Quando estudei a História do Cristianismo, tomei, naturalmente, conhecimento do movimento “Quaker”, também chamado Sociedade dos Amigos, fundado pelo inglês “George Fox” (1624-1691). Mas foi só anos depois da formação teológica que li as primeiras obras desse movimento, incluindo uma boa biografia do seu fundador, uma vida exemplar de cristão.
Conheci vários “quakers” e não hesito em pensar que este é o movimento (não se dão a designação de Igreja) mais próximo do espírito do Novo Testamento. Se eu não fosse presbiteriano e se vivesse num país onde houvesse um grupo “quaker” sê-lo-ia de bom grado. O que não faria era introduzir mais essa denominação em Portugal, onde já há denominações a mais.
Pacifismo mas não radical
Só num ponto estive em desacordo com os “quakers”: o seu pacifismo absoluto. Não se trata apenas de serem contra a guerra, mas de recusarem firmemente toda a resistência à violência e a existência de Forças Armadas e até da polícia armada. No Novo Testamento não há esse radicalismo. Se Jesus reconhece a César o direito de governar, se ao centurião romano convertido não é requerido pela Igreja Nascente que abandone a profissão militar e se São Paulo no tratado que se chama de Epístola aos Romanos diz, no capítulo 13, que se deve cooperar com aquele que “traz a espada”, poso admirar muito o pacifismo absoluto mas tenho de me dobrar à realidade – e defendo que a Escritura tem mais razão do que a bondosa vontade dos irmãos “quakers”.
Todavia, se o pacifismo absoluto não pode ser tomado à letra, é urgente perceber que os cristãos são obrigados a trabalhar com todo o empenho na criação da paz.
É no texto mais emblemático de todo o Novo Testamento, no Sermão da Montanha, que Jesus diz aos seus discípulos: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” Mateus 5,9.
Ser pacificador não é ser pacifista no sentido em que os cristãos que refiro acima defendem, embora esse erro “quaker” seja muitíssimo mais respeitável do que o erro das igrejas que têm abençoado guerras e simbolicamente apoiam a nomeação de capelães militares em guerras não defensivas. Ser pacifista também não é, muito menos, ser passivo, submeter-se cobardemente aos que se impõem pela força. Ser pacificador segundo Jesus Cristo é procurar que a paz com justiça reine entre os homens, que em todos os conflitos existentes entre os seres humanos a solução seja encontrada com argumentos de razão, no cumprimento de uma ética de respeito pela dignidade do ser humano, criado à imagem de Deus. Os autênticos cristãos são os que, na obediência a seu Mestre, se envolvem nos esforços para que haja paz entre os povos e entre os indivíduos.
Serão chamados filhos de Deus.
Um compromisso inadiável. Os que, estúpidos adoradores da ruína, julgam resolver problemas pela força das armas, estão a levantar o archote com que querem pegar fogo ao planeta. Por amor das nossas crianças, das crianças de todo o mundo, devemos repudiar essa visão assassina a atrasada, e devemos proclamar o primado da razão e da paz. Devemos retirar todo o apoio, mesmo que apenas moral, a qualquer causa, por mais nobre que pareça, que faça uso de armas contra civis e, especialmente, faça uso do terrorismo. É urgente que os homens e as mulheres de bem digam não aos falcões dos Estados Unidos e de Israel, mas também aos perturbadores da paz como Saddam Hussein, aos terroristas da Palestina, da Chechénia, da Irlanda do Norte ou do País Basco. Pessoalmente sou defensor da existência de um Estado Palestiniano ao lado do Estado de Israel, mas a acção terrorista palestiniana tem-me levado a repudiar essa acusa. Um homem honrado desonra-se quando não denuncia o fanatismo assassino. As causas nacionais, ideológicas ou religiosas, devem ser defendidas com discursos, com livros, com manifestações pacíficas, dando tempo ao tempo.
Os números das estatísticas das igrejas, quando dizem haver no mundo mais de 1500 milhões de cristãos – católicos, ortodoxos e protestantes – são um número muito elevado. Muitos serão apenas baptizados sem nenhuma ligação à fé. Mas se os milhões que participam regularmente dos serviços religiosos, dos que sinceramente querem ser fiéis à chamada recebida, que são ainda um número muito elevado, tomarem verdadeira consciência da palavra de Jesus que usamos como título deste texto e se, coerentemente, se fizerem representantes de Jesus Cristo nas acções a favor da paz, estou certo de que a paz será possível.