É interessante o contexto dessa passagem, especialmente de alguns termos usados pelo autor da Carta aos Hebreus. Ele fala em coisas como ‘correr’, ‘não cansar’, ‘resistir’, ‘ter disciplina’. É como se ele se valesse da figura de um atleta, de um competidor, de alguém que corre precisando chegar a algum lugar, e não somente por diversão, por treinamento, mas por necessidade.
Paulo, em I Coríntios 8:24-26 já havia lançado mão de tal figura. Mas antes disso, o autor nos informa a situação em que nos encontramos e que nos faz começar a correr. O texto fala em ter pressa. Só corre quem está com pressa. Deus tem pressa em nossa vida.
O autor fala em uma “grande nuvem de testemunhas”. Ora, “grande nuvem” é sinal da presença de Deus. Era assim que ele guiava seu povo através do deserto durante o dia. Ou seja, o texto fala de exemplos que a Palavra de Deus nos dá e dos quais devemos nos cercar. O capítulo começa dizendo ‘portanto’, ou seja, ele é ao mesmo tempo uma continuação e uma conclusão do capítulo anterior, que cita mais de dez exemplos de vida que agiram movidos pela fé. São dessas testemunhas que o texto fala. Nossos grandes exemplos de fé.
No entanto, conforme vemos nos versículos finais do capítulo 11 (39-40), embora todos nos sirvam de testemunhas, o que foi prometido para a igreja é ainda maior do que o que foi prometido para eles, que o autor chama de ‘superior’. Ele está falando de Jesus. Durante milênios os profetas de Deus tiveram somente uma idéia do que e de quem seria o Messias. Tiveram visões, pequenas informações, mas o mundo só pôde entender mesmo quando o ‘Verbo se fez carne, e habitou entre nós’ (João 1:14). Por isso ele completa seu raciocínio no versículo seguinte (12:2) e diz “Olhando firmemente para Jesus”, porque ele é o noivo da Igreja. Foi por ela, a reunião dos eleitos, que ele veio a terra. Foi por ela que ele morreu. E é para ela que devem correr todos aqueles que desejam adorar a Deus.
E com isso não se diz do templo feito por mãos humanas, mas para o aprisco de onde ele, Jesus, é o nosso Pastor (Salmo 23). Essa é a carreira proposta da qual fala o texto: estar em Cristo. Servir a Cristo. Adorar a Cristo. Obedecer a Cristo. Mas para que consigamos chegar ao final dessa caminhada, precisamos nos livrar de dois sérios adversários: os embaraços, e o pecado, que tão de perto nos rodeia. São estes dois elementos os entraves para uma vida abençoada na presença de Deus.
Voltando ao simbolismo usado pelo autor, vejamos que ele se refere a correr, mas não simplesmente correr, mas correr com perseverança. Servir a Deus nunca, em tempo algum, foi tarefa fácil. Essa talvez seja uma das imagens mais deturpadas do cristianismo: que servir a Deus é um mar de rosas. Jesus jamais pregou essa mensagem, ao contrário, existem dezenas de passagens no Evangelho, onde ele e, posteriormente seus apóstolos, advertem das dificuldades em seguir o Rei dos Reis nessa terra. Uma mensagem que não torna o Evangelho algo atrativo para quem não quer abrir mão de nada que este mundo oferece, preferindo assim permanecer longe de Deus. O que a Bíblia deixa claro.
Tiago 4:4 “Adúlteros e adúlteras, não sabeis que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo, constituir-se-á inimigo de Deus”.
I João 2:15 “Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele”.
O primeiro obstáculo é nomeado como ‘embaraço’. Aquilo que impede, dificulta, atrapalha. Temos a figura de algo embaraçado como algo que não consegue progredir, fluir, inclusive associamos o termo ‘embaraçado’ como ‘enrolado’, ‘emaranhado’ ou ‘complicado’.
Os embaraços dessa vida são os agentes externos que tentam ou contribuem para nos manter afastados de Deus, como bem nos lembra Cristo na parábola do semeador, ao falar em Mateus 13:22 da semente que caiu entre os espinhos, que se tratam dos ‘cuidados deste mundo e da sedução das riquezas’, algo do que, aliás, Paulo já advertia seu principal obreiro, em I Timóteo 6:10, deixando bem nítido que a cobiça material e financeira é a causa, a essência de quase tudo de ruim que acontece na terra, desde as grandes guerras até os escândalos que surgem dentro das igrejas. Correr, como orienta o autor, se faz em duas etapas: correr certo no rumo certo. E é impossível correr certo embaraçado.
Muitos até sabem qual o rumo certo, mas não conseguem se apressar porque estão carregados de coisas que impedem sua carreira. Estão sempre dando prioridades a coisas menores que a promessa que receberam de Cristo. Tentam correr mas estão presos ou sufocados pelas pressões do mundo, da família, do dinheiro. Estão, literalmente, embaraçados por coisas que acabam os afastando de Deus.
E temos ainda o pecado, que, segundo o autor, ‘tão de perto nos rodeia’, tentando nos fazer correr para o lugar errado. Não é a toa que um dos significados do termo seja “errar o alvo”, ou seja, muitos até correm bem, mas correm para o lugar errado. E por que fazem isso? Porque não dão mais importância à Palavra de Deus. E então tentam encontrar paz e felicidade nos lugares errados, quando o versículo 2 diz que devemos olhar somente para Jesus, o autor e consumador da nossa fé.
Muitos têm tratado sua vida em relação a Deus de forma morna. Alguns não passam de simples religiosos, que vêm à igreja como uma forma de ritual. Mas Deus quer cumprir sua promessa em nossas vidas. E tem pressa. Não é por acaso que ele diz em Apocalipse 22:12 “Eis que cedo venho!”.
Em tempos passados nos apressávamos em pecar. Hoje precisamos nos apressar em adorar a Deus. Em adora-lo. O tempo do fim se aproxima e não podemos desperdiçar nossos dias sendo dominados por coisas que em nada nos faça ajuntar tesouros no céu (Lucas 12:21, o rico insensato). Chega de fingimento, de desculpas, de deixa pra depois, Jesus disse “Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, pois o Pai procura a tais que assim o adorem” (João 4:23).
Deus está a procura daqueles que tem pressa nele.
Neto Curvina