Citações de um sermão de C. H. Spurgeon, traduzidas e adaptadas por Silvio Dutra.
“Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis. Mas, se alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo. (I João 2.1)
O apóstolo João nos apresenta um testemunho muito claro e enfático da doutrina do perdão completo e gratuito do pecado. Ele declara que o sangue de Jesus Cristo, o amado Filho de Deus, nos purifica de todo o pecado, e que se alguém pecar, temos um Advogado.
É muito evidente que ele não tem medo de errar ao afirmar esta verdade de Deus tão amplamente. Pelo contrário, ele faz esta declaração com o objetivo de promover a santidade de seus “filhinhos”. O propósito da presente declaração ousada do amor do Pai para com Seus filhos pecadores é, “para que não pequeis.” Esta é uma resposta triunfante à objeção grosseiramente mentirosa que é tão frequentemente instada pelos adversários do Evangelho contra as doutrinas da livre Graça – que elas levam os homens à licenciosidade.
Não parece que o Apóstolo João pensava assim, pois, a fim de que esses “filhinhos” não pecassem, ele, na verdade, lhes declara a própria doutrina que os nossos adversários chamam de licenciosa. Aqueles homens que pensam que a Graça de Deus, quando total, justa e claramente pregada, vai levar os homens ao pecado, não sabem o que dizem, nem o que afirmam.
Isto não está de acordo com a natureza, nem com a Graça que os homens busquem um argumento para o pecado na bondade de Deus. A natureza humana é ruim o suficiente e longe de mim embelezar este criminoso leproso, esta fedorenta massa de corrupção – mesmo uma consciência natural se revolta com a ideia de que a razão do pecado é porque a Graça Divina abunda!
Eu deveria odiar a Deus porque Ele é bom para mim? Amaldiçoarei porque Ele me abençoa? Atrevo-me a afirmar que muito poucos homens raciocinam assim. Os homens têm feito muitas invenções, mas esses argumentos são tão claramente abomináveis que poucas consciências estão tão mortas a ponto de tolerá-los. Ruim como é a natureza humana, esta raramente transforma a bondade de Deus em um argumento para se rebelar contra Ele.
Assim como as almas renovadas pela graça divina, nunca podem ser culpabilizadas por tal infâmia. O Crente em Jesus raciocina de modo completamente diferente. Deus é tão bom assim? – Então eu não vou entristecê-lo. Ele está pronto para perdoar as minhas transgressões? – Então eu vou amá-lo, pela sua graça, e não mais ofendê-lo. A gratidão tem cordas que são mais fortes do que o ferro, embora mais suaves do que a seda.
Não pensem senhores, que o cristão precisa ser açoitado para alcançar a virtude pelo chicote da Lei! Não pensem que odiamos o pecado apenas por causa do inferno que o segue! Se não houvesse nenhum céu para os justos, os filhos de Deus seguiriam a bondade porque seus espíritos regenerados lhes inclina a isto.
E se não houvesse o inferno para os ímpios, a partir da necessidade de sua natureza recém-nascida, o verdadeiro cristão iria se esforçar para escapar de toda a iniquidade. Amados por Deus, achamos que devemos amá-lo em troca. Ricamente, sim, divinamente perdoados, sentimos que não podemos mais viver em pecado. Uma vez que Jesus morreu para nos livrar de toda impureza, sentimos que não podemos crucificar o Senhor novamente, e colocá-lo à ignomínia.
Nós não precisamos de argumentos convincentes mais nobres para levar um homem à consagração completa à causa de Deus e à repulsa de todo o mal do que aqueles obtidos a partir da livre graça de Deus. E se alguns homens perverterem a doutrina? As mentes ímpias corrompidas não pervertem tudo? Que verdade há na Escritura com a qual um homem não possa arruinar a si mesmo se ele quiser? Não antecipou isto o olho profético de nosso Senhor quando deixou registrado que para alguns a Palavra de Deus é: “um cheiro de morte para a morte?”
Não tem havido em todas as épocas homens que detêm a verdade de Deus em libertinagem? Quando não houve homens maus para torcerem as Escrituras para sua própria destruição? Devemos reter o pão dos filhos para que os cães não roubem as migalhas? Vamos destruir os medicamentos que restauram a saúde, porque os tolos podem se envenenar com eles? Devem todas as árvores serem cortadas por medo das corujas construírem seus ninhos nelas?
Deve o mar ser secado porque os tubarões nadam nele? Porventura a Verdade virgem e pura deve ser condenada porque brutos vilões abusaram do seu caráter? Deus me livre! Nunca devemos nos envergonhar de pregar todo o Evangelho e pregar o seu pleno perdão dos pecados da maneira mais ousada e clara, crendo que os seios nus da Verdade são a sua melhor armadura, e que ela está menos protegida quando está sobrecarregada com um manto de malha do raciocínio e da prudência humanos.
I. Iniciamos nossa exposição do texto com a observação de que o santo é AINDA UM PECADOR. Nosso Apóstolo diz – “Se alguém pecar”. O “se” pode ser escrito como letras pequenas, como você quiser, porque a suposição é uma questão de certeza. “Se algum homem pecar?” Embora a mão suave do discípulo amado use esses termos suaves e macios, colocando-o como uma suposição – como se fosse uma coisa surpreendente depois de tanto amor e misericórdia e bondade, que devamos pecar – ainda João sabia muito bem que todos os santos pecam, pois ele mesmo declarou que, se alguém diz que não tem pecado ele é mentiroso, e a verdade não está nele.
Os santos são, sem exceção, ainda pecadores. Longe de nós negar que a Graça Divina tem trabalhado a mudança. Será bom notar essa mudança. O cristão já não ama o pecado. É o objeto de seu horror severo. Ele já não considera como uma ninharia, brincar com ele, ou falar dele com indiferença. Ele olha para ele como uma serpente mortal que deve ser evitada.
O pecado é destronado do coração do cristão, embora não seja ejetado. O pecado pode entrar no coração e lutar pelo domínio, mas não pode sentar-se no trono. Ele assombra a cidade da Alma Humana e se esconde em tocas e cantos para fazer o mal, mas não é mais honrado nas ruas, nem mimado no palácio. A cabeça e as mãos de Dagon estão quebradas, embora o tronco permaneça.
Atrevo-me a dizer que a melhor a fé ou o mais alto grau de santificação que um cristão possa ter atingido na terra, tem ainda muito da fraqueza da criatura que o torna digno da ira eterna de Deus, e da qual é livrado somente por causa da graça de Jesus.
Como os cristãos pecam, portanto, em seus próprios atos de devoção, assim também ele peca no teor cotidiano de sua vida.
Pecados de omissão são conhecidos – quantos desses podem ser praticados em uma única hora? Oh, que multidão de coisas que deixamos de fazer! Lembre-se que estes compõem uma grande parte dos pecados que trazem a maldição. “Eu estava com sede e não me destes de beber, doente e na prisão e não me visitastes.” Não temos porventura pecados de comissão? Nossos pensamentos, nossas imaginações, nossas palavras, e devo dizer que as nossas ações – têm sido aquilo que deveriam ser? Se alguém se atreve a me dizer que ele vive por um único dia sem um ato pecaminoso, eu ousaria dizer que ele nunca conheceu a si mesmo.
Bata olhar para o seu próprio quarto. Se você andar nele, eu vejo pouca poeira flutuando no ar, mas se um raio de sol entra pela janela eu vejo milhares de pequenas partículas se movendo para cima e para baixo! E eu descubro que tudo o que deveria ser ar puro, está cheio de inumeráveis partículas de todos os tipos de coisas, e que eu estou respirando isso, mesmo na atmosfera mais pura.
Assim é com o nosso coração e vida. Quando o Espírito brilha em nós, vemos que a atmosfera da vida é tão cheia de pecado. Um homem pode contar mais cedo os cabelos de sua cabeça, ou as areias do mar, ou as gotas do orvalho da manhã sobre a grama, do que contar os pecados de um único dia.
Oh Senhor, Tu nos conhece, mas nós não conhecemos a nós mesmos. No entanto, isso é tudo que sabemos, que somos um povo cheio de pecados e carregado de iniquidade. Você vai me dizer que estes são pequenos pecados, mas devo lembrar que um grande número de grãos de areia podem sobrecarregar um navio tão certo como barras de ferro e, portanto, essas iniquidades diárias devem ser confessadas com cuidado e nos arrependermos delas com sinceridade. O cristão, então, a partir da imperfeição de sua natureza, peca.
Tudo age de acordo com sua natureza. A nova natureza que há em nós não pode pecar, porque é nascida de Deus. É tão celestial e divina que nunca se inclina a qualquer coisa pecaminosa. Há uma centelha do que é celestial e perfeito dentro de cada crente que nunca pode ser apagada. Mas o velho Adão, fez Paulo clamar – “Miserável homem que eu sou, quem me livrará do corpo desta morte?”
II. Agora apresento este segundo ponto cheio de conforto. NOSSOS PECADOS NÃO NOS PRIVAM DO NOSSO INTERESSE EM CRISTO. Observe o texto. “Se alguém pecar, temos um Advogado.” Sim, nós o temos se pecarmos. Ele não diz: “Se o homem peca, ele perde seu Advogado”, mas, “temos um Advogado.” Pecadores que somos, todos os pecados que um crente nunca praticou ou que possa vir a cometer, não pode destruir o seu interesse no Senhor Jesus Cristo. Em tudo o que ele possa ter sido tentado a cair, mas nenhuma dessas coisas pode, tocar seus títulos de propriedade. De fato, em alguns caracteres Jesus é somente meu, quando eu posso clamar o nome de pecador.
Eu não posso ter um Advogado a não ser que eu peque, caso contrário, eu não preciso de um. Quem quer um advogado para defender sua causa em um tribunal de justiça, se não houver uma ação contra ele? O pecado é uma acusação contra mim. Eu sou um pecador. Eu tenho um Advogado. Eu tenho hoje um irmão em nosso Senhor Jesus Cristo. “Vai dizer aos meus irmãos e irmãs”, disse ele. E ainda que todos lhe tivessem abandonado e, portanto, eram todos pecadores, mas Ele era o seu irmão ainda. Eu tenho um marido em Cristo também, embora eu peque. “Israel se esqueceu de mim”, diz Deus, “e se prostituiu. Ele foi se prostituir, mas volta, volta, pois eu estou casado convosco.” Ele é sua esposa ainda, veja você, ainda que tivesse adulterado.
O cristão, mesmo quando tem manchado e sujado a si mesmo, é ainda a esposa de Cristo. Somos membros de seu corpo, e se assim for, os membros não podem ser removidos – membros não são tão facilmente removidos. Cristo não lavou Pedro? Pedro era um membro do próprio Corpo de Cristo, e ainda Pedro queria ser lavado. Oh bendita imagem, a Cabeça lavando os pés. Portanto, neste dia, manchados que somos, reivindicamos a Cristo como Cabeça do nosso corpo.
E, amados, sabemos que, apesar de todos os nossos pecados, estamos perfeitamente justificados em Cristo, pois Ele justifica o ímpio. Sabemos, também, que estamos perfeitamente aceitos, pois somos aceitos no Amado, e não em nós mesmos.
Apesar de todas as nossas iniquidades somos perdoados, pois a fonte está aberta para o pecado e para toda a impureza, e não para a justiça e pureza, mas para o pecado e a impureza.
Portanto, podemos concluir que todos os nossos pecados não nos privam daquilo que Cristo é para nós, ou seja, a fonte da vida e da luz e da pureza e segurança. Oh, meus irmãos e minhas irmãs, se o nosso primeiro título a Cristo tivesse dependido de nossas boas obras, então ele cairia quando nossas obras ficassem ruins, mas Ele nos amou, quando éramos tão ruins quanto poderíamos ser – “Ele nos viu arruinados na Queda no pecado, e ainda nos amou apesar de tudo.”
Ele nos escolheu quando éramos pecadores. Ele nos comprou com o Seu sangue quando éramos pecadores. Ele nos amou, quando estávamos mortos em nossos delitos e pecados. E se somos tão ruins assim, hoje, Ele nos ama ainda.
Se o nosso direito ao Céu se baseasse no Pacto de Obras, que posse instável seria, e logo cairíamos. Mas, vendo que isto repousa sobre o Pacto da Graça, que não tem condições, mas que é de pura e Imutável Graça do início ao fim, portanto, seja conhecido de vocês, ó filhos de Deus, que, não obstante todos os seus defeitos e falhas, desvios e apostasias, Ele é nosso Deus, e somos Seus filhos. Ele será o seu Deus por toda a eternidade, e você será o seu filho numa condição sem fim.