Tendo encerrado o oitavo capítulo de Romanos reafirmando a firmeza e a segurança eterna da salvação que os crentes autênticos têm em Jesus, fundamentadas nos dons da justificação e da regeneração, que são irrevogáveis porque estão baseados na chamada, ou seja, na vocação eletiva de Deus, cuja natureza também é irrevogável, o apóstolo Paulo lamenta a condição da nação de Israel, por seu endurecimento à recepção do evangelho, sabendo que isto duraria conforme profetizado pelo profeta Isaías, até a segunda vinda do Senhor.
A nação como um todo se encontraria endurecida, mas Deus sempre teria um remanescente fiel entre o povo que creria no evangelho e que portanto, alcançaria a salvação.
O desejo de Paulo em relação a eles era o de que toda a descendência natural de Abraão, chamada através de Isaque e Jacó, fosse salva, mas ele estava bem instruído pelo Senhor que aos Seus olhos, nem todo israelita natural é um verdadeiro israelita espiritual, por não possuir a mesma fé salvadora que havia justificado Abraão.
E a causa imediata disto era a eleição divina, sobre a qual Paulo discorre neste nono capítulo.
Tendo falado nos capítulos anteriores sobre a justificação e a santificação, e tendo feito uma breve alusão à predestinação e eleição no capítulo oitavo, o apóstolo abriu agora mais amplamente o significado da eleição na qual está baseada a nossa salvação.
Com estes argumentos verdadeiros relativos à Soberania de Deus, ele esperava colocar um ponto final nas expectativas de salvação por meio de mérito ou de obras, especialmente da parte dos judeus, uma vez que a justificação é antecedida por uma chamada divina que está fundada na eleição. Então, o apóstolo falará sobre o caráter desta eleição.
Ele começou com o exemplo do próprio povo de Israel, que tendo à disposição deles a adoção de filhos, a glória, as alianças, a lei, o culto e as promessas, os patriarcas aos quais foram feitas as promessas, e a quem foi dado até mesmo o próprio Cristo, segundo a carne, porque era da descendência da tribo de Judá, no entanto, não alcançaram a salvação em sua grande maioria.
E a razão disto é que o homem é totalmente dependente de Deus para que seja salvo por Ele, e isto está atrelado à Sua escolha e iniciativa divina na salvação, e não propriamente ao nosso próprio querer e esforços, pois a salvação demanda o recebimento de uma nova natureza espiritual, celestial e divina, e grande parte da humanidade não está disposta a isto.
A maioria das pessoas aspira a ir para o céu depois da morte, mas não para o céu que exige uma vida santificada aqui na Terra. Assim, quem desejar entrar no Reino de Deus com este tipo de desejo, certamente não será achado lá, conforme testificam as Escrituras.
É evidente que temos que buscar, desejar a salvação, mas ela não nos virá pelo nosso mero querer. Devemos bater à porta do céu, devemos procurá-la no Senhor Jesus, e pedir a Ele, humildemente, que nos salve, se não somos convertidos a Ele, mas não se encontra em nós o poder para gerarmos a fé que salva (é dom de Deus), ou a nossa justificação, regeneração e santificação, e assim, permanece sob a soberania de Deus não somente conceder como também operar tudo o que se refira à salvação em nós.
Importava que fosse assim, conforme determinado em Seus conselhos eternos, para que sendo por fé e por graça, fique também excluída não somente a jactância humana, como também a exploração do homem pelo homem, sob os argumentos de que é uma determinada instituição mediadora entre os homens e Deus que nos salva, ou as obras e serviços que fizermos sob a direção de determinadas instituições religiosas ou pessoas que se intitulam a si mesmas mestres, guias, gurus etc, ou por quaisquer outros meios adicionados ou que eliminem o mandado de Deus de nos salvar somente por graça e mediante a fé.
De modo que o plano de Deus é segurança para nós, e visa ao nosso próprio benefício, de modo que não dependamos do mérito e dos meios de nenhuma instituição ou homem sobre a Terra, e nem mesmo no céu, aparte ou além de Cristo, para a salvação da nossa alma.
Todos os que elaborarem o seu próprio caminho para a verdade e a vida eterna, serão achados fora do caminho estreito, da única verdade e vida eterna que é o próprio Cristo.
Dependemos assim que Ele se manifeste a nós, por misericórdia e com graça, para nos perdoar de todos os nossos pecados, e isto Ele certamente fará se o buscarmos com verdadeiro arrependimento.
Ele tem prometido não lançar fora a qualquer que o buscar. Apesar do dever que temos em saber que é Ele que nos escolheu e amou primeiro, do que nós a Ele.
Veja o caso dos judeus dos dias do apóstolo.
Paulo os amava por ser também judeu, a ponto de desejar ser considerado, ele próprio maldito de Deus, por amor a eles, e caso com isto fosse possível trazer a salvação a todos.
No entanto, ele reconhecia que não é por falta de desejo em Deus de salvar todos os pecadores que eles não podem ser salvos, mas pelo fato de que nem todos atendem ao convite da salvação pelo Evangelho.
Nem todos querem se submeter à nova lei da nova aliança em Cristo Jesus, em corações transformados para amá-lo acima de tudo, e ao próximo como a si mesmo, e aos irmãos na fé, do mesmo modo pelo qual Jesus nos ama, a saber, com o amor ágape de Deus.
E os que assim procedem, permanecem endurecidos.
Deus, em Sua presciência e onisciência, que faz com que Ele tudo saiba e conheça, antes mesmo de chegar à existência, sabe quais são estes que resistirão para sempre à Sua vontade e amor, de forma que não os elege para a salvação que eles desprezarão e rejeitarão.
E isto é feito de maneira que apesar de o convite do evangelho ser geral a todas as pessoas, em todos os lugares e épocas, sem qualquer tipo de acepção, todavia a chamada eficaz que regenera o nosso coração é feita pelo Espírito Santo de modo eletivo, ou seja, somente àqueles que Ele conhece que serão receptivos ao evangelho, ainda que resistam até mesmo por muito tempo a se renderem a Cristo.
O trabalho de convencimento do pecado e da necessidade de arrependimento e do Salvador será paciente e trabalhará nas circunstâncias da vida, sem que seja dado ao homem saber quem ou não será salvo, porque isto é do conhecimento exclusivo de Deus (I Cor 7.16), que diferentemente de nós é Onisciente, Onipotente e Onipresente.
O motivo da não eleição não é moral, porque todos os eleitos são tão pecadores quanto os demais, mas é devido a esta rejeição e este desprezo da graça do evangelho que Deus está oferecendo em Jesus Cristo.
Em suma, os eleitos são os que virão a amar a Deus, a viver para Deus, e desejarem mais do que tudo fazer a Sua santa vontade, não pela existência prévia de algum bem neles, mas tão somente por terem atendido ao chamado de Deus para a conversão.
Por isso, o apóstolo ilustra a eleição com os gêmeos Esaú e Jacó, dizendo que Deus, já havia dito à mãe de ambos, antes mesmo dos meninos nascerem, que havia amado a Jacó e se aborrecido de Esaú, porque sabia que Esaú jamais O amaria.
Mas Deus conheceu também a Jacó por meio da Sua presciência, e sabia que ele viveria para fazer a Sua vontade, pois se deixaria penetrar pela Sua graça e influência, e ensinaria aos seus filhos a andarem nos Seus caminhos.
Então não foi por causa de nenhum mérito que Jacó tivesse antes de nascer que ele foi eleito, ou mesmo por obras que viria a praticar depois de gerado, porque Deus o conhecera antes mesmo de tê-lo formado no ventre de Rebeca.
O caso de faraó exemplifica claramente que Deus não está obrigado a usar de misericórdia para com todos os homens, porque Ele conhece muito bem o caráter de corrupção da nossa natureza terrena, do quanto somos inimigos e avessos naturalmente aos Seus mandamentos, especialmente os relativos à plena santificação do nosso coração.
Até mesmo os eleitos são achados nesta triste condição espiritual, antes da sua chamada, justificação e regeneração, e por isso necessitam de uma eleição que seja segundo a graça e misericórdia divina, porque de outro modo jamais poderiam vir a agradá-Lo.
Assim, a misericórdia para a salvação será manifestada por Deus àqueles que Ele conheceu antes mesmo de serem formados nos ventres de suas mães, e que se dobrarão a Ele quando chamados eficazmente pelo Espírito Santo, que não blasfemarão contra Ele e contra os céus, que não odiarão a Jesus, ao evangelho e à Sua Igreja, e que se converterão dos seus maus caminhos.
Mas, a maioria da humanidade, ao longo dos séculos, tem se desviado desta bondade e misericórdia que Deus está oferecendo a todas as pessoas e em todos os lugares, para que sejam salvas por meio da Justiça de Cristo.
Deus tem todavia suportado com grande longanimidade aqueles que são como vasos de ira, porque se enchem cada vez mais da ira da justiça divina contra os pecados que praticam, e com a qual serão visitados por fim no Dia do grande juízo final.
O Senhor lhes tem permitido, em sua grande maioria, viverem muitos anos sobre a face da Terra, sem lhes visitar com Seus juízos por causa de suas más obras, e não lhes imputando enquanto aqui vivem, as suas ofensas à Sua Justiça e Santidade, mostrando-lhes que são indesculpáveis em face do longo tempo que lhes foi concedido para que se arrependessem dos seus pecados, e no entanto, têm escolhido não fazê-lo.
Mas dos eleitos se diz que são vasos de misericórdia porque será manifestada em suas vidas a misericórdia de Deus, salvando-lhes de seus pecados e da condenação, porque se arrependeram de seus pecados e confiaram em Jesus Cristo para ser o Salvador e Senhor deles.
Este parêntesis feito por Paulo no nono capítulo de Romanos, inserindo-o no desenvolvimento do assunto relativo à justificação, santificação e pregação do evangelho, certamente foi orientado pelo Espírito Santo, para alertar aqueles que são eleitos entre os gentios, que a eleição deles não foi decorrente de qualquer mérito ou bem que houvesse neles em relação aos demais, e ainda, que apesar de terem alcançado o dom firme, seguro e eterno da salvação, por meio de Cristo, isto não lhes foi concedido pelo fato de Deus ter desistido de Israel e rejeitado a nação eleita.
Além disso, pesa sobre cada um deles o dever de andarem de modo digno da sua vocação, inclusive os próprios convertidos israelitas (remanescente de Israel), porque se Deus não poupou os próprios israelitas que haviam se endurecido ao evangelho, quanto mais os gentios que alcançaram a salvação por causa da rejeição do evangelho por Israel.
Pr Silvio Dutra