque apesar da sua vontade ser a de fazer somente o que é aprovado por Deus, o pecado opera com um poder superior à sua própria vontade, ensinando-lhe que não será ali, isto é, na sede da vontade, que a batalha será vencida pela graça, mas no seu coração.
Assim, o cristão se esforça e escolhe ter uma vida de devoção e virtude, porque Deus lhe deu um novo coração, uma nova natureza.
Mas, se não andar no Espírito quem prevalecerá sobre o coração do cristão será a carne, ativando ali toda sorte de cobiças e pensamentos que o levarão a produzir as obras da carne.
Paulo se refere em Rom 7.17, que já que o pecado é superior à sua própria vontade então já não é mais ele, ou seja, voluntariamente, que está buscando o mal, uma vez que sua vontade deseja tão somente fazer o que é agradável a Deus, mas é a força do pecado que nele habita, em sua natureza, que o conduz à pratica do mal que não deseja, e a não praticar o bem que quer.
Ele não está afirmando que não é responsável pelo mal que pratica, mas que é o pecado que nos domina que nos leva a pecar. A força do pecado será sempre mais forte do que a nossa simples vontade de não pecar. É isto que Paulo está afirmando.
Vitórias eventuais sobre determinados desejos não garantirão uma vitória plena e permanente sobre todos eles.
Não que Paulo vivesse pecando, mas ele quis nos ensinar que há somente um modo de se vencer o pecado, e isto é pelo poder do Espírito Santo, mediante a fé em Cristo.
É se sujeitando efetivamente a Cristo, que o pecado é vencido.
Assim, temos visto que o pecado não pode ser vencido pelo simples exercício da vontade. Não há na natureza terrena qualquer poder para combater o pecado, e ainda que desejemos fazer o bem, buscando ter um uso correto da nossa vontade, não temos em nós mesmos o poder de efetuá-lo em perfeição.
De maneira que neste caso, querer não significa de nenhum modo, poder.
Mais uma vez o apóstolo vai afirmar nos versos 19 e 20, que é a lei do pecado que opera na nossa carne que nos leva a praticar o mal, embora o desejo de nossa vontade seja o de não praticá-lo, a ponto de dizermos que não somos nós, isto é, o nosso homem consciente que o está praticando, mas o pecado que habita em nós.
Lembramos mais uma vez, que ao falar em bem e mal, o apóstolo não está se referindo especificamente a atos morais, mas à presença ou falta de santificação no poder do Espírito Santo, em nossas vidas.
Somente o poder da graça de Deus pode vencer a força do pecado.
Deste modo, Paulo vai explicar melhor no capítulo seguinte como é que o Espírito Santo vence a natureza terrena decaída no pecado, e qual é o dever dos cristãos de se consagrarem inteiramente a Ele, para que possa realizar Seu trabalho de mortificação do pecado.
E, quanto os cristãos dependem inteiramente de seguirem o pendor do Espírito Santo, inclusive contando com Ele em suas intercessões, para que possam sair vencedores na luta que têm que travar contra a velha natureza, o diabo e o sistema carnal do mundo!