Partes de um sermão de Charles Haddon Spurgeon, traduzidas e adaptadas pelo Pr Silvio Dutra.
“Ele restaura a minha alma.” (Salmo 23.3)
Este mais doce dos Salmos canta as muitas misericórdias que a alma feliz do crente recebe – e destaca todos aqueles benefícios que procedem de uma fonte, ou seja, do próprio Bom Pastor. “Nada me faltará”. Por que? Porque o Senhor é o meu Pastor. Eu descanso em deleitoso repouso em pastos verdejantes. Por que? Porque “Ele me faz descansar.” Eu marcho adiante em santo progresso junto das águas tranquilas. Por que? Porque “Ele me conduz.” Na perspectiva da morte eu permaneço calmo e livre do medo. Por que? Porque Ele está comigo, sua vara e o seu cajado me consolam.
A coroa é composta de coisas muito caras – ouro, pérolas e joias raras estão todos misturados em um diadema – e este diadema é, sem dúvida, colocado com alegria sobre a cabeça do Grande Pastor de Israel. O poeta laureado da Escritura canta supremamente neste Salmo, e cada linha é dedicada ao Amado de sua alma, no qual estavam todas as suas fontes refrigerantes.
O texto é cheio de lições e lembretes, e lembra-nos, em primeiro lugar da nossa verdadeira posição como crentes. Qual é a verdadeira posição de cada crente? Ela é a de uma ovelha que permanece próxima do seu Pastor. O texto sugere que a ovelha se extraviou e o Pastor a traz de volta, a fim de colocá-la na posição da qual nunca deveria ter saído. A condição mais forte para um crente estar é em comunhão com Cristo. Isto não deve ser um privilégio desfrutado ocasionalmente – deve ser a vida cotidiana da alma. Devemos permanecer em Jesus, andar com Ele e viver Nele.
Paulo disse: “Para mim o viver é Cristo”. Cristo é o nosso pão diário, a água da rocha, bem como o vinho. Para nós, o Seu nome é a palavra de ordem da terra bem como esperamos que seja o nosso passaporte para o céu. “Permanecei em Mim” é a Sua Palavra para nós, para todas as épocas, e devemos nos esforçar para cumpri-la.
Cristo não é apenas um porto de refúgio, mas uma porta para todos os tempos. Não pensem, amados, que estou criando um padrão muito elevado quando eu digo isso, pois se tivéssemos sido questionados sobre como devemos agir no futuro para o nosso Senhor, devemos fazê-lo num padrão muito alto.
Ele morreu por mim, carregando todos os meus pecados em Seu próprio corpo? Então eu vou ver a Sua morte como o mais grandioso milagre de amor! E meu coração grato deve ter comunhão com Ele através do amor e louvor. Será que Jesus realmente me perdoou? Estou limpo por ser lavado em Seu preciosíssimo sangue, totalmente limpo, e tornado um filho de Deus, e aceito no Amado? Oh, então, eu o louvarei, bendirei e viverei para Ele todos os meus dias!
O Senhor tem o prazer de nos chamar de membros do Seu corpo. Agora, cada membro do corpo deve estar em comunhão vital com a cabeça. Deve haver inevitável comunhão, embora nem sempre consciente, a comunhão no corpo espiritual deve ser apreciada conscientemente em todos os momentos. Deve tornar-se indiferente a mão em relação à cabeça, ou o pé ao cérebro? Se estamos em boas condições de saúde, tal divisão no corpo nunca ocorrerá. Podemos suspeitar de paralisia se a vida deixar de fluir por todo o corpo, e assim a comunhão estará suspensa. Está claro para todos que são ensinados por Deus que nossos relacionamentos certamente requerem de nós que permaneçamos no Senhor Jesus.
Quando fora da comunhão com Cristo, os nossos perigos são infinitos. Quando infiéis ao Seu amor somos facilmente seduzidos por todo tipo de tentação. Sem o seu amor em nossos corações, nos tornamos vítimas de outros amores que nos levam à idolatria, mergulham-nos em paixões dolorosas e envenenam as fontes de nossa alegria. Se não estivermos encantados com o amor vencedor de Jesus, seremos fascinados pelos enganos do mundo. Um dos dois mestres deve governar-nos, ou o príncipe do poder do ar, ou o Rei dos reis! Quando Cristo está conosco, estamos seguros, porque qual lobo pode arrebatar uma ovelha quando está perto da mão do Pastor? Quando estamos longe de Jesus, estamos não somente em perigo, mas já estamos despojados – perder a comunhão com Jesus é uma perda suficiente, por si só, mesmo que nenhuma outra calamidade ocorra.
Nada podemos fazer sem Jesus.
Sansão sem os seus cabelos é um tipo triste de um crente fora da comunhão. Como ousamos sair para o trabalho em qualquer dia, sem a presença do Senhor? Como pode o guerreiro ir para a batalha, sem escudo e broquel? Será que não devemos orar diariamente: “Se sua presença não vai comigo, não me leves para lá”? Como podemos ir para nossas camas sem que Ele nos tenha beijado com os beijos da Sua boca?
Os benefícios da comunhão com Cristo devem restringir-nos a permanecermos nEle. Se alguém quer crescer na graça. Se quer ser cheio do Espírito Santo. Se quer conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento. Especialmente se quer ser feito um com Ele em todas as coisas, que é a Cabeça, deve permanecer então em Cristo.
Nosso texto, em segundo lugar, nos lembra do nosso pecado frequente. “Ele restaura a minha alma” – Ele sempre faz isso. Ele está fazendo isso agora. Agora, o Senhor não faria o que é desnecessário e, portanto, isso me mostra que muitas vezes nos desviamos dEle, ou então eu não precisaria ser trazido de volta.
Devo confessar a minha incapacidade de compreender a vida cristã de muitos que são chamados cristãos. Não cabe a nós julgar sua verdadeira condição diante de Deus, nem vamos tentar fazê-lo, mas não podemos deixar de observar a incoerência de seus atos.
Eles creram em Cristo, esperamos. Esperamos, também, que a sua fé produza boas obras suficientes para provar a si mesmos que possuem uma fé viva. Mas a sua religião é fria, sem alegria, sem paixão. Há milhares de pessoas cuja religião cristã parece estar inteiramente em assistir aos cultos no domingo, e, ocasionalmente. Para eles, a oração é uma formalidade, o louvor é esquecido, a leitura da Bíblia é um trabalho penoso. Com eles, a acusação de que estão fora da comunhão com Jesus é substituída pela pergunta: “Será que eles estiveram alguma vez nela?”
Oh, queridos irmãos e irmãs, se vocês são, de fato, o Seu povo, que o Espírito Santo lhes salve da religião maçante em que vocês vivem e lhes traga para aquela condição em que vocês devem ver o seu Senhor, permanecendo nEle, e se gloriando nEle!
Cristo tem prazer em nos conhecer em termos de Graça. Ele deve ter a plenitude e nós nos esvaziarmos! Ele é o poderoso Ajudador e nós fracos pecadores. Ele é o Salvador e nós os perdidos. Enquanto dizemos que somos ricos, Ele sabe que mentimos e Ele nos deixa. Mas quando vemos que Ele tem o ouro e as vestes brancas, e o que a nossa nudez e miséria são, então, chegamos a bons termos em relação a Ele tanto quanto a nós.
A Ele deve ser atribuída toda a honra. Aqueles que Lhe honram, Ele honrará. A humildade fica aos pés de Jesus, pois este é o local escolhido da comunhão amorosa.
Podemos perder a presença de Cristo pelo esquecimento do dever, ou de Sua Verdade. Podemos, por outro lado, perdê-la por maus pensamentos e por ficarmos absorvidos em cuidados fugazes. Podemos perder a companhia de Cristo por ações inconsistentes ou por conversas ociosas. Se entristecermos o Senhor Ele nos fará sofrer. Um caminhar frio, sem amor, irreverente, em breve fará com que os raios do Sol da Justiça não repousem mais sobre nós. Bendito seja o nome do nosso Amado, pois Ele volta antes do tempo, e diz: “Por um breve momento te deixei, mas com grande misericórdia te recolherei.” Mas mesmo os pequenos momentos de sua ausência são todos muito tempo! Um pouco de sua ausência é doloroso para ser suportado por um verdadeiro espírito.
Mas deixo este ponto triste por algo mais consolador. O texto nos lembra, também, do amor fiel de nosso Senhor. “Ele restaura a minha alma.” Ele não faria isto se fosse mutável como nós somos. Há alguns que ensinam que Jesus deixa as Suas ovelhas perecerem. Como castigo por seus descaminhos Ele as dá para o lobo. Espero que muito poucos acreditem nesta doutrina – ela é muito desonrosa para o Bom Pastor.
O salmista coloca o texto no tempo presente, como se o Senhor tivesse o hábito de nos restaurar. Filho de Deus, tão numerosos quanto foram os seus pecados, tão numerosas foram as Suas restaurações!
A mãe não se esquece de amamentar o seu filho, embora este esteja muitas vezes rabugento e mal-humorado. Ela ainda tem compaixão do filho do seu ventre e o mesmo sucede em relação a Jesus. Estamos muito profundamente gravados nas palmas das Suas mãos para ser, finalmente, deixados para morrer. Nós temos Lhe custado muito caro para que Ele nos abandone. Depois de restaurar nossa alma cem vezes, ele ainda a restaurará. É a maneira dEle – é o hábito de Seu amor. O texto carinhosamente insinua que Ele está pronto para nos restaurar agora. Ele está em seu antigo trabalho novamente. Mesmo agora, “Ele restaura a minha alma.”
Como você está, querido irmão? Você tem ficado frio? Jesus está esperando para fazer seu coração arder dentro de ti. Você se sente meio morto espiritualmente? Seu Senhor e Mestre está ainda agora pronto para vivificá-lo através da Sua Palavra e para restaurar a alegria da sua salvação!