“Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Salmo 2.7).
Encontramos, no Novo Testamento das Sagradas Escrituras, um texto escrito por Lucas – médico e discípulo de Cristo – em cujo capítulo 23, dos versículos 39-43, relata os fatos, que “são atos” (Bachelard). Os atos ocorridos no instante da crucificação de Cristo, que, ladeado por dois malfeitores, estava prestes a entregar o seu espírito ao Pai. Contudo, mesmo sofrendo, ouviu atentamente àquele que lhe pedia socorro.
Lucas, então, descreve o instante da fala de um dos ladrões reconhecendo-se merecedor daquele castigo e reconhecendo, ainda, a não-culpabilidade daquele, cuja inscrição no topo da cruz denominava-o “O Rei dos judeus” (Lucas 23.38). Num instante de irrupção de fé, o ladrão, arrependido dos seus pecados, repreende o outro malfeitor e profere o seu discurso, que lhe garantiu o perdão: “Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino”. O pedido é imediatamente aceito pelo seu interlocutor – Cristo –, o qual lhe deu a garantia de entrada no paraíso: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Evangelho de Lucas 23.43).
O ato daquele malfeitor, isto é, a decisão instantânea resultou em vida, já que ir para o paraíso na companhia de Cristo significava passar daquele instante de dor, sofrimento, angústia e morte à vida eterna. É interessante notar que na enunciação de Cristo, o tempo, materializado no advérbio “hoje”, que indica tempo presente, foi seguido do verbo “estarás”, que indica tempo futuro. É possível afirmar que o tempo presente para Deus já está inscrito no tempo futuro.
Encontramos, ainda, o Hoje de Deus inscrito num passado, quando Ele se refere ao seu Filho unigênito no texto do salmo dois, versículo sete: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei”. Esse Hoje se referia ao tempo imemorial, à eternidade, quando Deus havia feito seu projeto com o objetivo de salvar o homem por meio do seu Filho Jesus. No livro de Hebreus (Novo Testamento), capítulo 3, versículo 13, o escritor diz: “Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama hoje (…)”. Aqui, o escritor bíblico, inspirado por Deus, quis mostrar que Deus tem urgência em salvar aqueles que se arrependem.
O Hoje-passado do instante em que Deus gerou seu Filho, o Hoje-futuro – proferido na cruz, e o Hoje do tempo presente de Hebreus 3.13 traduzem o Hoje eterno de Deus. Os acidentes temporais constituídos no instante passado, no instante presente e no instante futuro conferem ao instante “a verdadeira realidade do tempo” (Roupnel). É num instante que Deus resolve abençoar o homem com perdão e salvação. A descontinuidade temporal dos atos de Deus confirma seu caráter atemporal, pois Ele é eterno, e, por isso, onipresente: está no mesmo lugar, em um mesmo instante; vai aonde é invocada a sua presença.
O hoje eterno de Deus abre um espaço no tempo para àqueles que ainda hão de se arrepender e receber de Deus a salvação por meio de Jesus Cristo. “Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes hoje a sua voz, não endureçais os vossos corações(…)” (Hebreus 3. 7 e 8). O Espírito Santo, que é Deus, está oferecendo salvação no presente, para quem está hoje aqui, e no futuro, para aqueles que ainda virão a estar aqui. Portanto, a salvação não está circunscrita a uma época ou a um só povo; esta é para “todo aquele que nele crê”.