Em julho de 82 tinha oito anos mas já sabia o que era futebol. Meu time, o Flamengo, era o atual campeão do mundo e Zico, seu camisa 10, ganharia fácil o prêmio de melhor jogador do planeta em 81 caso ele existisse naquela época.
Sabia que Éder tinha um canhão na canhota e que havia um médico com um nome estranho para o futebol que jogava bem até de costas. Lembro em várias ocasiões onde o Brasil saía em desvantagem e eu ouvia alguém dizer do adversário “Não deviam ter feito esse gol, agora aguenta”. E o baile começava.
Nove copas depois chegamos aqui. E o futebol não é nem sombra do que era. Nem o Brasil. Nem o futebol do Brasil. Praticamente todos os jogadores do time que encantou mundo em 82 jogavam por aqui. Conviviam conosco. Sofriam as nossas agruras. Enfrentavam nossos congestionamentos. Estavam com sua segurança entregue à própria sorte. Exatamente como nós nos dias de hoje, ainda piores.
Dos 23 convocados para a Copa de 2014, somente três jogam no brasil. Dois são goleiros, reservas. Um é um centroavante que fez fama na França. E que acredito que, caso o Brasil vá bem no torneio mundial, também parta em retirada em busca daquilo que nós nunca teremos: qualidade de vida.
Gostaria que alguém, em sã consciência, me desse um motivo real, racional e justo, para que eu me poste diante de uma TV e me debulhe em emoções simplesmente porque onze camisas amarelas estão correndo em campo contra outras onze camisas de cores diferentes.
Patriotismo? Ou seja, amor à pátria? Qual pátria?
Talvez o amor mais mal correspondido do planeta seja o dos brasileiros pelo seu País. Chega a ser masoquista. E nesses meses que se seguem promete capítulos de dar inveja a novela mexicana.
O que vou ganhar torcendo pela Seleção?
Nada. Quer ela ganhe quer perca, esta nação continuará maltratada dia pós dia por seus administradores. Nada mudará. Se o Brasil ganhar, não surgirão novos hospitais ou faculdades modernas. Não haverá mais investimento em segurança ou educação básica. Estradas não terão asfalto de qualidade. Ao contrário.
Se o Brasil vencer a Copa a pátria será drogada por um instante êxtase que anestesiará suas realidades. Lembro de um desses protagonistas ter dito que era maravilhoso poder colocar um pouco de alegria no rosto tão sofrido do brasileiro. Ok, o brasileiro já está entendendo que esse tipo de entorpecente não faz mais efeito. E por isso foi às ruas recentemente dizer isso em alto e bom tom.
No fundo no fundo, a maior frustração da nação é saber que os hospitais, as escolas, o saneamento básico, a valorização de professores e policiais nunca saíram do papel porque na verdade alguém não quis. Não é que o Brasil não pode ou não tem condições de fazer. Não fizeram porque não quiseram. Porque, quando quiseram, construíram arenas suntuosas a preço de erguer parques universitários e centros médicos de ponta. Ao preço de reforçar nossas fronteiras contra o tráfico internacional, de drogas, de armas, de gente.
Um moço, que não sabe o que é precisar de hospitais e escolas brasileiras para seus filhos disse que uma copa não se faz com escolas e hospitais. Pelo menos foi sincero. Disse o que todo político que tem acesso a excelentes planos de saúde, anda em carro blindado e põe seus filhos para estudarem no exterior sempre pensou, mas não teve coragem de dizer: que se dane o público. O que importa é o privado, que dá lucro.
Não tiveram o pudor em sangrar os cofres públicos para construir, a toques de muitas (os) caixas estádios desnecessários (sim, foram construídos mais estádios do que a FIFA solicitou) apenas para fazer arranjos políticos que viabilizassem a eternidade de grupos no poder. Algo que uma vitória da Seleção pode ajudar a construir. Por isso também não vou torcer.
Gostaria de achar alguém que me fizesse mudar de ideia, mas não está sendo fácil.
Meu Estado, o Maranhão, é um dos mais pobres da Federação e sua Capital, São Luís, uma das cidades mais lindas do Brasil, foi colocada entre as vinte cidades mais violentas no mundo. Das trinta cidades mais violentas do mundo, o Brasil tem onze. Puxa vida, logo onze? Sugestivo em tempos de Copa, não?
E ninguém se preocupa com isso. No país da Copa cortam cabeças em presídios e a utilizam como bola. E ninguém, repito, se preocupa com isso, presídios padrão FIFA…
Se a vitória do Brasil na Copa representasse um ganho real e permanente para o país, torceria. Mas não vai. Não trará nada de bom a médio e longo prazo, isso se terminar em vitória. Em caso de derrota, esperemos pelo pior. Pior que talvez nem espere a copa acabar para se manifestar.
Não vou conseguir me alegrar sabendo que pessoas passarão mal nos estádios e não terão atendimento médico digno porque o dinheiro pra isso foi para o estádio.
Não vou conseguir fingir que muitos chegarão ao estacionamento e não encontrarão seu carro, que foi roubado e não voltará mais, pois o dinheiro para equipar e aparelhar as polícias foi parar nos estádios.
Não vai dar para não ler as centenas de cartazes com mensagens de apoio onde Brasil estará escrito “Brazil” porque o recurso para a educação é ínfimo se comparado ao gasto com a Copa.
Não há sequer um romântico sentimento de identificação com os atletas, os profissionais mais bem pagos do planeta que, ao terminarem essa copa, se vencedores serão ainda mais bem pagos. Se derrotados, seguirão suas vidas, longe da realidade da pátria que preferiram ver à distância. Enquanto o Brasil segue miserável.
Não vou torcer e pronto.
Assim como o treinador tem o direito de fazer as escolhas que quer sem ser influenciado, tenho o direito de escolher para que time torcer da mesma forma. É meu direito e não abro mão dele.
Quem sabe torça por alguma nação que se preocupe de verdade com seus filhos. Algum país onde eu pudesse esquecer meu aparelho celular em uma mesa de lanchonete e voltasse horas depois e ele ainda estivesse lá. Isso existe? Sim, chama-se Suíça.
Ou um país que de tanto se preocupar com a segurança de sua população se tornou antipático, como os Estados Unidos.
Ou quem sabe a Alemanha, que devolve a seus cidadãos serviços públicos dignos dos impostos que pagam.
Ou o vizinho Chile, país com melhor IDH da América do Sul, que foi capaz de erradicar o analfabetismo.
Pois é, viram como tenho ótimas opções? E ainda deixei de fora a Inglaterra, sinônimo de organização. País que é ‘Padrão FIFA’ sem precisar sem pressionado a ser.
Que vença o melhor. O melhor pro seu povo. E esse, sem duvida, não joga com camisa amarela.
Neto Curvina
Pastor, funcionário público e ex-professor.