O evangelho foi destinado por Deus a todos os povos, nações e culturas, e é por isso que nosso Senhor Jesus Cristo não definiu nenhum modelo ou modo formal de governo da Sua Igreja.
Aos judeus, acostumados ao modelo de governo da Sinagoga, com presbíteros (anciãos) e diáconos, foi permitido darem o mesmo sistema de governo à Igreja, modelo este que foi copiado por Paulo para as igrejas gentílicas.
Todavia, não há nenhum mandamento específico na Palavra de Deus que tal modelo deveria ser seguido em todas as épocas, por todas as Igrejas espalhadas na face da Terra, de modo a permitir a cada cultura ou assembléia, estabelecer a sua própria forma de governo e administração.
Veja, como isto está plenamente subentendido nas seguintes palavras de nosso Senhor Jesus Cristo quando advertiu os apóstolos, quando estes pensavam não no modo de como deveriam dirigir a Igreja, mas quanto ao sentimento de supremacia, domínio e hierarquia mundana que eles tinham em mente:
“24 Suscitaram também entre si uma discussão sobre qual deles parecia ser o maior.
25 Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores.
26 Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve.” (Lc 22.24-26)
Veja que nosso Senhor se refere ao que é o maior na assembléia, na congregação de crentes como não sendo necessariamente aquele que a dirige.
Ao dizer “aquele que dirige” denotou a necessidade de haver um líder para cada congregação, mas não deu qualquer titulo para a liderança, de maneira que não há qualquer obrigatoriedade de ser chamado de pastor, presbítero, ou o que for.
Tanto isto é verdade que muitas vezes estes pastores ou presbíteros eram chamados de bispos, palavra vertida da palavra grega epíscopo que significa supervisor, superintendente, dirigente.
Daí Paulo ter se referido a tais líderes, quando escreveu aos Tessalonicenses, dizendo: “os que vos presidem no Senhor e vos admoestam” (I Tes 5.12).
E o autor de Hebreus se refere aos líderes chamando-os de guias (Hb 13.7,17,24).
O essencial de tudo é que tais líderes têm o dever principal de apascentar o rebanho do Senhor e ensinar aos crentes tudo o que Jesus ordenou que fosse guardado por eles. Então sob que título se fará isto não importa. O que importa é que tal trabalho seja feito.
Então, quando se possui a melhor estrutura organizacional e de governo da Igreja e se falha neste dever de apascentar e de ensinar as ovelhas, ter-se-á falhado no essencial, e tudo o mais não terá qualquer valor significativo para Deus.
Há atualmente milhões de ovelhas desgarradas do rebanho do Senhor em todo o mundo, e não necessariamente de congregações, mas desgarradas da verdade porque não são apascentadas na verdade do evangelho.
A missão da liderança que está sendo levantada pelo Espírito Santo nestes dias é sobretudo a de conduzirem ao aprisco do Senhor tais ovelhas desgarradas, pela ministração da verdade às mesmas.
E para tanto, pouco importa sob que título atribuído à liderança se fará tal trabalho, ou mesmo se em denominações, em templos ou em lares. O que importa é que haja tal apascentamento e reunião regular dos crentes, porque Deus nos impõe o dever de congregarmos em unidade de fé, de espírito e de amor.
Devemos saber que quando houve a eleição de presbíteros nas congregações fundadas por Paulo, no início da pregação do evangelho no mundo gentílico, tal eleição foi feita pelos próprios membros de cada congregação (At 14.23), e o nome presbítero, palavra grega que significa ancião, era usada para a liderança da Sinagoga judaica, estrutura à qual o próprio apóstolo Paulo se rendeu, para que não houvesse escândalo entre a Igreja da circuncisão (judaica) em relação à Igreja dos gentios.
É digno de registro o fato de que não havia inicialmente na Igreja de Jerusalém o ofício de diácono, ofício este que foi instituído quando da necessidade de se levantar administradores para que os dirigentes da Igreja pudessem se dedicar com exclusividade ao ministério da Palavra e à oração.
Este ofício de diácono passou a ser usado regularmente na Igreja Primitiva, conforme se depreende do registro do livro de Atos e das epístolas de Paulo, sem que no entanto, houvesse da parte de nosso Senhor Jesus Cristo, qualquer ordem específica quanto à obrigatoriedade da ordenação de tais oficiais para a Igreja, especialmente quando não há a necessidade de que pessoas específicas se ocupem da administração dos bens seculares e da repartição de auxílio entre os necessitados.
Assim, quando o apóstolo Paulo fala em Ef 4.11 que nosso Senhor concedeu à Igreja uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, não vemos em tal relação referência ao ofício de diácono.
E os próprios ofícios relacionados, indicadores da liderança que havia principalmente na Igreja Primitiva, pela necessidade da expansão inicial do evangelho em todo o mundo, incluíam apóstolos, profetas e evangelistas, ofícios estes que seriam extintos com o passar do tempo, uma vez tendo sido estabelecido o evangelho em toda a Terra.
Timóteo, Tito e outros eram evangelistas com autoridade para fundar Igrejas e promover a eleição de líderes para as mesmas, estando tais evangelistas debaixo da direção e governo dos apóstolos.
Ágabo era um líder na Igreja com o ofício de profeta.
O dom de profecia continua na Igreja, mas o ofício profético como mais uma das formas de liderança e governo foi extinto com o tempo, uma vez tendo sido estabelecido o evangelho no mundo.
Os apóstolos, que eram as testemunhas do ministério e da ressurreição de nosso Senhor, e a quem foi confiado o evangelho como o depósito a ser guardado e proclamado por eles, tiveram o seu ofício extinto, quando morreu o último deles, a saber, o apóstolo João.
Vemos assim, que nada impedirá que grupos de crentes que estejam desejosos de viver o único e genuíno evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, por terem fome e sede da justiça do reino de Deus, pela prática da verdade e do amor cristãos, possam ser levantados pelo Senhor nestes últimos dias de apostasia, em que se torna cada vez mais difícil permanecer fiel ao Senhor e à Sua Palavra em congregações que apostataram da verdade.
Estes que forem levantados poderão se reunir em lares, tal como ocorria nos dias da Igreja Primitiva, sob a liderança de homens piedosos, preparados pelo Senhor para tal propósito, e que sabem manejar bem a Palavra da verdade.
Nós temos o registro bíblico do funcionamento de tais Igrejas em lares, como se vê por exemplo em textos como Atos 2.42; 5.42; 12.12; 16.40; 20.20; Rom 16.3-5; 23; I Cor 16.19; Col 4.15 e Fm 2.
Quando a Igreja Romana reinava absoluta sobre a Terra, durante séculos sucessivos, e especialmente na Idade Média, onde estava a verdadeira Igreja de Cristo?
Debaixo de alguma estrutura formal institucional tal como a Igreja Romana?
Que estrutura institucional possuiu a Igreja das catacumbas, que viveu durante os primeiros séculos em subterrâneos para fugir à fúria dos imperadores romanos?
Que templos tinham os seguidores de Pedro Valdo, conhecidos por valdenses, que se reuniam em lares desde cerca do ano 1.100 e que ultrapassaram os dias da Reforma do século XVI?
É digno de nota o fato que foi tal reunião dos crentes em lares que influenciou o espírito dos reformadores.
Cristo sempre teve e terá a Sua Igreja verdadeira na Terra, e esta não é conduzida à forma dos governos deste mundo, aos quais nosso Senhor se referiu com as seguintes Palavras:
“Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores.”.
E acrescentou que entre os líderes da Igreja não é assim, ou seja, eles não são chefes, não são dominadores dos crentes, mas servos, irmãos, apesar de nosso Senhor tê-los separado para apascentarem o Seu rebanho.
Daí o apóstolo Pedro ter dito o seguinte:
“2 pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade;
3 nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho.
4 Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória.” (I Pe 5.2-4)
Vemos assim que não há nenhum mandamento quanto à forma com a qual os crentes devem ser reunir: seja em lares, templos etc.
O importante é que se reúnam, mas que o façam em nome de Cristo e para o culto e a adoração de Deus, pela prática da verdade.
Assim, a solução para a Igreja apóstata não é simples e particularmente voltar à reunião em lares como se fez na Igreja Primitiva por cerca de 300 anos, mas se reunir com o espírito certo e para fins corretos, consoante a vontade de Deus.
Os mesmos problemas poderão ser achados tanto numa reunião de crentes num lar ou num templo, e o principal problema que é o pecado, o endurecimento do coração, a falta de verdadeira santidade de vida.
Ninguém deve portanto jactar-se de ter conseguido romper com o modelo tradicional de reunião dos crentes em templos e denominações, para se reunir em lares. A grande e melhor ruptura com as tradições, não é com estruturas, mas com as práticas que nos levam a nos afastar dos mandamentos de Deus, e de vivermos segundo a sua vontade.
Se alguém se gloriar deve fazer tal como Paulo: gloriar-se apenas nas próprias fraquezas reconhecendo que toda a sua suficiência vem de Deus; gloriar-se na cruz de Jesus, e no próprio Senhor.
Entretanto, devemos considerar que a reunião em templos chama o modelo institucional, e neste se serve mais a fins seculares do que a espirituais, tentação esta que fica praticamente excluída no modelo de reunião em lares, tal como ocorria na Igreja Primitiva e em muitas Igrejas de nossos dias.
Devemos lembrar no entanto, que é inegável, que nestes últimos dias em que se tem percebido claramente uma grande apostasia por parte da Igreja Institucional, que se tem percebido também uma ação do Espírito Santo em resgatar os crentes fiéis do erro levando-os a congregar especialmente em lares, tal como ocorria nos três primeiros séculos de existência da Igreja.
Há Igrejas em lares com mais de quarenta anos de existência, mas o aumento crescente e considerável de tal modo de reunião da Igreja, tem ocorrido nos últimos 15 anos.
É digno de registro o testemunho do Dr. Victor Choudhrie, um oncologista indiano que deixou sua carreira médica para plantar igrejas caseiras na Índia. São suas palavras:
“No intuito de discutir o propósito e a importância de comunidades caseiras emergentes ao redor do mundo, 200 líderes cristãos, representando 40 nações diferentes, se reuniram em Nova Delhi, Índia, de 11 a 14 de novembro de 2009.
A Igreja nas casas é mais conhecida pelas comunidades subterrâneas da China, que hoje já contam com mais de 100 milhões de membros. Porém, de acordo com Wolfgang Simson, nos últimos quinze anos um fenômeno parecido tem se repetido em diversas outras nações do planeta.
De acordo com os relatórios da conferencia em Nova Deli, muitas comunidades caseiras estão emergindo com poucos membros e alcançando números consideráveis na América Latina e na África. Pesquisas mais recentes indicam que o número de comunidades caseiras na Europa já chega ou passa de 10.000, assim como na Austrália. Na Nova Zelândia, este número já chega a 6.000. Nos EUA, as pesquisas indicam que o número de membros da Igreja nas casas está entre seis e doze milhões, colocando o movimento entre os três maiores segmentos do cristianismo no país. No Bangladesh e na Índia, centenas de milhares de comunidades caseiras e suas respectivas redes tornam a Igreja nas casas o maior movimento cristão nestes países.”
Pr Silvio Dutra