“E, se tua mão te faz tropeçar, corta-a; pois é melhor entrares maneta na vida do que, tendo as duas mãos, ires para o inferno, para o fogo inextinguível onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga.
E, se teu pé te faz tropeçar, corta-o; é melhor entrares na vida aleijado do que, tendo os dois pés, seres lançado no inferno onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga.
E, se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o; é melhor entrares no reino de Deus com um só dos teus olhos do que, tendo os dois seres lançado no inferno, onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga.” (Marcos 9.43-48)
Se opor e perseguir o povo de Deus é fazer-se inimigo de Deus, e nem podemos lançar uma pedra de tropeço em seu caminho sem agravar a nossa própria condenação, como se vê no versículo anterior ao nosso texto: “E quem fizer tropeçar a um destes pequeninos crentes, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lançado no mar.” (Marcos 9.42).
Mas não é somente por profanação aberta que colocamos em risco nossa salvação; pois não somos menos desagradáveis para o desprazer de Deus se retemos qualquer pecado secreto. Daí nosso Senhor nos dar a mais solene e repetida advertência para cortarmos todas as ocasiões de pecado.
Ao discorrer sobre suas palavras consideraremos,
I. Suas injunções.
Há muitas coisas que nos provam como uma ocasião para pecar.
Estamos prontos para sermos desviados por nossos interesses mundanos. Quão frequentemente têm sido os homens levados a profanar o dia do descanso do Senhor, se envolvendo em ocupações ilegais, praticando engano e falsidade, e em mil outras maneiras de violar os ditames da sua consciência! Quantos têm uma consideração indevida para desencorajar a muitos de abraçar o Evangelho e seguirem o Senhor totalmente! E quantos foram desviados por eles da verdade de Deus, mesmo depois de terem mantido uma longa e honrosa profissão!
Afeições carnais também se revelam frequentemente um laço muito fatal. Quantas pessoas espirituais têm sido levadas a se ligarem por toda a vida com pessoas não convertidas, pela falta de vontade de frustrarem as suas inclinações naturais, e também, em oposição aos mais expressivos mandamentos de Deus? (2 Cor 6.14,17). Quantos, por excesso de apego têm idolatrado a criatura, e que murmuraram contra Deus no momento em que ela foi removida? Precisamos somar os apetites sensuais a este catálogo sombrio? Quem conhece o perigo de um olhar impuro, não deve tremer?
Estes, tão logo descubramos a sua funesta tendência, devem ser cortados.
Estamos longe de condenar estas coisas tão ruins em si mesmas. Nossos apetites carnais e afetos nos foram dados para serem saciados, e os nossos interesses mundanos requerem indispensavelmente um grau considerável de cuidado e atenção, mas quando se tornam pedras de tropeço para nós e nos levam a pecar, então eles se tornam pecado em si mesmos, e devem ser imediatamente cortados. Nem devemos por qualquer consideração ser induzidos a poupá-los. Se eles são queridos para nós como um “olho”, ou úteis e aparentemente necessários para nós como uma “mão” ou “pé”, devemos sacrificá-los sem piedade ou reserva. Diferentes situações pedem de fato muita prudência e discrição na execução desse dever. Não devemos perder de vista a mansidão e a humildade quando estamos exercendo uma necessária firmeza e abnegação.
No entanto, não devemos adulterar nossas consciências, mas cumprir o nosso dever.
Para nos ajudar a obedecer as ordenanças de nosso Senhor, consideremos,
II. Os argumentos que ele apresenta.
Os homens, em geral, são avessos a ouvir qualquer coisa dos terrores do Senhor, mas o apóstolo Paulo insistia com eles a fim de persuadi-los, e nosso Senhor frequentemente admoestou os seus ouvintes como estímulo à obediência.
1. Deus certamente lidará com os homens de acordo com sua conduta nesta vida.
Esta verdade não é apenas afirmada, mas assumida no texto como incontestável e indiscutível; nem há qualquer verdade que seja mais adequada à razão, ou mais abundantemente confirmada pelas Escrituras, Rom 8.13. E pode qualquer coisa ser um argumento mais forte para a abnegação? certamente, se felicidade ou miséria eterna devem ser relativas à nossa conduta aqui neste mundo, devemos considerar diligentemente os nossos caminhos, e lançar fora o anátema que arruinaria nossas almas. Se não tivéssemos que dar conta no futuro de nossa conduta, poderíamos dizer: “vamos comer e beber, porque amanhã morreremos”, mas, se crermos nas Escrituras, devemos nos esforçar mais para agir com uma visão no futuro julgamento.
2. O céu, apesar de todas as provações que podemos enfrentar em nosso caminho para o mesmo, é infinitamente melhor do que o inferno, e do que tudo que possamos desfrutar no nosso caminho até lá.
É certo que a mortificação do pecado é muitas vezes dolorosa, como o corte de um membro do corpo. Todavia não é menos certo que essa dor é seguida por muita paz e alegria. Mas supondo que o caminho para o céu foi sempre tão espinhoso, a glória eterna não será uma recompensa suficiente para o nosso trabalho? E supondo que as gratificações do pecado embora sejam consideradas algo delicioso que é misturado com muito fel, não são muito caras para serem compradas com a perda da alma? Não serão os tormentos do inferno muito maiores do que o prazer do pecado? Os vermes que podem se alimentar do corpo morrem quando a nossa carne é consumida, e o fogo que pode consumir nosso corpo será extinto por fim, por falta de combustível, mas “o verme que vai roer a nossa consciência nunca morrerá, nem se apagará o fogo da ira de Deus”, porque nós seremos preservados como alimento para o primeiro e como combustível para o segundo, por toda a eternidade. O que pode o pecado nos oferecer que possa compensar tal desgraça? Certamente, então, esse argumento deve nos induzir a mortificar os nossos desejos mais queridos. Nosso Senhor repete, desta forma, com frequência, para mais profundamente impressionar nossas mentes. Vamos, então, pesar isto com a atenção que merece, e agir como aqueles que sentem a sua força e importância.
Conclusão:
Que razão nós temos para ser gratos pelo pacto da graça!
Tudo o que Deus requer de nós, ele também nos prometeu na aliança da graça. Tem ele nos ordenado que mortifiquemos cada pecado, porém quão precioso ou benéfico, isto pode ser? Ele tem também prometido que “o pecado não terá domínio sobre nós”, Rom 6.14. Ele se comprometeu na sua Palavra, não somente a perdoar os pecados do penitente, mas “purificá-los de toda injustiça”, I Jo 1.9.
Que aqueles que estão tremendo sob as palavras de nosso Senhor deste texto, olhem para ele para obter ajuda. Deixe-os reivindicar as promessas que ele fez. E, sem dúvida, acharão a sua “graça suficiente para eles”. Eles farão todas as coisas através de Cristo que lhes fortalece. Esta é a porção de todos os que abraçam esse pacto, que “é em tudo bem ordenado e seguro”, 2 Sam 23.5. Que cada crente então se alegre com esse pacto, e mantenha o início de sua confiança até o fim.
Texto de Charles Simeon, em domínio público, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.