Sempre há o perigo de apertar a Bíblia dentro de um molde de nosso interesse, ao invés de deixar que a Bíblia nos molde. E dificilmente há mais diversidade do que no canon protestante – diversos gêneros, localizações históricas, autores, níveis literários e eras de história.
Mas enquanto a Bíblia não é uniforme, ela é unificada. Os muitos livros da Bíblia não são como muitas moedas em um jarro. As moedas do jarro parecem as mesmas, mas são independentes; os livros da Bíblia (como os órgãos de um corpo) são diferentes, mas estão interligados. Como as últimas duas gerações de teologia bíblica mostraram por várias vezes, certas idéias estão presentes na Escritura do início ao fim, ligando a coisa toda em um tecido coerente – reino, templo, povo de Deus, criação/ nova criação, entre outros.
Ainda assim, por baixo e por dentro de todos esses, a meu ver, está a idéia da graça de Deus, seu favor e amor pelos que não merecem. Não é possível reconhecer a graça de Deus em todos os livros da Bíblia?
Gênesis mostra a graça de Deus para com um mundo universalmente perverso, quando ele entra em um relacionamento com uma linhagem familiar pecadora (de Abraão) e promente abençoar o mundo através dele.
Êxodo mostra a graça de Deus para com seu povo escravizado, quando ele os tira do cativeiro Egípcio.
Levítico mostra a graça de Deus ao criar para o seu povo um sistema sacrificial de propiciação dos pecados.
Números mostra a graça de Deus ao sustentar seu povo murmurador no deserto e ao levá-los à fronteira da terra prometida, não por eles, mas apesar deles.
Deuteronômio mostra a Graça de Deus ao dar para o povo a nova terra “não por causa de sua justiça ou de sua retidão” (Dt 9.5)
Josué mostra a graça de Deus ao dar a Israel vitória após vitória em sua conquista da terra, sem números superiores ou obediência da parte do povo.
Juízes mostra a graça de Deus ao tomar israelitas pecadores e fracos para serem líderes e usá-los para limpar a terra, vez após vez, da idolatria e dos ataques de outros povos.
Rute mostra a graça de Deus ao incorporar uma mulher pobre, desolada e estrangeira à linhagem de Cristo.
1 e 2 Samuel mostram a graça de Deus ao estabelecer o trono (‘para sempre’ – 2 Sm 7.13) de um assassino adúltero.
1 e 2 Reis mostram a graça de Deus ao, repetidas vezes, adiar a execução da justiça e o julgamento dos pecados do rei ‘por causa’ de Davi (e lembre-se: pela pressuposição tradicional hermenêutica da solidariedade comunitária, pela qual um representa o todo e o todo representa um, o rei representava o povo; o povo estava no rei; o que acontecia ao rei, acontecia ao povo).
1 e 2 Crônicas mostram a graça de Deus ao possibilitar continuamente o retorno dos exilados das promessas de Davi e seus filhos.
Esdras mostra a graça de Deus para com Israel ao trabalhar por meio do governante pagão mais poderoso daquele tempo (Ciro) para trazer seu povo de volta para casa para reconstruir o templo.
Neemias mostra a graça de Deus ao sustentar a reconstrução os muros da cidade que representava o centro das promessas de Deus para o povo.
Ester mostra a graça de Deus ao proteger o povo de um plano Persa de exterminá-los através de uma série de acontecimentos ‘fortuitos’.
Jó mostra a graça de Deus ao atender ao clamor do sofredor de que seu redentor vive (19.25), aquele que restabelecerá toda ordem nessa vida ou na próxima.
Salmos mostra a graça de Deus ao nos lembrar e ao nos levar a expressar o hesed (o prometido amor eterno) que Deus tem por seu povo e o refúgio que ele é para eles.
Provérbios mostra a graça de Deus ao abrir para nós um mundo de sabedoria ao levar uma vida de alegre piedade.
Eclesiastes mostra a graça de Deus em seu lembrete terreno de que as boas coisas da vida nunca devem ser buscadas como as coisas mais importantes da vida, e é Deus, por sua misericórdia, que abençoa os pecadores (veja 7.20 e 8.11).
Cânticos de Salomão mostram a graça e o amor de Deus por sua noiva ao nos mostrar um eco disso nos prazeres da sexualidade humana fiel.
Isaías mostra a graça de Deus ao nos reafirmar sua presença e a restauração dos pecadores contritos.
Jeremias mostra a graça de Deus ao prometer uma nova e melhor aliança, uma em que o conhecimento de Deus pode ser universalmente internalizado.
Lamentações mostra a graça de Deus em sua infalível fidelidade em meio à tristeza.
Ezequiel mostra a graça de Deus na cirurgia cardíaca divina, que de forma purificadora, substitui corações de pedra por corações de carne.
Daniel mostra a graça de Deus nas repetidas preservações milagrosas de seus servos.
Oséias mostra a graça de Deus na descrição real do amor infinito de Deus por sua esposa adúltera.
Joel mostra a graça de Deus ao prometer o derramamento do Espírito sobre toda carne.
Amós mostra a graça de Deus na promessa do Senhor de restauração, apesar da persistente corrupção.
Obadias mostra a graça de Deus ao prometer o julgamento de Edom, opressor de Israel, e a restauração de Israel à terra prometida, apesar do cativeiro Babilônico corrente.
Jonas mostra a graça de Deus para com a imoral Nínive e o moral Jonas, os pagãos sem religião e o religioso profeta, ambos necessitados da, e agraciados com, graça de Deus.
Miquéias mostra a graça de Deus no repetido espanto do profeta face à estranha insistência de Deus que ‘que perdoas o pecado e esqueces a transgressão’ (7.18).
Naum mostra a graça de Deus ao afirmar a Israel as boas novas e a paz, prometendo que os Assírios haviam tormentado-os pela última vez.
Habacuque mostra a graça de Deus, que não requer nada além da fé em meio à insustentável oposição, nos libertando para nos regozijar em Deus mesmo na desolação.
Sofonias mostra a graça de Deus na canção exultante de Deus pelo seu povo endurecido, mas amado.
Ageu mostra a graça de Deus ao prometer ao seu povo rebelde que a gloriosa presença de Deus que viria será muito maior que a glória atual.
Zacarias mostra a graça de Deus no apelo divino para abrir uma fonte para que o povo de Deus seja purificado do pecado e da impureza (veja 13.1).
Malaquias mostra a graça de Deus ao declarar o amor incondicional do Senhor pelo seu povo.
Mateus mostra a graça de Deus ao cumprir as promessas do Antigos Testamento da vinda do rei (5.17)
Marcos mostra a graça de Deus enquanto esse rei que vem sofre o destino de um criminoso comum para resgatar pecadores (10.45).
Lucas mostra que a graça de Deus se estende a todos aqueles que não se espera: prostitutas, os pobres, coletores de impostos, pecadores, Gentios (19.10).
João mostra a graça de Deus ao se tornar um de nós, em carne e osso (1.14), e ao morrer e ressuscitar para que, ao acreditarmos, possamos ter a vida em seu nome (20.31).
Atos mostra a graça de Deus fluindo para todo o mundo – começando em Jerusalém, indo até Roma; começando com Pedro, o apóstolo dos Judeus, e indo até Paulo, o apóstolo dos Gentios (1.8).
Romanos mostra a graça de Deus em Cristo para os ímpios (4.5), enquanto ainda eram pecadores (5.8), que é tanto para Judeus como para Gentios.
1 Coríntios mostra a graça de Deus ao favorecer o que é loucura e fraqueza par ao mundo (1.27)
2 Coríntios mostra a graça de Deus ao fortalecer com seu poder a fraqueza, não a força (12.9)
Gálatas mostra a graça de Deus ao justificar tanto os Judeus como os gentios pela fé em Cristo, ao invés da performance egoísta (2.16).
Efésios mostra a graça de Deus na resolução divina de nos unir ao Seu Filho antes da fundação do mundo (1.4).
Filipenses mostra a graça de Deus na morte humilhante de Cristo em um instrumento de tortura – por nós (2.8).
Colossenses mostra a graça de Deus ao pregar na cruz a lista de nossos débitos, que constavam contra nós (2.14)
1 Tessalonicenses mostra a graça de Deus ao prover a garantia esperançosa de que Cristo retornará (4.13).
2 Tessalonicenses mostra a graça de Deus ao nos escolher antes dos tempos, para que possamos enfrentar o maior inimigo de Cristo (2.13).
1 Timóteo mostra a graça de Deus na misericórdia radical demonstrada ao ‘pior dos pecadores’ (1.15).
2 Timóteo mostra a graça de Deus que começa (1.9) e que abastece (2.1) a vida cristã.
Tito mostra a graça de Deus ao nos salvar por sua própria misericórdia, quando estávamos mais firmados em nossas paixões pecaminosas (3.5).
Filemon mostra a graça de Deus ao transcender as estruturas hierárquicas sociais com o laço profundo da irmandade Cristã obtida em Cristo (v. 16).
Hebreus mostra a graça de Deus ao nos dar Seu Filho tanto para ser o sacrifício propiciatório de nossos pecados como para ser nosso sumo sacerdote, que intercede por nós para sempre (9.12).
Tiago mostra a graça de Deus ao dar àqueles que nasceram de novo ‘por Sua decisão’ (1.18) ‘sabedoria que vem do alto’ para uma vida piedosa significativa (3.17).
1 Pedro mostra a graça de Deus ao nos assegurar uma herança eterna, idenpendente do que soframos nessa vida (1.4).
2 Pedro mostra a graça de Deus ao garantir a inevitabilidade de que um dia tudo será consertado, quando o mal que se disfarça de bem será desmascarado, no dia da vinda do Senhor (3.10).
1 João mostra a graça de Deus ao nos adotar como seus filhos (3.1).
2 e 3 João mostra a graça de Deus ao lembrar indivíduos específicos ‘da verdade que permanece em nós e estará conosco para sempre.’ (2 João 2).
Judas mostra a graça de Deus em Cristo, que nos apresenta limpos perante Deus, em um mundo afundado no caos moral (v. 24).
Apocalipse mostra a graça de Deus ao preservar seu povo através de sofrimentos cataclísmicos, uma preservação baseada no sangue derramado do cordeiro (12.11).
Traduzido por Filipe Schulz | iPródigo.com