Éramos crianças no interior do Paraná. Não tínhamos televisão, rádio, computador, DVD , ou qualquer dessas modernidades. Morávamos numa casa simples em Ponta Grossa onde nasci. Pela manhã minha mãe cedia parte de suas panelas e talheres para brincarmos. Com a outra parte das panelas ela fazia o almoço. Disso saía uma grande e barulhenta banda marcial. Éramos na época quatro filhos: Débora, Asaph, Ener e eu. Anos 60. Brincávamos no pátio de chão batido de casa enquanto nossa mãe cozinhava. Alí cantávamos os hinos aprendidos nos cultos, entre eles o conhecido “Glória, glória ! Aleluia ! Era isso aí. Se quiséssemos música, tínhamos que fazê-la. E alí, ao som das panelas e tampas e das nossas vozes, surgiram os primeiros louvores dos nossos lábios.
Chegou a pré-adolescência. Eu estava com 12 anos, já em Porto Alegre, RS. Anos 70. Chegou uma grande oportunidade da nossa família cantar num grupo musical de verdade. Um côro misto a 4 vozes com regente e tudo. Minha mãe veio com a notícia para casa : poderíamos todos cantar no côro. Minha mãe , meu pai, todos os filhos. Todos os meus amigos estavam lá: Asaph, Rosana, Susie, Julie, Dóris, Elcira, todo mundo (meu marido fui conhecer mais tarde) . Eu queria muito estar lá também.
Mas minha mãe, já sofrida com o problema do alcoolismo do meu pai e drogas com meus irmãos mais velhos, determinou como seria. Determinou que eu ficaria em casa cuidando do meu irmão mais novo, o Abner, então com 3 para 4 anos. Ela amorosamente me explicou a situação. Precisava fazer algo para si para curar-se emocionalmente e não ficar doente. Algo que fosse terapêutico como cantar, por exemplo. A explicação foi algo parecido com o que os comissários de bordo dos aviões dizem: “Em caso de despressurização do avião, ao cairem as máscaras de oxigênio, coloque primeiro em você e somente depois coloque em seus filhos”. Entendi. Ela estava tratando da sua própria vida e saúde emocional e espiritual para poder ajudar os filhos. Fiquei tranquila em poder ajudá-la e receber a sua confiança para cuidar do meu irmãozinho. Ela , feliz com a minha resposta, me abençoou e disse que eu cantaria muito na vida e que teria muitas oportunidades.
Naquele ano inteiro todas as 4ªs. feiras em que fiquei em casa cuidando do meu irmão , ajudei a alfabetizá-lo, musicalizá-lo, ensinei-lhe sobre Cristo, cantei-lhe muitas canções e contei-lhe muitas histórias e estórias. Orei com ele e por ele. Dava banho, janta e o colocava para dormir.
Só no ano seguinte que tive outra oportunidade de cantar quando o renomado maestro gaúcho Leo Schneider abriu um côro em que ele regeria a própria obra. Aí foi minha primeira experiência coral : cantando soprano com 15 anos num côro sob a regência de Leo Schneider. Foi maravilhoso.
Mas depois de anos entendi que para Deus, comecei mesmo, um ano antes servindo de apoio para minha mãe poder ir. Bem verdade diz a Palavra de Deus : “Melhor é dar do que receber” e São Francisco de Assis : “É dando que se recebe”.
Penso que se tivesse um coração rebelde , rancoroso e desobediente, não teria a mesma sorte. Nem a bênção do Senhor.
Hoje olho para trás e vejo que aconteceu do jeitinho que a minha mãe disse: gravei 2 CDs solos, participei como solista de corais, como vocalista em mais de 120 CDs, muitos concertos solos , recitais com meus alunos e muitas outras atuações. Pois desde aquela época até hoje gosto muito de cantar.
O Senhor derramou Sua Graça sobre a minha vida juntamente com a Sua salvação e “colocou-me os pés sobre uma rocha e me firmou os passos. Me pôs nos lábios um novo cântico, um hino de louvor ao nosso Deus. Muitos verão essas coisas, temerão e confiarão no Senhor.” Sl. 40: 2,3.
Comecei como cantora não cantando, mas ficando em casa para que minha mãe pudesse ir.
Amo minha mãe, amei meu pai. Meu pai já está com o Senhor. Meus irmãos não usam mais drogas. A Débora se tornou especialista na língua espanhola. O Abner se tornou pai de uma linda família e nosso técnico do estúdio. O Asaph é o meu maior produtor e compositor. O Ener se tornou professor de astronomia e técnico em acústica de ambientes. Estamos todos bem perto uns dos outros.
Minha mãe? Ela está curada.
Carmélia Borba de Souza Tonin
Fonte: Adorando