Muito se tem ouvido essa expressão. Pra variar, na maioria das vezes, em igrejas de orientação pentecostal. Por que isso acontece? Porque muitas vezes nessas igrejas as coisas saem do controle. As pessoas pulam, correm, gritam e aqui e ali dançam. Como estão descontroladas e quase sempre em transe, a explicação dos presentes é sempre a mesma: “pulou no espírito !”, “gritou no espírito !” e, é claro, “dançou no espírito !”.
O tema é controverso. Os fundamentalistas, que praticamente são contra tudo e todos, alegam que o templo não é lugar de dança. Que não há nenhuma orientação bíblica para se dançar, quer no templo, na sinagoga ou na própria igreja primitiva.
Os pentecostais mais tradicionais são preconceituosos em relação a coreografias, principalmente as mais modernas que envolvem ritmos contemporâneos, como rock e rap, por exemplo. Como sempre, extremismos podem ser perigosos. Convém analisar a Escritura.
Em primeiro lugar, ‘gregos e troianos’ dançaram nas Escrituras. Tantos bons quanto maus, em determinado momento, executaram seus movimentos ritmados. Assim como Miriã e as mulheres dançaram (Êxodo 15:20), o povo rebelado dançou aos pés do Sinai, em volta do bezerro de ouro (Êxodo 32:19).
Argumentar que não há orientação para se dançar na Casa de Deus é ambíguo. Onde está a orientação bíblica para que se tenha uma Escola Bíblica Dominical?
As igrejas mais tradicionais, fundamentalistas, deveriam então eliminar de suas práticas os jograis irritantes que fazem sempre no dia das mães e os teatros infantis que entretém as crianças para que não atrapalhem o culto domingo à noite. Nada disso era feito no templo, na sinagoga ou na igreja primitiva.
Ninguém dança no Espírito. Não há uma só passagem bíblica que traga essa expressão. No Espírito se dá frutos e se exercita dons. E dançar não tem nada a ver com isso.
As questões básicas aqui são: Dançar é pecado? Quando dançar? Onde fazê-lo? Respostas, à luz da Escritura.
Pais dançam com filhas em aniversários de quinze anos. Maridos dançam com esposas em festas de casamento. O povo de Israel celebra suas festas anuais há milênios com muita dança. Jesus participava de todas elas. A Bíblia não diz em nenhum momento que ele dançou. Mas também em nenhum momento diz o contrário. Se o tivesse feito, estaria cumprindo um costume seu e de seu povo, como sempre fazia (Lucas 4:16). Radicais podem se horrorizar com a simples hipótese do Cristo dançando junto com sua família na festa das primícias. E daí?
Logo, não. Dançar não é pecado. O que é pecado é lascívia e sensualidade, como demonstrou Herodias (Mateus 14:6). Aí nesse caso a culpa não é da dança, mas sim da forma como ela é utilizada. Uma faca pode servir para salvar a vida de uma pessoa, mas também pode tirar a vida de outra. Tem ela culpa do mau uso que é feito dela. Tem culpa Jesus de tantos terem matado em seu nome?
Quando dançar?
Não existe uma regra específica. Em todos os casos listados no Antigo Testamento, a dança está relacionada, para o bem ou para o mal, com momentos de alegria, celebração. O texto em Jeremias 31:13 ilustra bem essa realidade.
Dançar na presença de Deus, nesse caso, pode ser um termo mais adequado do que ‘dançar no Espírito’.
Nos alegramos na presença de Deus. Nos sentimos felizes com suas maravilhas. Não foi o que sentiram Miriã e Davi? Alegria? Júbilo?
Onde dançar?
Aqui é o problema principal. Dançar na igreja: sim ou não?
O que nós temos na Bíblia, em seqüência é: Tabernáculo, Templo de Salomão, Sinagoga. No fechamento do Apocalipse a igreja cristã ainda não havia sido contaminada com a cultura romana do mega templo e as igrejas de reuniam em casas.
No Tabernáculo era impossível dançar, pela sua estrutura, simbolismo e função.
No Templo de Salomão não há referências. E por que não há? Porque antes do Templo as festas já vigoraram e funcionavam fora dele. E como o Templo é o sucessor legal do tabernáculo, era normal que não abrigasse as celebrações.
E hoje, dentro da igreja?
A igreja cristã não é herdeira do Templo de Salomão, mas sim das igrejas nos lares que funcionaram do primeiro ao quarto século da Era Cristã, até serem cooptadas pelo Império Romano e se corromperem. Isso, no entanto, não impedia que os judeus convertidos celebrassem suas festividades anuais. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Paulo de Tarso, o maior combatente das práticas judaizantes (como, por exemplo, a circuncisão), não deixou de ir às festas (Atos 20:16 e I Coríntios 16:8). Jesus, como já citamos anteriormente frequentava as celebrações anuais de Israel.
Quando os fundamentalistas alegam que não se dançava no Templo nem na sinagoga, e usam esse argumento contra a dança, cometem um erro crasso. Essas organizações não são parâmetros pra a igreja cristã, mas sim as igrejas familiares amplamente citadas no Novo Testamento.
Lá se dançava? Lá se alegravam? Louvavam com alegria e Júbilo?
Quem pode provar que sim ou que não?
A igreja cristã é uma grande família e as pessoas têm direito de se alegrarem na presença de Deus. A dança, como qualquer outra coisa, pode ser subvertida. Usada de uma forma inadequada. Não é o que vemos todos os dias com o dom de línguas usado de forma equivocada nas igrejas? Ou com a exploração financeira absurda do rebanho do Senhor onde se manipula textos para proveito próprio?
No meio de tudo isso, fico com o Salmo 150:4 que diz “Louvai-o com o tamborim e a dança, louvai-o com instrumentos de cordas e com órgãos.”.
É uma ação nossa. Dançamos alegres pelas maravilhas de Deus. É algo racional, não descontrolado. Sabemos por que estamos dançando. Não usamos o Espírito como desculpa para o descontrole.
É possível, sim, com decência e ordem, cumprir o texto acima.
Neto Curvina
Comunidade Shalom Filadélfia