Já faz algum tempo que tenho vontade de escrever sobre esse assunto, mas não me sentia suficientemente motivado para depositar aqui estas poucas palavras sobre algo tão incompreendido.
Nasci e cresci num ambiente onde a experiência da fé sempre foi muito importante, porém contundente. Dos dois lados da minha família a religiosidade sempre esteve no meu cotidiano e eu me via entre dois polos constantemente. A família do meu pai sempre foi muito católica. Minha avó paterna era bem engajada nas questões da paróquia católica na pequena cidade onde morava. Quando eu passava minhas férias na casa dela, sempre a via lendo a Bíblia com o terço ao lado, antes de dormir. Meu avô, por parte de mãe, era pastor evangélico. Converteu-se ainda jovem e aceitou o chamado pastoral já depois de casado. Ele visitava as igrejas que pastoreava a cavalo ou de bicicleta porque não tinha dinheiro para comprar um carro. Tempos difíceis aqueles!
O casamento dos meus pais levou um tempo para ser aceito pelas duas famílias. Havia meio que um ar de Montecchio e Capuleto na história deles. A cerimônia foi realizada por um padre e um pastor (meu avô) ao mesmo tempo. Desde muito novinho sempre passeei nos dois ambientes: católico e evangélico sem qualquer problema. Às vezes ouvia tanto um lado como o outro apontarem os motivos da fé que os movia.
Aprendi a respeitar e ouvir pacientemente os pontos de vista que eram diferentes do meu e responder com sinceridade às perguntas que me faziam e fazem sobre a fé que professo. De lá pra cá, sou a terceira geração nesta família protestante (e de pastores).
Meu avô foi pastor em Anta, uma cidade bem pequena que fica na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde a briga entre protestantes e católicos era sempre muito acirrada. Em 1960, quando ele chegou nessa cidade, foi até o padre e se apresentou como o novo pastor designado para a cidade. O nível de amizade entre os dois cresceu e chegou a um ponto surpreendente quando o alto-falante da igreja católica queimou e meu avô, contrariando o clima de embate entre as igrejas, emprestou o alto-falante da igreja onde era pastor para o padre anunciar as programações da igreja católica.
Naquela época os alto-falantes eram grandes cornetas, ficavam presos nas torres dos templos e não tinham como ser removidos facilmente. Emprestar o alto-falante significava anunciar a programação da igreja católica com o alto-falante da igreja evangélica, na própria igreja evangélica.
Não preciso dizer que, se naquela época isso já foi muito ousado, imagino que ainda hoje muita gente, dos dois lados, vai mandar alguma pedrada. Mas eu aguento.
Na faculdade de teologia vi esse tipo de pensamento convergente, declarado e explicado de um outro jeito: “quando a gente entra para a igreja evangélica, nos ensinam que os católicos não vão para o céu. É verdade! Muitos católicos não vão para o céu. Mas, por outro lado, é verdade que muitos evangélicos também não vão para o céu.” Eu vou além… Na palavrinha “católicos”, sem ofensa, e sem comparação entre as palavras em si, mas só para ampliar o pensamento, eu vou acrescentar: ateus, espíritas, desviados, pagãos, prostitutas, gays e todo tipo de gente que nós (evangélicos) consideramos “pecadores”…
Bem, fiz esse preâmbulo todo para dizer que: dar voz a quem pensa diferente de mim não demonstra que estou em cima do muro ou que mudei de opinião, muito menos que minha fé não esteja firmada na Rocha. Demonstra respeito, vontade de aprender e dar atenção ao outro. Simplesmente ouço todas as coisas, opiniões e maneiras de enxergar a vida, tento me colocar no lugar do outro e absorvo somente aquilo que realmente é bom. O que não é bom deixo pra lá e se, de alguma forma, eu puder contribuir para a outra pessoa crescer e aperfeiçoar sua visão, farei com todo amor e respeito até que ela mesma perceba o equívoco. Desse jeito vou ganhando muitos irmãos de caminhada na fé.
Mas às vezes chega o momento de virar a mesa, como fez Jesus no templo ao expulsar os vendedores e ladrões que se utilizavam da fé do povo para enganar, explorar e enriquecer do ouro do templo. Nem Jesus nem Paulo pegavam leve com os que se diziam religiosos e ofendiam a Deus com sua prepotência, arrogância e autossuficiência ainda que fossem grandes e respeitados líderes religiosos.
Paulo e Jesus davam nomes, sim! Nomes! O que para muitos evangélicos atualmente seria uma afronta pelo que se diz “não toque no ungido” ou “não julgue para não ser julgado”. Denunciavam, expunham as feridas da religião, não pela vontade de ganhar exposição, mas por amor ao Evangelho. O verdadeiro Evangelho. Havia grandes líderes que o povo cultuava como representantes e arautos da mensagem de Deus, mas eram apenas lobos em pele de ovelha, raça de víboras e sepulcros caiados. Jesus dizia: “façam o que eles dizem, mas não imitem os seus atos!”.
O grande problema hoje é que a maioria do povo está cego, seduzido, entorpecido pela mensagem dos falsos profetas e não consegue discernir este tempo. O evangélico é conhecido hoje muito mais pelo show, pelo mercado, pelo colégio eleitoral, pela força da mídia e da pressão, sem amor e sem reflexão profunda, do que a mudança de vida exigida pelo Evangelho.
Sinto verdadeira vergonha alheia quando vejo um auto proclamado representante evangélico ganhar mídia e projeção muito mais pela polêmica que consegue gerar do que pelo anúncio: “vinde a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados…”.
Arrepia-me o fato do povo evangélico e muitos outros simpatizantes defendê-lo e acharem que está se pregando o Evangelho, que o pecado está sendo desmascarado. Pois eu digo que o pecado está sendo desmascarado, sim, muito mais pela “trave” que está no olho do povo evangélico do que pelo cisco no olho de quem está apenas batendo no peito da própria existência, se dizendo um pecador e sem coragem de olhar para o deus (com letra minúscula mesmo) vingativo, negociador e charlatão anunciado nas telas das nossas TVs.
O Jesus da Bíblia não se parece nem um pouco com o Jesus da televisão e dos grandes templos. Só quem está cego e enfadado da religião que se “auto salva” não consegue perceber. Para nossa tristeza e vergonha…
Não se faça de sábio aos seus próprios olhos! No Reino por vir, os últimos, os esquecidos, abandonados, pequeninos e menos proeminentes é que serão os primeiros.
O Deus que se revela aos simples e pequeninos o abençoe rica, poderosa e sobrenaturalmente!