Ninguém se iluda pensando que é possível obter a salvação da alma através de conhecimento filosófico, teológico ou por qualquer outro meio que seja diferente de se estar pela fé debaixo da cobertura do sacrifício de Jesus.
Tão crucial, importante e necessário é este sacrifício de Cristo em nosso lugar, que foram exigidos por Deus, por vários séculos, antes que Ele se manifestasse ao mundo, em forma de figura, sacrifícios cruentos de animais que tinham que ser limpos segundo a lei cerimonial, e designados entre apenas um pequeníssimo número de espécies (cordeiros, novilhos e pombas), que ilustrassem a mansidão e pureza absolutas dAquele que viria no futuro para morrer na cruz no nosso lugar.
Assim, os mandamentos contidos no livro de Levítico foram também dados por Deus a Moisés quando os israelitas se encontravam acampados no monte Sinai, depois de terem sido libertados da escravidão no Egito (Lev 27.34).
A norma dos reformadores de se estudar a lei sempre com um olho no Calvário, é muito importante em ser seguida porque, assim não se esquecerá da graça enquanto se medita especialmente nas penalidades da Lei de Moisés, que, por exemplo, por terem sido revogadas pela entrada em vigor da Nova Aliança, nem mesmo para a nação de Israel tais penalidades continuam sendo de caráter obrigatório.
Pois desde que Jesus veio e inaugurou a Nova Aliança, Ele continua realizando, através da igreja, o Seu ministério de Salvador do mundo, e não de Juiz do mundo, pois como Ele mesmo definiu a Sua missão, disse que não veio julgar o mundo, mas salvar (Jo 12.47); isto se aplica ao período da dispensação da graça, e Ele somente julgará então o mundo quando vier como Juiz em Sua segunda vinda, porque o Pai constituiu o Filho Juiz de todas as coisas, como se lê em Jo 5.26-29.
Entretanto, a importância do princípio ensinado pela lei, que a fidelidade é aprovada por Deus, e o adultério sempre será uma abominação aos Seus olhos, não deve ser negligenciada.
De modo que ao termos os nossos olhos no Calvário, não venhamos a esquecer que a graça que temos alcançado através da morte de Jesus Cristo, não significa que estamos autorizados a viver de modo diferente daquilo que é exigido pela lei moral de Deus.
A Lei e a Graça não são realidades complementares, de modo que a Graça seja a soma da Lei mais alguma outra realidade espiritual.
No entanto não são realidades antagônicas, e a diferença básica entre ambas não reside na Sua procedência, pois ambas têm sua origem em Deus, mas esta diferença está basicamente em sua natureza, em sua função, pois se a lei é uma norma, a graça é um poder.
Assim, Jesus ao interferir com a graça, perdoando aquilo que a Lei não perdoa, antes condena, até mesmo sentenciando à morte, não está descumprindo a lei moral e nem mesmo incentivando o seu descumprimento, mas introduzindo outro princípio relativo à aplicação das penas da lei, também inerente à própria natureza de Deus, princípio este que não ofende a Sua justiça e nem desconsidera a Sua santidade, pois pela própria Lei tem afirmado que usará de misericórdia com quem Lhe aprouver.
Por isso há prescrições, mesmo na Antiga Aliança, que são mandamentos relativos à ministração do perdão aos transgressores da Lei, por meio da apresentação de sacrifícios.
Isto é muito importante de ser observado no livro de Levítico, pois antes de serem apresentados os vários mandamentos morais com suas penas respectivas, são listados primeiro, desde o início do livro, as normas relativas à apresentação das ofertas que tinham em vista, principalmente, o perdão de pecados.
Não podemos esquecer que Deus inspirou a escrita da Bíblia para ser o manual da nossa redenção, e não da nossa condenação.
Então nós temos o sacrifício como o ponto central na própria Lei, pois a remissão de pecados é mediante o sacrifício de Jesus, do qual os demais eram apenas figura. Todavia, mesmo aqueles sacrifícios de animais revelavam a graça e a misericórdia perdoadora de Deus em plena dispensação da Lei, uma vez satisfeita a exigência da Sua justiça de que uma vítima inocente deveria morrer no lugar do pecador para que este possa ser perdoado.
Mas, como seriam apresentados inúmeros sacrifícios ao longo da história de Israel, durante o período de vigência da Antiga Aliança, Deus prescreveu a forma de apresentação destes sacrifícios, para que não fossem feitos de acordo com a imaginação dos homens, de modo a não desfigurar o Seu propósito na apresentação daquelas ofertas, nas quais havia um princípio didático relativo a realidades espirituais, não apenas para o ensino deles, como também da própria igreja na dispensação da graça.
Uma consciência completamente convencida da sua culpa estaria disposta a vir diante de Deus com milhares de carneiros (Miq 5.6,7), e os ricos poderiam pensar que em ofertarem muito mais do que os pobres, estariam com isto obtendo maior favor da Sua parte.
Além do aspecto relativo à quantidade, haveria também a tentação em se pensar que não era exigido um espírito correto na apresentação das ofertas, isto é, sem arrependimento, quebrantamento e tristeza nas ofertas pelo pecado, e sem gratidão e alegria nas ofertas pacíficas e de consagração.
Eles poderiam fingir estar honrando a Deus, agindo somente para serem vistos em prol da própria honra e glória, e assim usarem e abusarem do sistema de ofertas, que sendo dado para tratar o pecado, seria corrompido pelos seus pecados.
Entretanto, antes de prosseguirmos, cabe destacar que apesar de tudo, quando se fala em termos de Lei como sendo a Antiga Aliança propriamente dita, e de Graça como sendo a Nova Aliança, aí então a diferença é marcante, porque aos aliançados do antigo pacto foi ordenado por Deus que não ultrapassassem sequer os limites demarcados ao redor do sopé do Sinai, com a intenção de subirem o monte e se aproximarem do seu cume, onde se manifestaria a Sua presença e glória, e mesmo no tabernáculo só podiam entrar os sacerdotes, e mesmo assim no Lugar Santo; e no Santo dos Santos, somente o sumo sacerdote, uma única vez por ano.
Já na Nova Aliança todos os aliançados são chamados a se aproximarem do Senhor, vindo à Sua presença no Santo dos Santos celestial.
Uma pessoa de fé no Velho Testamento tinha acesso à presença do Senhor no Santo dos Santos celestial, em espírito, não em razão de alguma ordenança contida na Antiga Aliança relativa a isto, mas em razão dos benefícios da Nova Aliança no sangue de Jesus, que também os alcançou no passado.
O primeiro capítulo de Levítico descreve a lei do holocausto, isto é, dos sacrifícios cruentos que eram queimados sobre o altar; o segundo capítulo as ofertas de manjares; o terceiro os sacrifícios pacíficos; o quarto descreve o sacrifício pelos pecados por ignorância; o quinto o sacrifício pelos pecados ocultos; e o sexto e sétimo capítulos descrevem também prescrições para os diversos tipos de ofertas.
Estes capítulos não esgotam tudo o que há na lei de Moisés para regular a apresentação das ofertas, mas temos nestes sete capítulos iniciais de Levítico, as linhas gerais relativas às ofertas a serem oferecidas no tabernáculo, e no primeiro capítulo se descreve particularmente que os holocaustos deveriam ser de gado (novilho – 1.2), ou gado miúdo (carneiro ou cabrito – 1.10) ou aves (rolas ou pombos – 1.14). Os animais de gado deveriam ser machos sem defeitos (1.3;10).
Em outras porções da Palavra será descrito que estas ofertas deveriam corresponder proporcionalmente às posses dos ofertantes, de forma que um rico não oferecesse rolas ou pombos, e alguém muito pobre um novilho.
Todos os tipos de sacrifícios deveriam ser apresentados à porta do tabernáculo, para que os ofertantes fossem aceitos por Deus (1.3) e deveriam ser imolados perante o Senhor (1.5, 11), e queimados, depois de serem partidos, no altar do holocausto, como oferta queimada de aroma agradável ao Senhor (1.9, 13, 17).
Note que a referência que se repete é que aqueles sacrifícios são apresentados diante de Deus e para Ele.
Por isso o altar do holocausto ficava à frente da porta do tabernáculo, de modo que todas as ofertas fossem apresentadas diante de Deus, cuja presença estava representada na arca da aliança, que se encontrava no interior do tabernáculo.
Os sacrifícios, o sangue dos sacrifícios, o aroma da queima da sua carne, não eram para serem vistos e sentidos pelos homens, mas por Deus.
O sacerdote era um mediador entre o ofertante e o Senhor, mas tanto a oferta quanto o ofertante estavam se apresentando não diante do homem, mas de Deus. Assim, o sacrifício de Jesus foi para satisfazer à justiça e à santidade do Pai, e não para ser visto pelos homens.
Ele se deu em oferta a Deus como propiciação pelos nossos pecados, mas o Seu sacrifício não foi propriamente para satisfazer o desejo dos pecadores, senão para o benefício deles.
Isto está ensinado claramente em figura no sistema sacrificial do Antigo Testamento.
É dito diretamente que o holocausto deveria ser apresentado perante o Senhor; e o ofertante deveria colocar a sua mão sobre a cabeça do sacrifício; para que fosse aceito em seu benefício, para a sua expiação.
Veja que seria a aceitação do sacrifício que beneficiaria o ofertante, de modo a expiar a sua culpa.
Se o sacrifício de Jesus não tivesse sido aceito pelo Pai, ninguém poderia ter a culpa de seus pecados expiada.
Este ato de expiação significa aos olhos de Deus o pagamento pela culpa de nossos pecados, conforme exigido pela lei, de modo que pudéssemos ser absolvidos desta culpa.
Então, pelo ato de remissão, isto é, deste pagamento, de cumprimento da pena exigida pela lei, o que acontece com a condenação que era prescrita por esta mesma pena da Lei no Antigo Testamento?
Ela é simplesmente removida em Cristo, para aqueles que têm os seus pecados expiados, por estarem unidos a Ele, na semelhança de Sua morte e ressurreição.
Por isso se ordenava que o ofertante impusesse a mão sobre a cabeça do sacrifício, indicando-se assim esta identificação na sua morte, como sendo a sua própria morte, pois era com a mão sobre a sua cabeça que a vítima inocente era imolada.
A nossa aceitação por Deus dependeu então da aceitação do sacrifício de Jesus, como sendo a nossa própria morte para a condenação da Lei, e para o pecado.
A nossa redenção e justificação são feitas por meio do sangue que Ele derramou, e é por sermos redimidos e justificados, que somos aceitos, porque não temos um Salvador que simplesmente apaga a culpa dos nossos pecados, como também remove os nossos pecados, apresentando-nos lavados de nossas iniquidades diante de Deus.
É para sermos santificados que Ele se santificou a Si mesmo, separando-se como oferta, para morrer em nosso lugar.
O propósito eterno de Deus, que está revelado desde o livro de Gênesis, onde é citado que Adão foi criado perfeito e sem pecado, é cumprido, portanto, por meio do sacrifício de Jesus em nosso favor, de modo que aquela santidade original possa ser resgatada e aplicada às vidas dos que têm sido remidos pelo Seu sangue.
A exigência de que a oferta fosse sem defeito é uma clara alusão a Jesus, pois somente Ele é perfeitamente santo e sem defeito. Assim, os sacrifícios cruentos apontam como figura para Ele.
Se o sacrifício fazia expiação a favor do ofertante (Lev 1.4), então teria que ser obrigatoriamente uma figura de Cristo, porque em nenhum animal ou mesmo pessoa, poderia ser possível se fazer expiação pelo pecado, ainda mais pelo que se depreende das condições que Deus determinou para que o animal fosse imolado, isto é, com a imposição das mãos sobre a cabeça do holocausto, imolando-o em seguida perante o Senhor.
Esta imposição de mãos, como já dissemos antes, tinha a ver com a identificação com a morte da vítima, reconhecendo como sendo a sua própria morte, e a confissão de pecados sobre ela, de modo que estaria transferindo-lhe a culpa do seu pecado.
Ora, sabemos que não seria justo fazer-se uma expiação de culpa trocando um animal por um homem.
Então, o que temos aqui é uma figura.
E, também não seria justo trocar um pecador por outro pecador, porque aquele que tem a sua própria culpa, não poderia morrer pela culpa de um outro, pois já teria sobre si a sentença de morte.
Então não há qualquer sombra de dúvida que a figura aponta para Cristo, e somente para Ele, porque nenhum outro poderia se encaixar na descrição que é feita na Palavra de Deus (Hebreus 8.1-8).
Por isso se diz que o aroma da queima da carne do holocausto seria agradável a Deus, porque agradou ao Pai que o Filho fosse consumido inteiramente no seu altar de sofrimento, em favor dos nossos pecados.
O aroma era agradável a Deus não pelo cheiro da carne, porque aqui temos uma antropopatia, pois Deus não se alimenta de carne, mas o fato de a carne estar queimando no altar significava que o pecado do ofertante seria perdoado por causa daquele grande sacrifício que seria feito no futuro, e do qual aquele que estava apresentando era figura.
Pois com o corpo do sacrifício queimado também se queimava em figura, o pecado.
Dava-se também o testemunho de uma alma se reconciliando com Deus, convertendo-se a Ele, dizendo não ao pecado, entrando em inimizade com o diabo e em amizade com Deus, buscando a santidade que havia sido perdida no Éden, e dando assim cumprimento ao propósito do Senhor na criação do homem.
Se tudo isto seria possível por causa de o pecador ter entendido que deveria confiar no sacrifício para ser aceito por Deus, conforme Ele determinou, então não seria de se esperar menos de que Ele ficasse de fato agradado com o aroma da oferta que queimava sobre o altar, indicando a eficácia de expiação do pecado através da relação entre a oferta, o ofertante e a aceitação de Deus de ambos.
Como já dissemos antes, o sacrifício de Jesus agradou inteiramente ao Pai, pois satisfez plenamente à Sua justiça, e é em decorrência disto que somos aceitos por Deus como seus filhos amados.
Outro fato que aponta para a verdade de que o sacrifício tipificava a Cristo e somente Ele, reside em que os novilhos, cordeiros, cabritos, rolas e pombos, representam animais inofensivos, inocentes e mansos, e portanto apontavam para as virtudes que estão em Cristo.
Não se fala na lei de ser aceitável sacrifício de animais considerados imundos pela lei, peçonhentos, selvagens e com características que não apontassem para a benignidade e mansidão de nosso Senhor.
Assim, como vimos antes, é o sacrifício de Cristo que nos habilita a sermos agradáveis a Deus, de modo que uma vez sendo justificados do pecado, e sendo regenerados pelo Espírito, possamos ser reconciliados com Ele, para receber graça para amar a Deus de todo o coração, de todo o entendimento e de toda a força, e para amar o próximo como a nós mesmos, pois isto excede a todos os holocaustos e sacrifícios que poderíamos apresentar para Deus (Mc 12.33), tanto que Jesus apresentou-se a si mesmo como sumo sacerdote ao Pai por nós, e também como sacrifício, uma única vez e para sempre, não deixando para nós senão o único dever de amar, assim como Ele nos amou.
Pr Silvio Dutra