O sacrifício de Jesus não foi oferecido por nós simplesmente para o perdão dos nossos pecados.
Até mesmo a paz e prosperidade que recebemos da parte de Deus são também resultantes do sacrifício que Jesus fez por nós na cruz, e por esse motivo há na Lei de Moisés, um tipo desta verdade representado nos sacrifícios de paz que foram ordenados a Israel.
No terceiro capítulo do livro de Levítico são descritos os chamados sacrifícios pacíficos, isto é, aqueles que não eram oferecidos para expiação do pecado, mas para celebrar a paz com Deus.
Estes sacrifícios representavam a paz com Deus resultante da expiação da culpa realizada pelo sacrifício pelo pecado.
Podemos ver o cumprimento disto em Rom 5.1 onde se diz que, “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.”
O caráter desta paz não é meramente psicológico, mas objetivo e espiritual, porque é por meio do sacrifício de Jesus, que os cristãos são livrados da ira de Deus.
A guerra que o Senhor tinha contra eles, e eles contra Deus, acabou no momento em que eles creram nEle, por terem sido redimidos de seus pecados pela oferta, que Ele fez de Si mesmo.
Como esta paz foi obtida por meio do sacrifício do Senhor, então se ordenava em figura na Lei, que todo aquele que apresentasse uma oferta para expiar a culpa do pecado, também apresentasse uma oferta para celebrar a paz com Deus, que era decorrente também de um sacrifício.
Isto ensinava em figura que o propósito do sacrifício de Jesus é o de nos reconciliar com Deus, para que tenhamos paz com Ele, uma vez tendo sido justificados pelo sangue do Seu sacrifício.
Isto pode parecer redundante, uma vez que Jesus ofereceu-se em oferta uma única vez – um só sacrifício – todavia, é muito importante que a Lei apresente um outro tipo de oferta além da que era apresentada pelo pecado na dispensação do Velho Testamento, uma vez que muitos pensam erroneamente que tendo Jesus morrido em nosso lugar, Deus nada mais espera de nós. Mas não é assim, o propósito do sacrifício pelo pecado é o de nos consagrarmos a Deus, em comunhão pacífica com Ele, e em amor.
Que aproveitaria sermos justificados e seguirmos no nosso velho modo de vida, na prática do pecado?
Que pai terreno estaria satisfeito em perdoar seu filho errado, e este continuar na prática do erro, e afastado da comunhão com ele?
Por isso, as ofertas pacíficas eram em substância constituídas de sacrifícios sangrentos, pois que também apontam para o sacrifício de Jesus, pois, como já dissemos é somente por meio dEle que podemos ter paz verdadeira e eterna com Deus, e nos é ordenado celebrar esta paz na prática, com base no Seu sacrifício, participando da Sua vida espiritual e divina, conforme Ele nos tem ordenado que comamos da Sua carne e bebamos do Seu sangue; assim, como isto era visto em figura nos dias do Velho Testamento quando o ofertante participava juntamente com o sacerdote, comendo da oferta que havia sido apresentada.
Assim, em linhas gerais, estes sacrifícios seguem as mesmas prescrições relativas ao holocausto para a expiação do pecado, descrito no primeiro capítulo, sendo diferentes somente quanto à sua finalidade.
No Antigo Testamento a expiação era feita por uma oferta, e a paz por outra, entretanto, Jesus fez ambas as coisas com uma única oferta (Hb 10.14).
Nestes sacrifícios de paz é enfatizada a queima sobre o altar da gordura que envolvia as entranhas e demais órgãos internos do animal (Lev 3.3,4, 9,10, 14,15), e no verso 16 se afirma expressamente que:
“Toda gordura será do Senhor.”
No verso 17 se faz uma proibição expressa de não se comer nenhuma gordura nem sangue em Israel.
Cabe destacar que os pagãos bebiam o sangue dos sacrifícios que apresentavam aos seus deuses, e por isso o Senhor estabeleceu também nisso um claro contraste entre os sacrifícios que Lhe seriam apresentados no tabernáculo, e aqueles que eram oferecidos aos demônios e por inspiração destes.
Assim, além de um ensinamento de caráter prático e sanitário, de se proibir a ingestão de gordura e sangue, que hoje, sabe-se ser prejudicial à saúde física, certamente foi do propósito de Deus também ensinar sobre realidades espirituais, neste aspecto relativo à gordura, que não podemos alcançar em toda a sua plenitude, porque, como se afirma, a lei, especialmente a cerimonial, era uma sombra e figura das realidades que se cumpriram em Cristo.
Há particularmente aqui esta obscuridade quanto a não termos uma revelação direta na lei, do significado daquelas coisas que foram reveladas clara e diretamente por Cristo.
Entretanto, não há qualquer dúvida, já que estes sacrifícios eram apresentados para celebrar a amizade com Deus, especialmente a gratidão a Ele pela expiação do pecado, ou por obtenção de bênçãos especiais da Sua parte, podemos inferir, por tudo o que podemos explicar com o contexto das próprias Escrituras, que a referência a esta gordura a ser queimada para o Senhor, era uma figura da prosperidade e bênçãos recebidas dEle, conforme depreendemos de textos como os a seguir:
Gên 4.4: “Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura. Ora, atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta,”.
Êx 23.18: “Não oferecerás o sangue do meu sacrifício com pão levedado, nem ficará da noite para a manhã a gordura da minha festa.”.
Sl 36.8: “8 Eles se fartarão da gordura da tua casa, e os farás beber da corrente das tuas delícias;”.
Sl 63.5: “A minha alma se farta, como de tutano e de gordura; e a minha boca te louva com alegres lábios.”.
Jer 31.14: “E saciarei de gordura a alma dos sacerdotes, e o meu povo se fartará dos meus bens, diz o Senhor.”.
Assim, apesar de fazer mal à saúde em si mesma, a gordura dos animais era o símbolo da prosperidade da nação de Israel, e do cuidado de Deus para com ela, porque animais magros são sinônimo de penúria, enquanto animais gordos são sinônimo de bons pastos.
Trazendo isto então para os homens, a gordura, como figura, era símbolo da prosperidade e das bênçãos do Senhor sobre as suas vidas, não permitindo que a sua terra fosse improdutiva e sem abundância de água e alimento, de modo que isto era refletido no gado que possuíam, que era gordo em vez de magro.
Então a queima da gordura daqueles animais, especialmente nos sacrifícios pacíficos, indicava que prosperidade é sinônimo de paz com Deus, de comunhão com Ele, de obediência à Sua vontade.
E que esta prosperidade que alcançamos nEle deve ser-lhe dada por devolvida, porque toda a gordura deveria ser queimada no altar dos holocaustos.
Pressupomos assim que não há qualquer citação a oferecimento de rolas e pombos nos sacrifícios pacíficos, porque não havia neles gordura suficiente para ser queimada no altar.
Isto é muito importante de ser visto como figura na Lei, porque daí aprendemos que não devemos buscar a prosperidade como um fim em si mesmo, mas devemos buscar o reino de Deus e a Sua justiça, e toda a prosperidade que Ele nos der, deve ser empregada por nós no Seu serviço, e para a Sua exclusiva glória, porque toda aquela gordura, que era queimada no altar, e que simbolizava a prosperidade recebida, é dito dela, ser pertencente a Deus, e de fato Lhe pertence, porque teve nEle a sua origem (Lev 3.16b).
Incentivar as pessoas a buscarem a Deus para ficarem ricas e gastarem tudo o que obtiverem em seus próprios prazeres e objetivos é um pecado grosseiro, que é condenado no próprio Novo Testamento:
“Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites.” (Tg 4.3).
Na verdade, o texto de Tiago destaca que aquilo que pedimos com interesse meramente egoísta, nem sequer é atendido por Deus.
A verdadeira prosperidade, que procede de Deus, vai exatamente na contramão do egoísmo, porque é uma lei espiritual estabelecida pelo Senhor que se dê mais àquele que dá.
A fórmula do reino para o receber é o dar, pois se diz:
“Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando vos deitarão no regaço; porque com a mesma medida com que medis, vos medirão a vós.” (Lc 6.38).
Vale ressaltar que sendo exigida a queima no altar da gordura interna, isto é, da que envolvia os órgãos vitais dos animais, temos aqui uma possível referência ao fato de que a verdadeira prosperidade é aquela que vem de um serviço que é feito ao Senhor de todo o coração, como resultado de nossos entranháveis afetos por Ele, e por nossos irmãos na fé.
Por um zelo fervoroso que é nascido no mais profundo do nosso ser.
O que está em foco aqui são as atitudes internas do coração, que mostram a sede em que reside a nossa comunhão com o Senhor.
Não propriamente naquilo que é externo, que é visto, mas naquilo que o olho humano não vê, mas que somente o Senhor conhece, a saber, as reais motivações do nosso coração.
O perdão é uma atitude interna. A unidade é fruto do somatório de várias atitudes internas, como a humildade, a submissão, a obediência, o bom ânimo, a alegria, a paz, o amor, a bondade, enfim, tudo aquilo que está em Cristo, e que deve ser encontrado em nós.
Cabe destacar finalmente que o sangue destes sacrifícios como o dos descritos no primeiro capítulo de Levítico, para a expiação do pecado, deveria ser aspergido ao redor do altar do holocausto.
O sangue não era queimado, mas derramado sobre o altar, em toda a sua volta.
Certamente ele atingia a terra sobre a qual estava o altar e era visto por todos.
Temos nisto uma clara referência ao sangue de Cristo que foi derramado por nós na cruz.
O sangue não era queimado porque com isto se indicava que tudo o que se fazia no tabernáculo, todo serviço que era prestado a Deus, toda a expiação e reconciliação que era resultante destes serviços, somente era possível e garantido pelo sangue de Cristo que seria derramado em favor dos pecadores, e do qual aquele sangue de animais era apenas uma figura.
Pr Silvio Dutra