“Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade.” (1 João 2.3,4)
Com uma discriminação sábia João traça um contraste entre aquele que sabe que conhece a Cristo, e aquele que diz que o conhece. A um ele reconhece, mas o outro ele marca com essa palavra dura: “um mentiroso”.
Não somente nesse caso, mas em todas as suas epístolas, João continua a desvendar o emaranhado da hipocrisia. No primeiro capítulo desta epístola, no sexto versículo, ele se refere àqueles que andam na luz e têm comunhão com Deus, e ele acrescenta: “Se dissermos que temos comunhão com Ele, e andarmos em trevas, mentimos e não praticamos a verdade.”
No nono versículo do segundo capítulo ele afirma: “Aquele que diz que está na luz, e odeia seu irmão, está nas trevas até agora.”
Há uma notável citação no quarto capítulo, versículo vinte, “Se um homem diz que ama a Deus, e odiar a seu irmão, é um mentiroso: pois aquele que não ama seu irmão, a quem ele tem visto, como pode amar a Deus, a quem não viu?”
I. A questão a ser considerada e julgada por cada de per si é o conhecimento de Cristo. O que, então, é conhecer a Cristo? É claro que nunca o vimos. Muitos anos atrás ele deixou este mundo e subiu para seu Pai. Ainda podemos conhecê-lo. É possível. Houve milhares, e até milhões, que tiveram uma relação pessoal com Ele, pois, embora eles não tenham visto, quem eles amaram, e em quem eles se alegraram com alegria indizível e cheia de glória.
“Conhecer” é uma palavra usada na Bíblia em vários sentidos. Às vezes, isso significa reconhecer. Como quando lemos sobre um determinado Faraó, que “ele não conhecia José.” Ou seja, ele não reconhecia qualquer obrigação do Estado ou reino do Egito para com José. Ele não se lembrou do que havia sido feito por esse grande homem. Assim, também, Cristo diz que Suas ovelhas “conhecem” a sua voz. Elas reconhecem a sua voz como a voz de seu pastor, e alegremente seguem o seu Pastor. Agora, é uma questão de primeira necessidade reconhecer a Cristo – que Ele é Deus, que Ele é o Filho de Deus Pai, que Ele é o Salvador do Seu povo, e o legítimo monarca do mundo – reconhecer ainda mais – para você aceitá-Lo como seu Salvador, como seu Rei, como seu Profeta, como o seu Sacerdote.
Isto é, em certo sentido, conhecer a Cristo. Ou seja, confessar em seu coração que Ele é Deus, na glória de Deus Pai. Que Ele é o seu Redentor. Que Seu sangue o tem lavado, e Sua justiça lhe cobre. Que Ele é a sua salvação, sua única esperança, e seu mais querido desejo.
A palavra “conhecer” significa, no próximo lugar, “crer”. Como nessa passagem de Is 53.11: “o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos”, onde é evidente o significado que pelo conhecimento dele, isto é, pela fé em Cristo Jesus, Ele justificará a muitos. Não o conhecimento que tinha Jesus, mas pelo conhecimento dele, pela fé nele, muitos serão justificados. “Conhecer” e “crer” são por vezes usados nas Escrituras como termos conversíveis. Agora, neste sentido, devemos conhecer a Cristo. Devemos crer nele, devemos confiar nele, devemos aceitar os testemunhos dos profetas e apóstolos a respeito dele. E devemos subscrevê-los, de modo prático, com todo o nosso coração e alma, e força, e devemos descansar todo o peso do nosso destino eterno em Sua obra consumada. Conhecê-lo, então, é reconhecê-lo e crer nele.
Isso não é tudo. A palavra “conhecer” muitas vezes significa experiência. Diz-se de nosso Senhor que: “Aquele que não conheceu pecado”. Ou seja, ele nunca experimentou o pecado. Ele nunca se tornou um pecador. Para conhecer a Cristo, então, devemos sentir e provar Seu poder, o Seu poder perdoador, Seu poder de amor sobre o coração, o Seu poder reinante em subjugar nossas paixões, Seu poder consolador, Seu poder esclarecedor, Seu poder exaltador, e todos as demais abençoadas influências que, por meio do Espírito Santo, procedem de Cristo. Isto é experimentá-lo. E mais, “conhecer” na Escritura
frequentemente significa comungar. Elifaz diz: “Familiarize-se com Deus, esteja em paz com ele.” Isso quer dizer, em comunhão com Ele, entre em amizade e companheirismo com ele.
Por isso, é necessário que cada crente deva conhecer a Cristo por ter uma familiaridade com Ele, falando com Ele em oração e louvor – por fazer do nosso coração um só coração com Ele -recebendo dele o segredo divino, e lhe fazendo a confissão completa de todos os nossos pecados e tristezas. Em uma palavra, queridos irmãos, conhecer a Cristo é o mesmo que conhecer qualquer outra pessoa. Quando você conhece um homem, se ele é seu amigo íntimo, você confia nele, você o ama, você o estima, você está em condições de falar com ele. Em alguns momentos você se aconselha com ele, ou você pede sua ajuda. E ele chega à sua casa, e você tem uma associação familiar recíproca. Há um bom entendimento entre você e a pessoa de quem eu disse que você conhece.
Nas mesmas condições deve estar a alma com Cristo. Ele não deve ser meramente um personagem histórico sobre quem lemos nas páginas das Escrituras. Mas ele deve ser uma pessoa real com quem podemos falar em espírito, ter comunhão de coração, e estar unidos pelos laços do amor. Precisamos conhecê-lo, sua própria pessoa, de modo a amar e confiar nele como um verdadeiro Senhor para nós. Julguem, então, cada um de vocês, se realmente e de fato, nesse sentido, “conhecem” a Cristo.
Distinga, no entanto, entre conhecer a respeito de Cristo e conhecer a Cristo. Podemos saber muito sobre muitos de nossos grandes homens, apesar de não conhecê-los. Agora, isto nunca salvará uma alma, a saber, conhecer a respeito de Cristo. O único conhecimento que salva é conhecê-lo, a Si próprio, e confiar nele, o Salvador vivo, que agora está à mão direita de Deus.
Você pode ser tão fluente como Whitefield. Sim, você pode ser eloquente e poderoso nas Escrituras como era Apolo. Mas se você não conhece a Cristo por seu próprio conhecimento pessoal individual, tendo familiaridade com Sua pessoa, com a Sua justiça, e com o Seu sangue, você não será salvo por todos as suas belas afirmações relativas a Ele. Ao contrário, você está em perigo iminente, porque pelo que sair de sua própria boca, você será condenado.
Tal conhecimento é por isso incomparável. Ele mergulha profundamente na mina do propósito eterno de Deus. Ele voa alto no céu do amor eterno de Deus. Ele amplia a alma, preenchendo-a com a plenitude inesgotável de Cristo – Cristo a sabedoria de Deus.
Você o conhece, e você é conhecido dele”, e eles serão meus, diz o Senhor, no dia em que eu reunir minhas joias.” “O Senhor conhece os que são seus”. Ele confessará que estes são sua propriedade no dia em que vier na glória de seu Pai, e todos os seus anjos com ele.
II. Tendo estabelecido o assunto que é proposto, vamos avançar para falar dos dois caracteres que são retratados no texto. Com relação ao primeiro – aqueles que sabem que o conhecem. Nos é dito o modo pelo qual eles sabem que o conhecem: “sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos.”
Alguns cristãos que não conhecem a Cristo estão em grande dúvida quanto a saber se eles o conhecem. Isso não deveria ser assim. É algo muito solene, para ser uma questão deixada ao acaso ou conjectura. Eu acredito que há salvos que não sabem com certeza que eles são salvos. Eles estão levantando a questão, muitas vezes, que nunca deveria ser uma pergunta. Nenhum homem deveria estar disposto a deixar isto na incerteza, pois marque isto, se você não é um homem salvo, você é um homem condenado. Se você não for perdoado, seus pecados permanecem sobre você.
Você está agora em perigo do inferno se você não está agora seguro do Céu, pois não há lugar entre estes dois. Ou você é um filho de Deus, ou não. Por que você diz: “Eu espero que eu seja um filho de Deus, mas eu não sei. Espero, no entanto, eu não sei se estou perdoado?” Você não deveria estar nesse suspense. Você é uma coisa ou o outra – ou é um santo ou um pecador – salvo ou perdido, ou andando na luz ou caminhando nas trevas.
Oh, é muito urgente isto que deveríamos saber que nós conhecemos a Jesus! Embora, como eu já disse, conhecê-Lo é o assunto fundamental – além disso não há nada tão importante quanto saber que nós o conhecemos.
Não é somente alegria que você iria encontrar a partir deste conhecimento. Seria também confiança. Quando um homem sabe que ele conhece a Cristo, que confiança que ele tem ao enfrentar tentações! “Um homem como eu fugiria?” Que confiança ele tem na oração! Ele pede com fé, como filhos amados pedem a um pai generoso. E que ar confiante esta confiança diante de Deus nos daria em relação aos filhos dos homens! Nós não devemos gaguejar na presença de seus filósofos, ou olhar envergonhados na presença de seus nobres. Mas sabendo que nós o conhecemos, sabendo que temos a vida eterna, não devemos nos importar se eles nos chamam de ignorantes, ou fracos, ignóbeis e presunçosos. Não devemos nos envergonhar de confessar a nossa fé com uma posse elevada que temos.
E esta certeza que você conhece Cristo faria acender em você o mais alto grau de amor. Sabendo que eu estou salvo, sabendo que eu sou dele, e ele é meu, não posso deixar de sentir as chamas de afeto para com Ele. Que o amor me leve à obediência, e que a obediência desenvolva em mim fervor e zelo. Sabendo que você o conhece, você estará pronto para dizer com uma paixão santa: “Que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo?”
Oro para que o Mestre possa dizer para muitos de vocês que estão sendo inclinados com um espírito de enfermidade: “Levante-se.” E para outros que há muito tempo têm permanecido nesta cama de dúvidas e medos: “Toma o teu leito e anda.”
Você deseja este doce bálsamo para uma consciência pesada? Observe a prescrição, “Nisto sabemos que nós o conhecemos, se guardarmos os seus mandamentos.” É na guarda de seus mandamentos que este estado saudável da alma é mantido. Guardar seus mandamentos significa guardá-los em nossas mentes, e mantê-los em nossa memória com reverência devota. Deveria ser o objetivo de cada cristão descobrir o que é o mandamento de Cristo. E, feito isto, recebê-lo com mansidão, e meditar nele e venerá-lo como a Lei da Casa do Senhor.
Mas para mantê-los em nossos corações, devemos sinceramente desejar cumpri-los. Por causa da queda (pecado original), não podemos manter perfeitamente os mandamentos de Cristo, mas o coração os guarda como o padrão de pureza. O cristão somente deseja ser exatamente como Cristo. Dói-lhe que ele esteja aquém de Sua imagem. Dá-lhe grande alegria se ele pode sentir que o Espírito Santo está trabalhando nele qualquer coisa como a conformidade com a vontade Divina.
Seu coração é reto para com Deus, e é sincero nisto. Isso não é suficiente se não houver um objetivo constante e perseverante para cumprir Seus mandamentos em nossas vidas. Reflitam nisto, irmãos, que a falta de obediência prática a Cristo é a raiz de 999 em cada 1.000 de nossas dúvidas e medos. As raízes de nossos medos estão em nossos pecados. Procure lá, e você deve encontrar a causa do problema da alma. Acredito que há muitos filhos de Deus andando na escuridão, porque eles não obedecem à palavra do Senhor.
“Aquele que conhece a vontade de seu mestre e que não a faz, será castigado com muitos açoites.” O mandamento que devemos amar uns aos outros é muito desprezado por muitos. Agora, se você não ama seus irmãos cristãos fervorosamente com um coração puro, você pode pensar que você cairá em dúvidas? É natural que assim seja. Somente na proporção em que a Graça Divina o faz obediente a Graça Divina faz com que você seja um cristão convicto.
III. Chegamos agora à última consideração, que lança uma acusação grave contra os dissimuladores. Contra quem afirma que conhece a Cristo, mas não guarda os seus mandamentos.
João afirma que dizer que se conhece a Cristo, e não guardar os seus mandamentos é uma mentira. É uma mentira verbal. O homem que profere isto fala uma mentira. Ele diz: “Eu conheço Cristo”. Mas é uma mentira. Ele não conhece. Ele conhece coisas sobre ele, mas seu coração não sabe nada sobre Jesus. É uma mentira doutrinária, pois seria uma terrível heresia dizer que um homem que viveu em pecado conheceu a Cristo. Será que Cristo mantém tal companhia? Que ele chama essas pessoas de Seus amigos? Aqueles que vivem nos vícios e na lascívia são amigos de Cristo? Ele é santo, inocente, imaculado e separado dos pecadores. Portanto, tal afirmação é uma mentira contra as doutrinas do Evangelho.
E isso é também uma mentira prática. O homem que diz: “Eu o conheço”, e depois vai e quebra os mandamentos de Cristo, cada vez que ele peca diz uma mentira.
E ainda, é uma mentira condenável. O homem que diz: “Eu conheço a Cristo”, e não guarda os seus mandamentos, está fazendo certa a sua própria condenação. Por sua profissão de ser um seguidor de Cristo, ele confessa que ele sabe o que deveria ser, mas por suas ações, ele prova que ele não é o que deveria ser. E assim ele está testemunhando contra si mesmo, julgando-se, condenando sua própria alma, e desafiando a sentença da perdição eterna. Deus nos livre de tal atitude como esta!
Agora, um de Seus mandamentos é: “Amarás o teu próximo como a si mesmo”, e outro é: “Não furtarás.” E em não mantê-los provaram a si mesmos serem mentirosos, mas eles se chamavam de cristãos. Alguns que têm professado fé em Cristo têm vivido sem domínio próprio e entregues a diversos vícios que os afastam de Deus.
Alguém pode ser respeitável aos olhos de seus companheiros, mas é um hipócrita vergonhoso e escandaloso aos olhos do céu.
Se você não consegue manter uma boa companhia e evitar o círculo de dissipação, não professe ser seguidor de Cristo! Ele manda você sair do meio deles! Se você pode encontrar prazer em sociedade lasciva e em canções lascivas, que direito você tem de conviver com a comunhão dos santos, ou se juntar ao canto dos Salmos? Você não guarda os mandamentos, você os viola. A verdade não está portanto em você, quando afirma que conhece a Cristo.
Eu conheço alguns dos discípulos do Senhor, como eles nos querem fazer crer que o são, que têm sido implacáveis. Eles chamavam a si mesmos de cristãos, mas que não poderiam perdoar uma ofensa, ainda que fosse de seus próprios filhos! Um cristão ressentido, malicioso é uma anomalia!
Eu lhe digo, se você não ama seus irmãos, se você não ama o seu próprio filho, se você não consegue perdoar o seu filho, não há nada mais certo no livro de Deus do que isso, que você nunca vai entrar no céu. Um espírito que não perdoa é um espírito não perdoado. Primeiro, vá e perdoe o seu irmão antes que você traga o seu sacrifício, ou Deus não vai aceitá-lo nem a sua oferta. Não somos ensinados a orar: “Perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aqueles que nos têm ofendido”?
Tem sido um trabalho difícil para mim, portanto, mencionar estas incoerências. Eu não posso arriscar mais, embora eu pudesse ter declarado mais. O trabalho dos meus lábios é um fardo para o meu coração. Se fere a consciência de qualquer homem, bem, deixe que seja ferida, até que ele considere o seu pecado e caia aos pés de Jesus, suplicando-lhe por perdão.
Se você deseja ser lavado do pecado, evite o pecado. Se você professa conhecer a Cristo, não tem nada a ver com um mundo pecaminoso. Sacuda a víbora do pecado no fogo, pois vai envenená-lo e destruí-lo. Queira Deus que você possa renunciar ao pecado, se você professa, deveras, ser servo de Cristo.
Minha última palavra é esta. Se alguém agora se sente incomodado por causa do pecado, deixe-me ler estas palavras para ele. Ouça com fé. São palavras que vêm antes do nosso texto. “E, se alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo.” Ó venham, vocês culpados, que foram falsos para com o seu Senhor e ao Seu amor! Venham a Ele, não obstante todas as suas provocações amargas. “E Ele é o Propiciatório: Propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos pecados de todo o mundo.”
Olhem, então para Ele, olhem e vivam! Sejam santos ou pecadores, independentemente do que suas vidas passadas possam ter sido, olhem para o sacrifício propiciatório oferecido no madeiro do Calvário! Olhem e vivam! O Senhor lhes conceda isto, por amor do seu querido Filho. Amém.
Tradução, adaptação e redução feitas pelo Pr Silvio Dutra, de um texto de Charles Haddon Spurgeon, em domínio público.