“4 Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos.
5 Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor.
6 Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças.
7 E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus.
8 Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.
9 O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus da paz será convosco.” (Filipenses 4.4-9)
Regozijai-vos no Senhor é uma exortação adequada; pois, como a condição dos santos era extremamente turbulenta e perigos ameaçavam de todos os lados, era possível que eles pudessem ficar desanimados, vencidos pela tristeza ou impaciência. Daí ele lhes prescreve isto, para que, em meio a circunstâncias de hostilidade e perturbação, nunca deixassem de se alegrar no Senhor, assim como seguramente esses consolos espirituais, por meio dos quais o Senhor nos refrigera e alegra, deveriam então mais do que tudo mostrar sua eficácia quando o mundo inteiro nos tenta ao desespero. Vamos, no entanto, em relação às circunstâncias da época, considerar a eficácia desta palavra proferida pela boca de Paulo, que poderia ter tido ocasião especial de tristeza. Porque, se eles estão consternados com perseguições ou prisões ou o exílio ou morte, aqui está o apóstolo colocando a si mesmo como exemplo, que, em meio a prisões, mesmo no calor da perseguição e, em suma, em meio a temores de morte, não apenas se alegrava, mas ainda desperta outros à alegria.
A súmula então, é esta – aconteça o que acontecer, os crentes, tendo o Senhor em pé ao seu lado, têm um fundamento amplamente suficiente de alegria.
A repetição da exortação serve para dar mais força a ela: Que esta seja a sua força e estabilidade, alegrar-se no Senhor, e que, também, não por um momento apenas, mas para que a sua alegria nele possa ser perpetuada. Porque inquestionavelmente difere da alegria do mundo a este respeito – que sabemos por experiência que a alegria do mundo é enganadora, frágil, e falha, e Cristo mesmo pronuncia isto como sendo um anátema (Lucas 6.25). Por isso, que somente a alegria em Deus que é constante e que é a única que nunca é tirada de nós.
“Seja a vossa moderação”. Isto pode ser explicado de duas maneiras. Podemos entendê-lo como pedindo-lhes que renunciassem ao direito deles, do que qualquer um devesse ter ocasião de se queixar de sua severidade. “Deixe que todos os que têm que lidar com você tenham a experiência de sua equidade e humanidade.” Desta forma, “ser conhecida” significa “experimentar”. Ou podemos entendê-lo como lhes exortando a perseverarem em todas as coisas com equanimidade. Eu prefiro este último significado; porque é um termo que é usado pelos próprios gregos para denotar moderação de espírito – quando não somos facilmente movidos por injúrias que recebemos, quando não ficamos facilmente irritados com a adversidade, mas mantemos a equanimidade de temperamento. De acordo com isto, Cícero faz uso da seguinte expressão: “Minha mente está tranquila, que toma tudo pela parte boa.” Tal equanimidade – que é como se fosse a mãe da paciência – ele requer aqui da parte dos Filipenses, e, de fato, como se manifesta a todos, segundo a ocasião exige, por produzir seus efeitos apropriados. O termo modéstia não parece apropriado aqui, porque Paulo não está nesta passagem lhes advertindo contra a insolência arrogante, mas os direciona a se conduzirem pacificamente em tudo, e a exercerem controle sobre si, mesmo na resistência a injúrias ou inconvenientes.
“O Senhor está perto”. Aqui temos uma antecipação, pela qual ele elimina uma objeção que poderia ser apresentada. Porque o senso carnal se levanta em oposição à afirmação anterior. Porque, como a ira dos ímpios é mais inflamada em proporção à nossa brandura, e quanto mais eles nos veem preparados para perseverar, são mais encorajados a infligir injúrias, somos em meio às dificuldades induzidos a possuir as nossas almas com paciência (Lucas 21.19). Daí esses provérbios: “Devemos uivar quando entre lobos”. “Aqueles que agem como ovelhas serão rapidamente devorados por lobos”. Daí se pode concluir erroneamente, que a ira dos ímpios deve ser reprimida pela violência correspondente, para que eles não possam nos insultar impunemente. A tais considerações Paulo aqui opõe a confiança na Divina Providência. Ele replica, eu digo, que o Senhor está perto, cujo poder pode superar a sua audácia, e cuja bondade pode conquistar sua malícia. Ele promete que ele vai nos ajudar, desde que obedeçamos o seu mandamento. Agora, quem não preferiria ser protegido somente pela mão de Deus, que tem todos os recursos do mundo sob seu comando?
Aqui temos um sentimento mais belo, a partir do qual podemos aprender, em primeiro lugar, que a ignorância da providência de Deus é a causa de toda impaciência, e que esta é a razão pela qual somos tão rapidamente, e em assuntos triviais, lançados na confusão, e, muitas vezes, também, nos tornamos desanimado porque nós não reconhecemos o fato de que o Senhor cuida de nós. Por outro lado, aprendemos que este é o único remédio para tranquilizar nossas mentes – quando repousam sem reservas em seu cuidado providencial, como sabendo que não estamos expostos ou à imprudência de fortuna, ou ao capricho dos ímpios, senão que estamos sob a regulação do cuidado paternal de Deus. Em suma, o homem que está na posse desta verdade, que Deus está presente com ele, tem o que pode lhe dar descanso com segurança.
Há, porém, duas maneiras pelas quais é dito que o Senhor está perto – seja porque seu julgamento está próximo, ou porque ele está preparado para dar uma ajuda para o seu povo, sentido este que é usado aqui; e também no Salmo 145.18: “O Senhor está perto de todos os que o invocam.” Assim, o significado é – “Miserável seria a condição do piedoso, se o Senhor estivesse longe dele”. Mas, como ele os recebeu sob sua proteção e tutela, e os defende por sua mão, que está presente em toda parte, deixe-os descansar sobre esta consideração, que não podem ser intimidados pela ira dos ímpios. Isto é bem conhecido, e questão de ocorrência comum, que o termo solicitude (cuidado) é empregado para indicar a ansiedade que procede da desconfiança do poder ou ajuda divinos.
“De coisa alguma”. Isto está no número singular conforme usado por Paulo, mas é o gênero neutro; a expressão, portanto, é equivalente a negotio omni (em cada matéria) pela (oração) e (súplica) são substantivos femininos. Com estas palavras, ele exorta os filipenses, como Davi faz a todos os piedosos no Salmo 55.22, e Pedro também em 1 Pedro 5.7, para lançar todos os seus cuidados sobre o Senhor. Porque não somos feitos de ferro, de modo a não sermos abalados pelas tentações. Mas este é o nosso consolo – depositar, ou (para falar com maior propriedade) lançar nossos fardos sobre o seio de Deus, lançar tudo o que nos assedia. A confiança, é verdade, traz tranquilidade às nossas mentes, mas isto é o caso somente quando nos exercitamos em orações. Sempre que, por isso, se somos assaltados por qualquer tentação, devemos nos recolher imediatamente à oração, como a um asilo sagrado.
O termo “petição” é empregado aqui para denotar desejos. Ele quer que os tornemos conhecidos diante de Deus pela oração e súplica, como se os crentes derramassem seu coração diante de Deus, quando eles consagram tudo o que são e o que têm, a ele. Aqueles, na verdade, que olham para cá e para lá os confortos vãos do mundo, podem parecer estar em algum grau aliviados; mas há somente um refúgio seguro – lançar-se sobre o Senhor.
“Com ação de graças”. Como muitas vezes oramos a Deus de modo errado, cheios de queixas ou de murmúrios, como se tivéssemos fundamento para acusá-lo, enquanto outros não podem tolerar demoras, se ele não satisfizer imediatamente seus desejos, Paulo nesta conta conjuga ação de graças com orações. É como se ele tivesse dito, que as coisas que são necessárias para nós devem ser desejadas por nós para serem recebidas do Senhor de tal maneira, que nós, no entanto, submetemos nossos afetos à sua boa vontade, e damos graças ao apresentar petições. E, sem dúvida, a gratidão terá esse efeito sobre nós – que a vontade de Deus será a grande essência de nossos desejos.
“E a paz de Deus”. Alguns, mudando o tempo futuro para o modo optativo, convertem esta declaração em uma oração, mas isto não possui um fundamento adequado. Pois é uma promessa na qual ele aponta a vantagem de uma firme confiança em Deus, e invocação dele. “Se vocês fizerem isso”, diz ele, “a paz de Deus vai manter suas mentes e corações.” A Escritura está acostumada a dividir a alma do homem, quanto às suas fragilidades, em duas partes – a mente e o coração. A mente significa o entendimento, enquanto o coração denota todas as disposições ou inclinações. Estes dois termos, portanto, incluem, nesse sentido, a alma inteira – “A paz de Deus irá protegê-lo, de modo a impedi-lo de se afastar de Deus por pensamentos ou desejos maus”.
É de um bom e firme fundamento que ele chama a paz de Deus, na medida em que não depende do aspecto atual das coisas, e não se dobra às várias mudanças do mundo, mas se baseia na firme e imutável palavra de Deus. É com bons motivos, também, que ele fala dela como superando todo o entendimento ou percepção, pois nada é mais estranho para o entendimento humano, do que experimentar, no entanto, na profundidade do desespero, um sentimento de esperança, na profundidade de pobreza ver opulência, e na profundidade de fraqueza não ceder, e, enfim, prometer a nós mesmos que nada faltará para nós quando ficarmos destituídos de todas as coisas; e tudo isso na graça de Deus somente, porque isto não é conhecido de outra forma do que através da palavra e da operação interior do Espírito.
“Finalmente”. O que se segue consiste em exortações gerais que dizem respeito a toda a vida. Em primeiro lugar, ele recomenda a verdade, que nada mais é do que a integridade de uma boa consciência, com os seus frutos; em segundo lugar, o que é respeitável, ou santidade, porque τὸ σεμνόν denota uma excelência que consiste no fato de andarmos de modo digno da nossa vocação (Efésios 4.1) mantendo uma distância de tudo o que é profano: em terceiro lugar, a justiça, que tem a ver com a relação mútua da humanidade – que não injuriemos ou defraudemos a qualquer um; e, em quarto lugar, a pureza, que denota a castidade em todas as esferas da vida. Paulo, no entanto, não reconhece todas essas coisas como suficientes, se não fizermos, ao mesmo tempo, esforço para nos tornarmos agradáveis a todos, na medida em que podemos fazê-lo legalmente no Senhor, e ter em conta também o nosso bom nome. Pois é dessa forma que eu entendo as palavras –
“Se há algum louvor”, ou seja, algo louvável, pois em meio a tal corrupção dos costumes há tão grande perversidade nos julgamentos dos homens que o elogio é muitas vezes dado ao que é censurável, e não é permitido para os cristãos sequer desejar o verdadeiro louvor entre os homens, na medida em que eles são em outro lugar proibidos a se gloriarem, a não ser somente em Deus (1 Coríntios 1.31). Paulo, portanto, não lhes recomenda tentarem ganhar aplausos ou elogios por ações virtuosas, nem mesmo a regularem suas vidas de acordo com os julgamentos das pessoas, mas simplesmente significa que eles deveriam se dedicar à realização de boas obras, as quais merecem elogios, que os ímpios, e aqueles que são inimigos do evangelho, enquanto ridicularizam os cristãos e lançam opróbrio sobre eles, sejam, no entanto, constrangidos a elogiar sua conduta.
“O que tendes aprendido, e recebido, e ouvido”. Por esse acúmulo de termos ele dá a entender, que ele era assíduo em inculcar essas coisas. “Esta foi a minha doutrina – a minha instrução – meu discurso no meio de vós”. Os hipócritas, por outro lado, em nada insistem, senão em cerimônias. Agora, era uma coisa desonrosa abandonar a instrução santa, que tinham totalmente absorvido, e com a qual tinham sido minuciosamente imbuídos.
“Vistes em mim”. Agora, a principal coisa num orador público deveria ser, que ele possa falar, não com a boca apenas, mas por sua vida, e adquirir autoridade para sua doutrina pela retidão de vida. Paulo, portanto, adquire autoridade para sua exortação por este motivo, que ele tinha, por sua vida nada menos do que por sua boca, sido um líder e mestre de virtudes.
“E o Deus da paz”. Ele tinha falado da paz de Deus; e agora, mais particularmente, confirma o que havia dito, com a promessa de que o próprio Deus, o autor da paz, estará com eles. Porque a presença de Deus nos traz todo tipo de bênção: como se ele tivesse dito, que eles sentiriam que Deus estava presente com eles para fazer todas as coisas saírem bem e prosperamente, desde que aplicassem a si mesmos as ações piedosas e santas.
Texto de João Calvino, traduzido e adaptado por Silvio Dutra.