Por esses dias perguntaram-me se sou contra uma pessoa orar a Deus pedindo algo. Nesse post vou tentar de forma metódica, mas não exaustiva, refletir sobre essa questão.
1 – Eu acredito que esse tipo de oração funciona para os homens como uma espécie de válvula de escape, para suprir nossas fragilidades, especialmente emocionais. Quando oramos pedindo algo estamos, normalmente, em um processo de desestruturação física, mental e/ou emocional onde, sem enxergar mais nenhuma possibilidade natural de solução, recorremos àquilo que consideramos para além de nossa realidade. No entanto, também é quase certo que não tomaríamos tal decisão se estivéssemos equilibrados ou com a situação sob controle. Não é por acaso que as religiões que usam de tais métodos prosperam muito mais em países empobrecidos, onde a sua população já não vê nenhuma possibilidade de ajuda que parta do poder público local. Talvez, também, por isso Jesus tenha afirmado a dificuldade de um rico entrar no Reino dos Céus (Mateus 19.24).
Tratando-se de espiritualidade cristã, acredito que, quando estamos amadurecidos na nossa relação com Deus, sabemos que Ele sabe de todas as nossas necessidades, mesmo que nenhuma palavra saia de nossa boca. Por isso que Jesus, apesar de até nos ensinar como orar, nos orientou a não ficar aflitos com que havíamos de comer ou vestir, pois, o Pai estava sempre olhando e cuidando de nós (Mateus 6.28). Nessa perspectiva orar pedindo algo a Deus não faz o menor sentido, seria como lembrar um pai, sempre atento ao filho, de suas obrigações paternas. Certamente ele ficaria mais ofendido que contente (como achamos que Deus fica quando oramos pedindo algo a Ele).
2 – A oração de pedidos pode criar em nós uma dependência infantil que certamente Deus não deseja para seus filhos. Quando Jesus afirma que devemos ser como crianças Ele está se referindo ao caráter manso, em não ter um coração cheio de corrupção e malícia, e não algo sobre como orar. A oração de pedidos, como dito acima, é uma ferramenta dos não amadurecidos, dado àqueles que ainda “engatinham” na fé.
É Como se Jesus, diante da desconfiança humana dissesse, – Ok! Vocês não confiam que eu estou sempre alerta, então (por amor) eu darei uma fórmula para que vocês possam solicitar meu cuidado. Podemos comparar isso com a instituição do divórcio, que foi dado não porque estava no plano original divino, mas pela dureza dos corações humanos (Mateus 19. 7-8). A vontade de Deus é que o relacionamento entre Ele e nós se estreite cada vez mais, de forma que possamos percebê o tempo todo, tendo a certeza de que Ele é por nós. Por isso o apóstolo Paulo chama o ensinamento de Jesus, de evangelho da reconciliação (2 Coríntios 5. 18-19).
Além disso, acredito que fazer da oração de pedidos uma prática do cristianismo maduro, acaba dando razão a pensamentos como o de Freud, que defendia a fé como um traço de personalidade infantilizada, que devia ser tratada com terapia. O cristão maduro deve se conscientizar de que certas situações são próprias da vida e que eles devem trilha-las com sabedoria, podendo tudo Naquele que lhes fortalece, e não como crianças mimadas que, por não saberem lidar com os “nãos” e reveses da nossa caminhada nesse mundo, agem constantemente como as filhas da sanguessuga (Provérbios 30.15). Deus torna-se um solucionador de problemas, um gênio da lâmpada particular, que está sempre pronto para limpar nossa bagunça (João 6. 26-27).
3 – Muitas vezes o problema não é nem o fato de orar-nos pedindo, mas o que oramos (Tiago 4.3). Qual é a ética das nossas orações? Por que quando colocamos na nossa cabeça que Deus é esse solucionador de problemas, obviamente, queremos que Ele resolva tudo. A questão é que esse pensamento cria pelo menos dois problemas:
1º – A palavra tudo é problemática em si mesmo, por que ela põe no “pacote milagroso” coisas que seriam nossas obrigações (Provérbios 6. 6-11). É o que acontece por exemplo quando pedimos a Deus para passar em um concurso público. Achamos que se acreditarmos nesse pedido de todo nosso coração Deus vai nos favorecer, nem que para isso Ele tenha que “dar um jeitinho”. Ou quando um jogador de futebol, após marcar um gol decisivo, levanta as mãos para o céu pressupondo que foi Deus que atendeu sua oração dando a vitória para seu time, uma ideia totalmente sem sentido se considerarmos que no time perdedor também houve pessoas que oraram para o seu time ganhar, pois quando comparamos um justo e um ímpio fica fácil explicar uma possível preferência divina, mas e quando temos pessoas do mesmo “quilate espiritual”? Como explicar que um receba e o outro não? E como conciliar tal fato com o atributo isonômico de Deus (Atos 10. 34; Romanos 2. 11; Efésios 6. 9)?
2º – Teremos também que explicar porque as orações costumam funcionar melhor em locais ou situações mais favoráveis. Ou alguém discorda que uma oração para Deus abrir porta de emprego tende a funcionar melhor na França que no Camboja? Geralmente não nos lembramos desses detalhes, até porque, mesmo no Brasil, a realidade desses países miseráveis está bem longe de nós. É o que eu costumo dizer, você não se lembra da mortalidade infantil na África por que o filho que está morrendo de fome lá não é o seu.
Nos lugares mais desfavorecidos os maiores milagres foram homens e mulheres que se doaram. Pessoas bem conhecidas, como Madre Tereza e Gandhi, ou completamente anônimas, como os milhares de membros da World Vision. Foram bons cristãos e também gente que mal conhecia Jesus. Nada disso importou, porque de um jeito ou de outro eles foram à resposta de Deus as orações que os necessitados nem tiveram força para fazer. É por isso, meu caro leitor, que o único julgamento que eu espero por parte Deus é o relatado no evangelho de Mateus, capítulo 25, versículos de 31 ao 46.
4 – Na minha visão o que devemos fazer é transformar a oração de pedidos em uma oração de consolo, onde nós rasgamos a alma diante de nosso Deus, não para alerta-lo, mas para sentir Sua presença no meio da tempestade. Ao invés de suplicarmos a ajuda Dele, como se não nos estivesse contemplando, cantemos salmos doídos que funcionem como um grito no meio da desesperança e da angustia. Essa é a verdadeira arma do aflito. Pedir podemos fazer até para nosso Inimigo, mas verdadeiro consolo só podemos encontrar Naquele que é chamado de Paracletos, o Consolador. A promessa de Jesus é que no mundo teríamos aflições, mas, disse Ele, “tende bom animo porque eu venci o mundo”.
Enfim, poderia ainda falar mais sobre o tema, mas como disse no princípio não quero ser exaustivo, no entanto, deixo um último conselho. Se for orar, então pelo menos ore a oração de Luiz Gonzaga em Asa Branca, que ao olhar a profunda e mortal seca do agreste nordestino, não pede nada a não ser o consolo divino, “Deus do céu por que tamanha judiação?”, e confie no Deus, que na sua infinitude, só sabe fazer uma coisa, amar.