O sexto capítulo de Hebreus é introduzido com a partícula conclusiva dió, que no original grego significa, “por isso”, “em razão disso”, “desta maneira”, ou seja, ele iria passar a descrever verdades que se apoiavam em tudo quanto ele havia dito anteriormente.
Como a dizer: “Bem, já que Cristo é tudo o que acabamos de afirmar, sendo Ele próprio a razão, o princípio, o fundamento e tudo o mais que se refere ao cumprimento do propósito de Deus nos cristãos, então, o que podemos concluir é o seguinte:” Vocês não fizeram progresso rumo à maturidade espiritual em Cristo, de modo que estão até mesmo necessitando que os rudimentos da fé (doutrinas relacionadas nos versos 1 e 2) sejam de novo ensinados a vocês, mas não farei isto agora, mas em outra ocasião caso Deus permita.
Não é o caso de concentrarmos nossa atenção nos rudimentos da fé, neste momento, lhes convocando a um novo arrependimento para a conversão, para a regeneração, para impor-lhes as mãos para receberem os dons e o poder do Espírito Santo, lhes ministrar acerca do juízo vindouro e da ressurreição dos mortos, porque não é o caso, e não é isto o de que têm necessidade nesta hora, em razão da condição em que vocês se encontram.
Confiando na carne e se aperfeiçoando na carne, como poderão estar aptos a recepcionarem tudo aquilo que se refere à nova vida no Espírito Santo? Tudo quanto necessitam é despertarem primeiro para a necessidade de se voltarem mais uma vez para Cristo, e se unirem a Ele em espírito, não para nascerem de novo e serem purificados, porque isto já ocorreu no passado e vocês foram lavados pela Palavra que lhes foi pregada. Vocês precisam de crescimento espiritual. Precisam olhar mais uma vez para o Cristo crucificado, e se verem também crucificados com Ele, para viverem ressuscitados em novidade de vida.”
É por isso que na primeira parte deste sexto capítulo, o autor afirma a sua determinação de se aprofundar neste momento em tratar do assunto da apostasia deles, e não se ater aos rudimentos da fé que ele lhes havia ensinado, e que por ora, deixaria de lado por um tempo para poder se concentrar no tratamento que eles estavam necessitando. Este “deixemo-nos levar para o que é perfeito” do verso 1, se refere à vocação imposta por Deus a todos os cristãos de crescerem na graça e no conhecimento de Jesus Cristo, até a estatura de varão perfeito.
Não que eles chegarão ao estado de perfeição moral absoluta sem pecado enquanto estiverem neste mundo, mas que devem chegar à perfeição espiritual, à plenitude do desenvolvimento das suas faculdades, para poderem discernir tanto o bem quanto o mal, o que é possível somente para aqueles que chegaram à plenitude do seu amadurecimento espiritual, de maneira a estarem aptos a darem um correto e adequado testemunho da verdade, no poder do Espírito. Esta perfeição é atingida se aperfeiçoando a santidade no crescimento da graça e do conhecimento de Jesus Cristo.
Do mesmo modo que há uma perfeição a ser esperada no porvir que é total e absoluta, sem qualquer pecado, há também uma perfeição que é para ser buscada e atingida enquanto ainda estamos neste mundo e que se refere ao nosso amadurecimento espiritual pelo crescimento progressivo em santificação até atingir tal medida de perfeição que foi proposta por Deus aos cristãos, e conforme foi exigida ao próprio Abraão: “Anda na minha presença e sê perfeito.” (Gên. 17.1).
Na parte final do capítulo anterior, o autor afirma que tinha muitas coisas a dizer aos seus leitores, que eram difíceis de serem explicadas, não propriamente pela natureza da dificuldade delas, mas porque eles não haviam crescido espiritualmente, de modo a poderem entendê-las. Pelo tempo que eles tinham de cristãos, caso estivessem se aplicando à prática da Palavra, eles teriam suas faculdades exercitadas de modo a poderem discernir o significado da vida cristã (v. 14).
Seria necessário demonstrar àqueles cristãos judeus que o sacerdócio e sacrifício de Jesus configuravam o fundamento da salvação deles, mas havia uma grande dificuldade para entenderem que o sacerdócio e os sacrifícios arônicos passariam, conforme lhes diria o autor de Hebreus, porque o templo ainda devia estar de pé por ocasião da escrita da epístola, com todos os seus serviços ativados.
No entendimento deles, como poderia ser possível agradar a Deus sem oferecer os sacrifícios de animais que Ele mesmo havia ordenado em Sua Lei? Como deixar a guarda do dia de sábado, substituindo-o pelo domingo? Como deixar todas as demais prescrições cerimoniais da Lei de lado?
Parece que até antes da escrita desta epístola, os hebreus não haviam sido convencidos suficientemente que havia sido dado um fim absoluto a todas as instituições mosaicas, desde que a Nova Aliança entrou em vigor, apesar do fato de o templo ainda estar de pé e a quase totalidade dos judeus ter rejeitado a Cristo, permanecendo debaixo das tradições do judaísmo.
Os cristãos hebreus tinham muito do que se arrepender, porque estavam colocando a confiança deles, para a salvação de suas almas, em muitas coisas, até no próprio arrependimento em relação ao pecado, mas só que fora de Cristo. Eles não conseguiam ainda entender de que modo absoluto o perdão dos nossos pecados é dependente de Cristo e da obra que ele realizou em nosso favor como Sacrifício e Sacerdote.
A palavra de alerta em sequência a Hb 6.4-6, nos versos 7 e 8 é também muito interessante para descrever o estado em que se encontrava a quase totalidade dos destinatários da epístola. Eles eram qual terra que havia recebido e absorvido a chuva da graça de Deus sobre suas vidas, só que em vez de crescerem, e darem bons frutos, estavam produzindo espinhos e abrolhos.
É isto o que acontece quando o cristão para de se santificar.
Ele vai produzir as obras da carne em vez do fruto do Espírito. Os espinhos amargosos e venenosos das práticas do mundo. E esta não é uma condição para ser abençoada por Deus. Ao contrário é uma posição para ser sujeitado à sua correção e disciplina. A sequência imediata no verso 9, é muito elucidativa, como o “Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação,”, isto porque em sendo eles verdadeiros cristãos, certamente poderiam dar frutos para Deus em Jesus Cristo, conforme o Seu santo propósito determinado antes da fundação do mundo, porque fomos criados em Cristo Jesus para as boas obras que Deus preparou de antemão.
Os cristãos hebreus, num certo sentido, haviam apostatado da fé. Eles estavam virando as costas a Cristo e estavam renunciando à graça que lhes havia salvado por um retorno ao cerimonialismo da lei de Moisés, e às tradições desviadas da verdade, do judaísmo.
E no entanto, nós vemos o Espírito Santo estendendo a mão a eles, chamando-lhes a um renovado arrependimento, não para a justificação e regeneração, mas pelos seus pecados presentes, de modo a que pudessem retomar à carreira espiritual em que estavam inscritos.
Isto não é uma clara demonstração da possibilidade de reconciliação de cristãos desviados? A misericórdia de Deus nunca se apartará daqueles aos quais recebeu como filhos, por meio da fé em Cristo Jesus. Por isso o autor de Hebreus estava procurando incitá-los a despertar do sono espiritual, e a abrirem os seus olhos que se encontravam fechados pelas trevas do legalismo, a comprarem ouro espiritual refinado no Senhor para serem santificados e enriquecidos pela verdade da Sua Palavra revelada aos apóstolos.
É por isso que nós encontramos exortações ao longo de toda a epístola para que eles se apegassem à verdade que havia sido dada aos santos de uma vez por todas.
O doreas = dom, presente; epouraniou = celestial, de Hb 6.4, se refere ao Espírito Santo, porque Ele é o dom da Nova Aliança, prometido por Cristo aos cristãos. O autor de Hebreus afirma que seria impossível renovar para arrependimento aqueles que receberam o Espírito Santo como um dom e que se tornaram participantes dEle, e que caíram definitivamente, numa queda final, tal como Judas.
Eles já haviam estado sob a influência do Espírito Santo, mas não permitiram serem transformados por Ele em novas criaturas.
Não haviam entrado no descanso de Deus por causa da incredulidade, ou seja, porque não eram possuidores da fé que salva.
Como seria possível então renovar aquilo que nunca havia sido tornado novo e que permaneceu sendo como o vinho velho no odre velho? Como reavivar o que nunca foi avivado? Se quando aparentavam estar ligados a Cristo já se encontravam em perdição, como então poderiam ser salvos depois de terem profanado e calcado sob os seus pés o sangue da aliança? O verbo renovar usado em Hebreus 6.6, é oriundo da palavra composta grega, anakaínos, onde aná, é a preposição outra vez, e kainós, o adjetivo novo. Significando literalmente “tornar novo outra vez”.
Vale lembrar que tal adjetivo kainós é usado em várias passagens do Novo Testamento, inclusive no uso que nosso Senhor fez da mesma no evangelho quando se referiu a vinho novo e odres novos. E o substantivo arrependimento na mesma passagem, é oriundo da palavra grega metanóia, a qual é sempre usada no Novo Testamento para arrependimento, e que significa literalmente transformação de mente. Assim, não há aqui uma referência a perda de salvação, mas a indicação de uma impossibilidade de tornar novo outra vez para uma transformação de mente. Ou seja, a de regenerar, de produzir o novo nascimento do Espírito, ou seja, de que alguém se converta de fato a Deus. E quem são estes dos quais se diz que seria impossível que se convertessem a Deus? São os que são designados pelo verbo grego parapípto, que significa os que se afastaram, que apostataram.
É dito que eles, ao caírem, ou seja, ao apostatarem, estavam crucificando mais uma vez o Senhor e o expondo à ignomínia, ou seja, eles já o haviam feito anteriormente com a falsa profissão de fé deles, e agora, com a sua apostasia consumada. Ao dizer que eles estavam crucificando o Senhor mais uma vez para si mesmos, o sentido aqui é o de que como se afirmassem que de nada serviu para eles o ter nosso Senhor ter morrido na cruz, e estariam como que exigindo dEle um novo sacrifício.
Paulo falou relativamente aos cristãos gálatas, de um decaimento da graça por estarem confiando na Lei para serem justificados. Mas de modo nenhum, se tratava de uma queda para uma perdição final. Eles seriam restaurados à comunhão com o Senhor pela Palavra de exortação que lhes fora dirigida pelo apóstolo a permanecerem na fé e na graça.
Se fosse possível um genuíno eleito justificado e regenerado cair definitivamente da graça, perdendo a condição de filho de Deus, que havia recebido anteriormente, então não seria realmente possível trazê-lo de novo a esta condição porque isto demandaria uma nova justificação e regeneração, e estes são atos únicos que ocorrem uma só vez e para sempre na vida daqueles que alcançaram a salvação.
Quanto aos apóstatas, nada foi dito pelo autor de Hebreus quanto a terem nascido de novo, não da vontade do homem nem da carne, senão o que se lê nos versos 7 e 8 que eles são como um tipo de solo que absorve a chuva frequentemente, não para produzir erva útil, mas para produzir espinhos e abrolhos, e por isso é rejeitado e perto está da maldição, e o seu fim é o de ser queimado.
Como tais palavras poderiam ser aplicadas a verdadeiros cristãos?
É por isso que o autor de Hebreus prossegue o seu discurso fazendo uma distinção clara entre estes apóstatas e os verdadeiros cristãos, dos quais somente se pode esperar as coisas melhores relativas à salvação. Deus fez uma aliança eterna com os cristãos, e prometeu isto desde os dias dos profetas, e o prometeu especialmente a Davi. Sendo eterna não pode ser anulada. E como aliança em seu caráter matrimonial onde Ele é o esposo, e a igreja a noiva, o que se requer então dos aliançados é que eles sejam fiéis.
Deus sempre será fiel porque não pode se negar a si mesmo.
Todavia, os cristãos, por causa do resquício de corrupções que remanescem na natureza terrena, são exortados a serem fiéis em tudo durante a sua peregrinação terrena, porque, tal casamento, do Criador com a criatura, requer isto. Deus continuará amando seus filhos adúlteros, mas os sujeitará à disciplina da aliança. Ele não os repudiará porque tem prometido manter o compromisso por toda a eternidade. Diante de tal caráter imutável da promessa que Ele fez, não resta aos aliançados senão a alternativa de serem também fiéis, de modo que se viva de modo agradável Àquele com os quais se aliançaram numa união de amor indissolúvel e eterno.
O que o autor de Hebreus desejava de fato expor àqueles cristãos que estavam abandonando o seu primeiro amor é o que lemos nos versos 11 e 12: “11 Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando, até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza da esperança; para que não vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas.”.
Ele marcou portanto, a necessidade de diligência em santificação para o crescimento na graça e no conhecimento de Jesus, porque esta é a única maneira de se ter a plena certeza da esperança da salvação.
Veja: a certeza da salvação, e não a salvação propriamente dita. E tal diligência não tem em vista somente a certeza da salvação, mas também e principalmente conduzir a um modo de vida digno da vocação a que o cristão foi chamado por Deus, que é pela fé e longanimidade. Por conseguinte, ele reforçou estes argumentos detalhando em qual base segura se alicerça a salvação dos cristãos, nos versos 13 a 20. A esperança da nossa salvação é referida pelo autor de Hebreus como sendo uma âncora da nossa alma, que a manterá segura e firme por toda a eternidade, porque esta âncora está firmada no Santo dos Santos, além do véu, onde Jesus entrou, e nos mantém ancorados como o grande sumo sacerdote da nossa fé, de maneira que não podemos ser movidos da nossa união com Ele.
A nossa salvação não é baseada num pacto ou aliança da Lei ou obras, mas num pacto, ou seja, numa aliança de pura graça, do Espírito Santo. É bom lembrarmos sempre que neste sexto capítulo de Hebreus é afirmada a imutabilidade da promessa da salvação, que Deus fez a Abraão quando lhe preanunciou o evangelho, dizendo que no seu descendente que é Cristo seriam abençoadas todas as nações da terra, e para confirmar tal imutabilidade do Seu propósito de salvar com segurança eterna os aliançados com Cristo pela fé, o fez jurando por Si mesmo.
Reparem que ele quase se retrata no verso 9: “ainda que falamos desta maneira”, isto é, falando de uma ameaça de inferno para quem cai definitivamente da graça. Mas para reparar qualquer mal entendido da parte dos seus destinatários, pensando que poderia estar se dirigindo a autênticos filhos de Deus, disse no mesmo verso que estava persuadido em relação a eles das coisas que são melhores e pertencentes à salvação.
Ele disse que estava persuadido quanto à segurança da salvação deles. Ele sabia que eles eram filhos de Deus, e que portanto, a condição de apostasia final a que havia se referido não era aplicável a eles. E acrescentou um argumento para esta sua persuasão: eles haviam dado mostras anteriormente da genuinidade da sua fé através das boas obras, e Deus estava amarrado ao compromisso de dar-lhes a recompensa prometida ao fruto da fé deles, e certamente, isto não poderia ser feito de modo algum no inferno. Israel, apesar de ser o povo da aliança com Deus no Velho Testamento, tinha um grande contingente de apóstatas.
Eles haviam desperdiçado toda a disponibilidade da graça de Deus que caía sobre eles como a chuva que cai do céu. Os israelitas negligenciaram a fé, o amor e a misericórdia, e como poderiam dar os frutos esperados por Deus? A palavra de Deus e o derramar do Espírito Santo são comparados à chuva que desce do céu para amolecer e fertilizar os corações dos homens. O que se pode esperar que seja feito por Deus ao solo do coração que recebendo continuamente esta chuva, nunca chega a produzir bons frutos? O coração deve ser preparado para a recepção da graça do evangelho.
Um coração endurecido não permitirá ser penetrado por esta doutrina celestial que é apropriada para corações de carne, e não para corações de pedra. Porque na promessa da Nova Aliança Deus disse que trocaria o coração de pedra por um novo coração de carne.
Daí a importância do arrependimento, do quebrantamento, da humilhação perante Deus, para que Ele opere no nosso novo coração recebido dEle pela fé em Cristo.
De nos apresentarmos diante dele como aquilo que somos de fato, a saber, pobres de espírito, e inteiramente necessitados da Sua graça, e reconhecermos que somos pecadores necessitados do Seu perdão, e assim, vazios de nós mesmos, a chuva celestial poderá encharcar a nossa terra e torná-la apta a gerar e a sustentar o crescimento de todas as plantas espirituais relativas à graça de Deus.
Os israelitas estiveram debaixo da boa doutrina, Deus lhes deu a lei por meio de Moisés, e lhes enviou a Sua Palavra pelos profetas. A chuva que caiu sobre eles era boa chuva. Não era chuva sulfúrica. Mas o solo infértil dos seus corações endurecidos não fez um bom uso daquela chuva que Deus enviou sobre eles.
Na consideração da terra que seria amaldiçoada e queimada e rejeitada, como citado em Hb 6.8, deve-se também ter em conta que é dito que continuamente ela recebeu a chuva que Deus enviou sobre ela, e no entanto não permitiu que aquela chuva a tornasse útil para os propósitos do Senhor.
Nós vemos aqui esta longanimidade e graça divinas, sendo aplicadas antes do juízo de destruição. É isto o que acontece na prática em relação às pessoas que não permitem o trabalho da graça em seus corações endurecidos. Elas poderiam permitir serem penetradas pela graça, tal como a água da chuva que penetra nos solos permeáveis, mas, no entanto, não permitem este trabalho, e permanecem no endurecimento que por fim ocasionará a destruição delas.
A prova disto está no fato de Deus afirmar que não tem prazer na morte do ímpio, antes que ele se converta e viva. O que é reafirmado pelo apóstolo Paulo quando diz em I Tim 2.4 que Deus “quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.”.
Os dias do evangelho, a dispensação da graça, são o tempo do reino da paciência ou perseverança (hipomoné) em Jesus Cristo.
Porque este momento não é apenas o tempo do reinado do Senhor como também o tempo da paciência dEle. Deus está sendo paciente e longânime para com todos os pecadores na presente dispensação da graça, e os Seus filhos devem seguir os Seus passos.
Abraão é fixado como exemplo e marco da fé. E por isso é citado neste sexto capitulo. Quantas vezes o povo de Deus fracassou no Antigo Testamento, e quantas vezes a igreja parecia definhar no mundo ao longo da sua história de dois milênios, entretanto ela prosseguirá adiante porque as portas do inferno não poderão prevalecer contra ela, porque Deus fez promessas relativas aos cristãos desde Abraão, e elas serão cabalmente cumpridas, a par de toda forma de oposição e dificuldades, e isto deve servir para animar a fé dos cristãos a perseverarem e nunca desfalecerem.
Nenhuma promessa de Deus falhará, e não deixará de ter o devido efeito. E para mostrar a imutabilidade da promessa e de que não a revogaria de modo algum, e isto se aplica especialmente à adoção dos eleitos como Seus filhos, pois prometeu a Abraão que no Seu descendente que é Cristo, seriam benditas todas as nações da terra, isto é, todos estes que estão em Cristo são abençoados, porque são resgatados da maldição para serem adotados na família de Deus como Seus filhos, e a promessa foi feita com a interposição de um juramento divino, tendo Deus jurado por Si mesmo, mostrando que jurou no grau mais elevado que existe, porque não há nada mais elevado do que Ele próprio.
Então o sentido aqui é que Ele deixaria de ser Deus (caso isto fosse possível) se deixasse de cumprir o que prometeu a Abraão em relação à descendência que formaria a partir dele, tanto a natural (a nação israelita contada na descendência de Jacó, neto de Abraão) quanto a espiritual (os eleitos que são justificados e regenerados por causa da fé em Cristo) (Gên 22.15-18). E se Deus fez a promessa isto não é para ser discutido, mas recebido pela fé. Se entre os homens o juramento põe fim à discussão sobre qualquer demanda, muito mais temos razão para entender que o juramento que Deus fez quando fez a promessa a Abraão, põe um ponto final logo de início em toda a discussão possível se a salvação é pela graça ou pelas obras, porque se é pela promessa, é evidente que é por pura graça.
E também que é segura, porque Deus jurou que a daria aos que estivessem ligados pela fé a Cristo. O próprio Deus então é quem assegura esta salvação e não os nossos méritos e capacidade. Foi exatamente para mostrar aos herdeiros da promessa da salvação (os cristãos) de que eles seriam realmente salvos em Cristo, e que deveriam descansar quanto a esta verdade, Deus, para mostrar a imutabilidade deste Seu propósito se interpôs com um juramento.
Se Deus jurou fazer é porque Ele de fato não voltará atrás no propósito sobre o qual jurou, em nenhum tempo. Então não serão as perplexidades, as fraquezas, as tristezas, os sofrimentos e tudo o mais que os cristãos possam sofrer em sua caminhada terrena, que poderá lhes tirar esta salvação que foi prometida por juramento e que eles alcançaram pela fé em Jesus.
A imutabilidade deste propósito divino foi evidenciada por duas coisas imutáveis, a saber: a promessa (primeira coisa) e o juramento que Ele fez (segunda coisa). A promessa já seria suficiente, mas foi reforçada com um juramento para que não houvesse nenhuma dúvida quanto à segurança de recebermos e mantermos para sempre aquilo que Deus nos prometeu, a saber, sermos herdeiros juntamente com Cristo.
O autor de Hebreus afirma que na condição de eleitos, que já haviam corrido para o refúgio que nos livra da condenação vindoura, que é Cristo, tenhamos um forte alento (consolo) em face de todas as perseguições e oposições que possamos sofrer neste mundo, ou em face de todas as nossas próprias fraquezas, porque é impossível que Deus minta quanto ao que prometeu e nem quanto ao que jurou.
Deus nos propôs esta salvação por pura graça, por promessa, e pela fé os cristãos lançaram mão dela, isto é, se apropriaram da promessa e da graça que lhes foi oferecida em Cristo pela esperança de serem santos assim como Ele é santo, e de serem co-herdeiros com Ele no céu.
E a natureza desta firmeza é comparada a uma âncora, que nos segura firmemente. E a segurança e firmeza não são propriamente nossas, nem da nossa fé, mas desta âncora que é a promessa e o juramento feito por Deus. É nisto que somos ancorados. É isto que nos garante o céu, porque esta promessa e juramento penetraram o véu não propriamente por nossos esforços, mas juntamente com Cristo, que é o Sumo Sacerdote da nossa fé que entrou no Santo dos Santos para fazer uma eterna propiciação pelos nossos pecados com o Seu próprio sangue.
Então a promessa e o juramento estão ancorados no sacerdócio e no sacrifício de Jesus e não em nós mesmos, de maneira que não vacilemos ou duvidemos do seu cumprimento, porque não estão firmadas em nós que estamos rodeados de muitas fraquezas, mas no próprio Cristo que não tem qualquer fraqueza, antes é Todo Poderoso. E os cristãos podem também penetrar além do véu porque Jesus, o precursor deles está lá intercedendo por eles. E quanto à certeza da esperança da salvação é dito no verso 19 (“a qual” = esperança proposta) que ela é como uma âncora firme e segura da alma, porque entra até o interior do véu, onde Jesus penetrou como precursor.
A esperança proposta referida pelo autor de Hebreus nada tem a ver com a noção comum de esperança que está relacionada a algo duvidoso, incerto, que flutua na expectativa do que será ou não o futuro, pois a esperança referida no texto conforme se verifica no contexto da epístola, tem a ver com confiança e não com incerteza. Embora possam ser incluídas tais expectativas de todos os tipos na noção geral de esperança, contudo elas são totalmente excluídas da natureza daquela graça da esperança que é recomendada a nós na Bíblia. Porque uma confiança firme em Deus para o desfrutar das coisas boas contidas nas Suas promessas, à época designada, eleva na alma um desejo sincero por elas e pela expectativa delas, com uma grande alegria por saber que são coisas prometidas, mas que são certas e seguras porque têm sido garantidas e prometidas não pelo homem, mas pelo próprio Deus, e com a confirmação de um juramento dEle.
A esperança é uma das graças da fé evangélica, que é infundida em nossos corações pelo Espírito Santo, e esta graça é tanto maior quanto mais crescemos na perseverança e na experiência da bondade de Deus para conosco em Cristo Jesus, como se vê em Romanos 5.4,5. É dito que esta esperança é âncora da alma porque isto insinua que nossas almas estarão muitas vezes expostas às tempestades, e tensão de perigos espirituais, perseguições, aflições, tentações, temores, pecados e morte, que batem frequentemente nelas, e então necessitamos de uma âncora que nos mantenha firmes em nossa posição a par de todas estas tempestades que sobrevêm sobre nós.
Por causa da violência destas tempestades há graus nelas que são mais urgentes do que outros, e assim elas tendem na própria natureza delas a trazer ruína e destruição.
E é esta âncora o segredo da segurança das almas dos cristãos. E se é esta âncora que nos segura firmemente, e se esta âncora não somos propriamente nós mesmos, devemos abandonar por completo a ideia de que somos os próprios agentes da firmeza e segurança da nossa salvação, senão a promessa de Deus que se cumpre em Cristo Jesus. Esta âncora não está fixada no fundo do mar, mas no céu, onde Jesus penetrou como precursor. Ela penetrou além do véu, e o que é este véu? É o que fazia separação entre o Lugar Santo e o Santo dos Santos. E o que estava além do véu era o Santo dos Santos no qual somente era admitida a presença do sumo sacerdote para fazer expiação por toda a nação de Israel, uma vez por ano.
Então isto indicava que este trabalho de expiação, não por mais um ano, mas por toda a eternidade deveria ser feito por um Sumo Sacerdote celestial, porque o trabalho dEle seria feito não no tabernáculo terreno, mas no celestial. E como se diz que Jesus foi feito sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque (v. 20), então isto pressupõe que a nossa salvação é também eterna, assim como o sacerdócio dEle é eterno. É portanto uma salvação para durar para sempre, e quando isto começa a acontecer? No momento mesmo em que somos justificados e regenerados pela fé em Jesus no dia da nossa conversão, porque se diz que passamos desde então a ter uma firme e segura esperança, porque ela está ancorada no céu na pessoa do Sumo Sacerdote que garante a eternidade da nossa salvação. E o que está dentro deste véu? Não uma arca com tábuas de pedra, nem querubins entalhados em madeira e ouro, mas o próprio Deus em Seu trono de graça e o Senhor Jesus Cristo à Sua destra em Seu trono, como Sumo Sacerdote da igreja. É aqui que reside a segurança da esperança da alma que é firme em todas as tempestades que possam nos sobrevir.
A esperança dos cristãos não está firmada nas coisas abaláveis da Antiga Aliança e que se encontravam no tabernáculo terreno, e que sendo apenas figura das coisas celestiais estavam prestes a desaparecer, como de fato desapareceram. Todas aquelas coisas desapareceram porque agora podemos nos aproximar diretamente do Pai e do Filho no tabernáculo celestial, sem a necessidade de cumprir as prescrições de uma ordem de culto terreno que havia na Antiga Aliança. E se Cristo não tivesse penetrado o céu depois de ter morrido e ressuscitado por nós, não haveria nenhum trono de graça e misericórdia no céu, porque isto não poderia ser dado aos pecadores sem uma obra de expiação do pecado.
O nome Jesus significa Salvador porque Ele foi dado para salvar o Seu povo dos pecados deles. E Jesus salva os eleitos do poder do pecado, de Satanás, da morte e da condenação da lei. Como Jesus entrou no céu como nosso precursor, então é nosso dever seguir os Seus passos quanto ao modo como Ele lá entrou, pois, no seu caso, esta entrada foi antecedida pela santidade e pela cruz, e estas duas partes essenciais do modo com que nosso precursor entrou na glória também se aplicam a nós.