“Então, lhe trouxeram algumas crianças para que as tocasse, mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele. Então, tomando-as nos braços e impondo-lhes as mãos, as abençoava.” (Marcos 10.13-16)
É comum os homens mostrarem parcialidade para com as falhas dos seus amigos, ao mesmo tempo em que se inclinam mais para serem severos no julgamento de outros. Mas o nosso bendito Senhor não mostrou nenhum favor aos seus discípulos a esse respeito, mas era tanto observador dos menores erros neles, quanto das transgressões mais flagrantes de seus inimigos. Ele sempre procedia de acordo com esse princípio: “De todas as famílias da terra, somente a vós outros vos escolhi; portanto, eu vos punirei por todas as vossas iniquidades.”, Amós 3.2. Seus discípulos tinham tentado evitar que ele fosse incomodado com uma multidão de crianças, a quem seus pais insensatamente, conforme os discípulos pensavam, haviam lhe trazido; mas ele ficou muito indignado com eles, e lhes passou uma repreensão severa, porque a sua conduta nesta matéria era altamente repreensível.
O texto apresenta duas coisas para a nossa apreciação:
I. Sua repreensão dada a eles.
Alguns pais estavam trazendo seus filhos a Jesus Cristo.
Eles tinham sido provavelmente induzidos a isto por terem ouvido o sermão que ele havia pregado recentemente aos seus discípulos, para responder à inquirição deles de quem seria o maior em seu reino.
Ele havia sentado uma criancinha diante deles, e lhes declarou que a conformidade a ela, com humildade, constituiria o caráter mais exaltado de seus súditos; e que todo aquele que recebesse uma dessas crianças em seu nome, iria recebê-lo, ao passo que aqueles que fizessem tropeçar uma delas, iria se envolver na mais tremenda culpa e miséria. Por isso, seria natural supor que Jesus tinha um amor peculiar pelas criancinhas, e que, assim como ele exige que outros as recebam, ele mesmo o faria, certamente, receberia, e as abençoaria também. Por isso muitos pais crentes procuraram se aproveitar da oportunidade de obter uma bênção para seus filhos, e os trouxeram a ele, para que “impusesse suas mãos sobre eles e os abençoasse.” Isto não foi algo físico, mas espiritual, saudável, que os pais procuraram para seus filhos; e não podemos deixar de aplaudir muito o seu zelo em tal causa.
Mas os discípulos se interpuseram tentando evitá-lo.
Eles, sem dúvida, pensavam que estavam fazendo o que era certo, em não permitir que o seu Senhor fosse tão perturbado. Seu tempo, eles pensavam, era muito precioso para ser ocupado com isto, seu trabalho também importante para ser assim interrompido; seus compromissos demasiado numerosos para admitir tais intrusões; sua fadigas eram muito grandes para serem desnecessariamente aumentadas. Além disso, isto, para as crianças, eles supuseram, poderia ser de pouca utilidade, e para os pais, apenas uma momentânea gratificação; e se o precedente fosse uma vez admitido, seria seguido a um extremo não conhecido. Por isso eles não permitiriam que o seu Senhor tivesse a sua missão desviada.
A conduta deles foi muito errada em vários aspectos: Ela induzia a se ter baixos pensamentos de seu Mestre Divino, cuja condescendência estavam limitando, ao passo que, na verdade, ela é infinita. Induzia também a uma ignorância do seu ofício que é peculiarmente designado pelo profeta, como o de “um Pastor, que carrega os cordeiros no seu seio”. Induzia a um esquecimento da graça do Pai, que havia prometido, de uma forma peculiar, derramar o seu Espírito sobre a semente do seu povo, e a sua bênção sobre os seus descendentes. A conduta dos discípulos configurava também uma indelicadeza para com os pais, cujos sentimentos eles deveriam ter atendido mais afetuosamente; e uma indiferença para com as crianças, cujo benefício deveriam ter promovido. Era também uma incredulidade de sua eficácia: eles tinham visto frequentemente pessoas obtendo saúde para seus corpos por um simples toque nas vestes do seu Mestre, e ainda assim eles não podiam conceber que qualquer benefício deveria ser revertido para as almas das crianças por uma imposição de suas mãos, e uma comunicação imediata de sua bênção.
Tudo isso foi excessivamente pecaminoso. Mas eles também erraram tanto na maneira bem como na matéria, de sua conduta, porque “repreenderam” estas mulheres piedosas. Ai! mesmo homens de bem, se injustificadamente repreendidos, são muito aptos a mostrar um comportamento ímpio, em vez de exercer aquela mansidão e gentileza que se tornam a sua profissão de fé.
Nosso Senhor, no entanto, merecida e severamente lhes repreendeu.
No relato de Mateus há uma pequena mudança na colocação das palavras, o que torna seu discurso dirigido a eles mais enfático: “Jesus, porém, disse: Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus.” (Mat 19.14). Mas nosso Senhor assinalou a razão desta repreensão, (pois ele nunca iria administrar a repreensão sem evidenciar a justiça da mesma) “porque dos tais é o reino dos céus”, dos que são desta idade, e que têm tal caráter.
Alguns limitam esta expressão ao caráter das pessoas que compõem o seu reino, mas, ao fazê-lo, eles destroem toda a força de seu raciocínio. Se nosso Senhor tinha intentado somente dizer que as crianças eram um símbolo fixado para os seus súditos, não haveria qualquer motivo para a sua repreensão, já que elas não seriam nada mais por terem sido trazidas a ele, nem menos por serem mantidas longe. Mas, se entendermos que as crianças ainda são, como sob a dispensação judaica, para serem consideradas como estando em aliança com Deus, e sendo súditas de seu reino, então a razão é clara e forte: porque manter as crianças afastadas dele, seria privá-las de privilégios aos quais tinham tanto direito quanto os adultos.
Em uma palavra, Cristo já nos mostrou, por este ato, que as crianças são tão súditas de seu reino agora, como sempre o foram sob a dispensação judaica, e todos os membros de nossa Igreja têm motivo para se alegrar, que os sentimentos de nossos reformadores neste assunto em questão estavam em perfeita harmonia com a Palavra de Deus.
Se for objetado que Cristo não batizou crianças; nós respondemos: Seu batismo ainda não havia sido instituído; o único batismo que era observado até então, foi o de João. A questão é: as crianças devem ser consideradas como súditas do reino de Cristo? Elas têm, em tal condição, direito aos privilégios deste reino? Cristo expressamente diz que sim; e, portanto, devemos atender ao seu comando de trazê-las a ele, para que sejam admitidas na participação dessas bênçãos, precisamente como os judeus levavam seus filhos, debaixo do comando de Deus, para serem admitidos em aliança com ele, na antiga dispensação.
Em perfeito acordo com estes sentimentos temos,
II. Sua instrução para nós.
Ele aqui nos instrui,
1. Por preceito.
Enquanto as crianças são recebidas na Igreja de Cristo, elas devem ser consideradas também como símbolo daquelas qualidades morais, que todos os súditos de seu reino devem possuir. Há nas crianças uma simplicidade de espírito, uma docilidade de espírito, uma consciência de fraqueza, uma dependência do cuidado de seus pais, uma obediência aos seus mandamentos, e uma submissão à sua vontade.
Agora, estas devem ser as disposições de todos os que devem ser contados como pessoas de Cristo; nem pode qualquer coisa, senão uma semelhança com as crianças nestes aspectos, o que garantirá a qualquer pessoa que ela esteja em um estado de graça diante de Deus. A declaração em nosso texto é tão forte e clara quanto as palavras possam fazê-lo.
A própria entrada no reino de Cristo é por esta porta: é se rebaixando, porque é estreita, e devemos ser humildes em nossa opinião, para que possamos, por qualquer meio encontrar admissão ao reino. Não há espaço permitido para os ornamentos de sabedoria mundana, de bondade moral, de poder humano; devemos entrar desvestidos de tudo isto. Quero dizer, de nossa própria apreensão e vaidade, e devemos estar dispostos a assumir “a Cristo como nossa sabedoria, nossa justiça, nossa santificação e redenção”. Isso é humilhante, é verdade; mas isso deve ser feito; e, se não nos submetermos a isto, nunca poderemos entrar no reino dos céus. “O sábio deve se tornar tolo, o puro, poluído; e o justo, culpado, na sua própria estima, antes que possa ser valorizado por Cristo, ou sua salvação ser desejada.
Nós não dizemos que uma pessoa deve cometer a maldade, a fim de ingressar no reino de Cristo; Deus me livre! mas ela deve renunciar a todos os graus de auto-conceito, auto-dependência, auto-aplauso, e, “o que ele tinha uma vez considerado como ganho, deve agora ser considerado por ele como perda para ganhar a Cristo”.
Oh que todos sejam, assim, despojados de si mesmos, e se disponham a buscar o seu tudo em Cristo! Que os pais condescendam em aprender de seus filhos pequenos aquelas disposições que devem cultivar eles próprios para seu Pai celestial; e terem em mente, que a sua perfeição mais elevada é a de ser levado a uma semelhança habitual a esse símbolo instrutivo que são as criancinhas.
2. Pelo exemplo.
“Ele tomou as criancinhas nos braços, colocou as mãos sobre elas, e as abençoou.” Quão maravilhosa condescendência! Quão amável em si, de modo a ser percebida por aqueles, que poderiam estar tão pouco conscientes do seu amor. Quão conciliador para com os pais, cujos corações estariam mais abertos à impressão a partir da bondade demonstrada à sua prole, que qualquer favor, que pudesse ser conferido a eles próprios! Quão animador para os filhos, cujos pais não deixariam de lhes lembrar sempre que eles tinham sido, portanto, altamente honrados, por terem sido abraçados no regaço do Salvador, e para receber sua bênção celestial!
Parece-me, que esta circunstância iria operar sobre eles ao longo da vida para se dedicarem ao Senhor Jesus Cristo, e se apegarem a ele com todo o coração.
Em uma palavra, quão edificante para todos! Para os pais, isto revelou que o principal desejo deles em relação às suas crianças deve ser trazê-las ao conhecimento do Senhor, e ao gozo da sua salvação. Para os ministros, é falado com ênfase peculiar, que devem atender aos cordeiros de seu rebanho, e não considerar nem o mais insignificante , nem o mais fraco do povo como estando abaixo da sua atenção; porém por mais laboriosas que sejam suas ocupações, devem reservar alguma parte de seu tempo para a instrução dos bebês. Para todos os crentes também, sejam homens ou mulheres, isto mostra quão aceitável seria um serviço que fossem realizar, se eles trabalhassem para instruir a nova geração.
Texto de Charles Simeon, em domínio público, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.