Salomão deu muitas provas e exemplos da vaidade deste mundo e de tudo o que pertence a ele, e nos recomenda no 7º capítulo de Eclesiastes alguns meios apropriados para nos prevenirmos e agirmos de tal maneira sábia, que não sejamos enredados ou prejudicados pela instabilidade e impureza das coisas do mundo em razão do pecado.
Então são recomendados principalmente, boa reputação (v. 1); seriedade (v. 2 a 6); tranquilidade de espírito (v. 7 a 10); prudência na administração de nossos negócios (v. 11, 12); submissão à vontade de Deus (v. 13 a 15); evitar os extremos perigosos (v. 16 e 18); mansidão e ternura para com aqueles que nos ofenderam (v. 19 a 22); e finalmente Salomão lamenta a sua própria iniquidade juntando para si várias mulheres, que acabaram lhe afastando de Deus e impedindo que ele cumprisse os seus deveres (v. 23 a 29).
Tão fundamental é que se viva permanentemente na prudência e vigilância que são essenciais à manutenção da nossa santificação, que é melhor estarmos num funeral, do que num banquete festivo (Ec 7.2). Porque não somente aprendemos sobre quão breve é a nossa peregrinação neste mundo, como nada há num funeral que nos chame a sair de nosso estado de seriedade e humildade diante de Deus. Não há espaço para as paixões da carne se manifestarem na casa onde há luto. Todavia, dá-se o oposto onde há banquetes que têm por fim gerar alegria carnal.
Por isso se afirma também no verso 3 que é melhor a aflição do que o riso, porque a tristeza do rosto torna melhor o coração. Isto é uma referência especialmente às aflições que os cristãos fiéis sofrem neste mundo, sobre as quais Jesus alertou à Sua Igreja que por elas seria processado o crescimento da fé, e consumada a maturidade espiritual dos cristãos, porque sem tais aflições não se pode aprender paciência, experiência e esperança.
Onde há alegria carnal, o Espírito Santo se entristece, porque o Seu fruto de alegria e de paz, não são conformes a alegria e paz que procede do mundo e que consiste em simples consolações vãs que são oferecidas à alma, na tentativa de preencher o vazio da vida que somente a presença de Deus pode por um fim, pela manifestação da plenitude da vida de Cristo em nós, pelo Espírito.
Daí a conclusão do verso 4:
“O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos na casa da alegria.”
Não se achará a verdadeira sabedoria na alegria carnal do mundo, e em tudo aquilo que o mundo busca para entreter a alma, porque o homem é espírito, e o espírito não pode estar vivo naqueles que não têm mortificado as paixões da carne.
Por isso Salomão afirma que:
“5 Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir alguém a canção dos tolos.
6 Pois qual o crepitar dos espinhos debaixo da panela, tal é o riso do tolo; também isso é vaidade.”
A partir do verso 7 até o 9, Salomão passa a considerar como se deve considerar a questão da opressão e do suborno, os quais, conforme ele afirma, tira do seu juízo equilibrado até ao próprio sábio.
“7 Verdadeiramente a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno corrompe o coração.
8 Melhor é o fim duma coisa do que o princípio; melhor é o paciente do que o arrogante.
9 Não te apresses no teu espírito a irar-te, porque a ira abriga-se no seio dos tolos.”
Salomão tinha reclamado muito das opressões que ele viu debaixo do sol, e que deram ocasião a muitas especulações que trouxeram tristezas e desânimos à sua devoção.
A opressão pode fazer com que um homem sábio fique irado, conforme vemos neste texto, mas o sábio deve evitar cair em tal tentação (v. 9).
Ele deve prosseguir agindo com paciência, porque toda opressão terá o seu fim, e assim será melhor aguardar com paciência o seu término, do que se tornar arrogante desde o princípio em que a opressão se manifestar.
Se o sábio perder a paciência debaixo das opressões que possa sofrer neste mundo, ele ficará sujeito à ira que se abrigará no seu coração, e será achado então na condição de um tolo e não de um sábio diante de Deus (v. 9).
Até mesmo um coração generoso está sujeito à tentação de se tornar arrogante quando debaixo de opressões.
As opressões às quais Salomão se refere, não se restringem apenas às injustiças do ímpios especialmente contra o próximo, mas também toda sorte de tribulação, especialmente, as que são produzidas pelos principados e potestades das trevas.
Por isso é necessário que se busque refúgio no Senhor, como Ele mesmo nos ordena na Sua Palavra.
“Vinde a mim, todos os que estai cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” (Mt 11.28)
Não será lutando para remover a causa da opressão propriamente dita, que poderemos nos livrar dela ou mesmo achar descanso para as nossas almas, mas é clamando ao Senhor, esperando nEle, na expectativa de que Ele nos livrará a Seu tempo, que a opressão será vencida por nós, pela fé, ainda que estejam presentes as causas das coisas que vinham nos oprimindo, porque o Senhor será uma barreira entre tais causas (enfermidades, falta de provisão, ataques do Inimigo etc), e nós.
Nós entenderemos melhor o modo pelo qual convém nos comportarmos debaixo de opressões, no texto que usaremos de forma reduzida e adaptada da longa interpretação deste texto feita pelo puritano Thomas Bostons, especialmente sobre a afirmação do verso 13:
Ec 7.13: “Considera as obras de Deus; porque quem poderá endireitar o que ele fez torto?”.
O propósito de Deus em afligir alguém para algum propósito de juízo ou de aperfeiçoamento espiritual haverá de ser cumprido pelo tempo que Ele determinou sem que ninguém possa mudar isto. Este é um dos principais significados de Ec 7.13.
O sofrimento não tem o propósito de ser algo em vão nas nossas vidas, do ponto de vista de Deus, pois tem determinado principalmente que através dele sejamos transformados segundo a Sua vontade e Palavra, para que Ele seja glorificado. A paciência na tribulação, no sofrimento que ela produz, é de grande valor para Deus, e também para nós, porque é por meio disto que aprendemos a ser pacientes e perseverantes nas coisas do Senhor, ensinando-nos a amar com o mesmo amor de Deus, que é sofredor, isto é, longânimo em sofrer em razão do pecado que há no mundo.
Uma visão correta da aflição é completamente necessária para um comportamento verdadeiramente cristão sob elas; e esta visão somente será obtida por fé, e nunca pelos sentidos; porque somente quando os desígnios divinos são descobertos nas aflições, pelos olhos da fé, sendo assim propriamente considerados, nós temos uma visão correta das tribulações, que são o meio provido para suprimir as ações de afetos corrompidos quando estão debaixo destas aflições.
Foi sob esta visão que Salomão afirmou as palavras de Ec 7.13: ““Considera as obras de Deus; porque quem poderá endireitar o que ele fez torto?”.
Antes, ele havia afirmado em 7.3-5 que: “Melhor é a mágoa do que o riso, porque a tristeza do rosto torna melhor o coração. O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos na casa da alegria. Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir alguém a canção dos tolos.”. Ele está se referindo às tribulações como o meio precioso de nos tornar úteis para os propósitos de Deus em transformar-nos em sábios, e que deveriam ser motivo de regozijo e não de abatimento o passar por várias provações, sabendo que a prova da fé produz perseverança, conforme diz em suas palavras: “a tristeza do rosto torna melhor o coração.”, a saber, aquilo que nos magoa, isto é, que nos machuca, pode nos fazer pessoas melhores, o que necessariamente não ocorrerá com aquilo que somente nos dá alegrias.
Salomão deduz, conforme de fato é segundo a vontade de Deus, que é melhor ser humilde e paciente do que orgulhoso e impaciente nas tribulações; porque no primeiro caso, nós nos submetemos sabiamente ao que é realmente melhor; e no segundo caso, nós lutamos contra isto. E ele então nos dissuade de estarmos contrariados com nossas provações, por causa da adversidade que se encontra nelas. Salomão nos acautela, falando pelo Espírito, para não fazermos comparações odiosas de tempos anteriores e presentes (“Não digas: Por que razão foram os dias passados melhores do que estes; porque não provém da sabedoria esta pergunta.” – v. 10), concluindo que não é sábio proceder desta forma, porque que insinua reflexões e julgamentos impróprios acerca da providência de Deus.
Ele prescreve um remédio geral, isto é, primeiro uma sabedoria santa, que nos permitirá tirar o melhor de tudo, até mesmo a vida em circunstâncias mortais; e então um remédio particular, consistindo numa aplicação devida daquela sabedoria, para levar a uma visão justa do caso: “Considera as obras de Deus; porque quem poderá endireitar o que ele fez torto?”, como que a dizer: quem ou o quê poderá impedir aquilo que foi determinado pela poderosa mão de Deus para nos provar? Por isso Pedro recomenda que nos humilhemos sob a potente mão do Senhor, para que no tempo dEle possa nos exaltar.
Assim, o próprio remédio é uma visão sábia da mão de Deus em tudo que nós achamos que seja duro de suportar. Isto é, “considere o trabalho de Deus” em suas desagradáveis aflições, nas cruzes que tem de carregar e nos cálices amargos que tem que beber. Porque há motivo de glória nisto, porque produzirá um peso eterno de glória, e o mesmo não pode ser dito de quem não tem experimentado os sofrimentos de Cristo dos quais todos os que são dEle têm se tornado participantes, e isto sim é para se lamentar, porque é indicador do fato de ser bastardo e não filho, porque todos os filhos de Deus são corrigidos e transformados por Ele por meio das suas provações.
Quando se procura uma segunda causa para a aflição além da cruz, isto normalmente conduz à lamúria. Mas sendo paciente na tribulação, é possível ver a mão de Deus nisto, e sujeitando-se à Sua vontade é a melhor forma para ser livrado porque Ele livra o justo de todas as suas aflições. Mas o que lamuria será geralmente ainda achado nelas.
Carregar a cruz voluntariamente faz com que ela se torne leve, mas carregá-la com a mente perturbada por inquietações à busca de respostas fora de Deus para aquilo que se esteja experimentando, quando estas provas vêm da Sua parte, somente serve para aumentar o peso da cruz que carregamos.
Ter um espírito contrito e quebrantado na aflição é algo muito apropriado para acalmar as agitações do coração, e nos fazer pacientes debaixo dela. Afinal, quem pode acabar com aquilo que Deus entortou? No quebrantamento em sua aflição Deus fez isto; e tem que continuar até que veja cumprido o Seu propósito. Se você pudesse usar toda a sua força, procurando consertar aquilo que somente Ele pode endireitar, sua tentativa será vã: Nada mudará apesar de tudo que você possa fazer. Somente Ele que produziu este entortamento que nos inquieta, pode repará-lo, e fazer isto diretamente. Esta consideração, esta visão do assunto, é o meio apropriado para silenciar e satisfazer os homens, e assim trazê-los a uma submissão obediente ao seu Criador e Senhor, debaixo do quebrantamento das suas aflições.
Agora, nós estudaremos o nosso texto debaixo destes três aspectos principais: a)qualquer quebrantamento que há em nossa aflição, é Deus que está fazendo ou permitindo; b) o que Deus determinou arruinar, ninguém poderá reparar em sua aflição; c) considerar o quebrantamento na aflição como o trabalho de Deus, ou da ação direta dele, é o meio apropriado para nos levar a um comportamento cristão debaixo disto.
Quanto ao fato de que qualquer quebrantamento que há em nossa aflição, é Deus que está fazendo ou permitindo, nós temos duas coisas a considerar, a saber, o próprio quebrantamento, e Deus que o está produzindo.
1. Sobre o próprio quebrantamento, o quebrantamento na aflição, para melhor entendê-lo, são postuladas estas poucas coisas que seguem:
Primeiro. Há um certo curso de eventos, pela providência de Deus, que caem sobre cada um de nós, durante nossa vida neste mundo. E isso é nossa aflição, como sendo dividida a nós pelo Deus soberano, nosso Criador e Senhor, “em quem vivemos e nos movemos”. Este conjunto de eventos é extensamente diferente para pessoas diferentes, de acordo com a vontade do soberano Administrador, que ordena a condição dos homens no mundo, numa grande variedade.
Segundo. Nesse conjunto de eventos, excluindo determinadas épocas, cruzes nos são trazidas para que as carreguemos, com o alvo de nos quebrantar em nossa aflição. Enquanto nós estivermos aqui, haverá eventos desagradáveis, como também agradáveis. Às vezes as coisas planarão suave e agradavelmente; mas, logo, há algum incidente que altera aquele curso, como se tivéssemos dado um passo errado que nos fez começar a mancar.
Terceiro. Todo a aflição neste mundo tem algum quebrantamento nisto. Os queixosos são hábeis para fazer comparações odiosas. Eles não conseguem olhar para muito longe e acabam pondo a culpa do que está lhes afligindo no seu próximo. Eles não conseguem ver a mão de Deus nisto, e assim, não se submetem a ela. E assim fazem uma falso veredicto; porque não há nenhuma aflição aqui que não tenha sido ligada ou permitida no céu.
Quem teria pensado que a aflição de Hamã seria muito direta, quando a família dele estava numa condição próspera, e ele prosperando em riquezas e honras, como primeiro-ministro do estado Persa, e de pé no elevado favor do rei? Certamente ele não pôde ver que era a mão de Deus que estava produzindo a sua aflição. Ainda que os homens neguem que não é a mão de Deus que seja a causa de suas aflições, não há realmente uma só gota de conforto permitida; porque enquanto estivermos aqui, sempre será pelas misericórdias do Senhor que não somos consumidos.
Quarto. O quebrantamento na aflição entrou no mundo através do pecado. Ele existe por causa da queda, porque assim que o pecado entrou no mundo entrou com ele a enfermidade, o sofrimento e a morte. O pecado entortou o corpo, a mente e o espírito dos homens. E como este entortamento está inseparavelmente ligado à aflição, conclui-se que isto nos acompanhará até que deixemos este corpo de morte e cheguemos aos portões do céu.
Assim, enquanto estivermos aqui, o quebrantamento na aflição produz o contraste de comportamento que há entre o dia da adversidade e o dia da prosperidade. Como se lê em Ec 7.14: “No dia da prosperidade regozija-te, mas no dia da adversidade considera; porque Deus fez tanto este como aquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele.”. E isto segue de certo modo a recomendação de Tiago: “Está alguém alegre? Cante louvores. Está alguém triste. Faça oração.”. Esta oração na tristeza é sobretudo oração de dependência e de submissão à vontade de Deus, e não necessariamente oração para expulsar imediatamente a tristeza.
O quebrantamento na aflição, é portanto uma ou outra medida de adversidade. A Palavra ensina que tanto o dia da prosperidade quanto o da adversidade procedem da parte de Deus, “que fez assim este como aquele para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele.”, isto é, para que ninguém saiba o que lhe reserva o futuro, e assim vivam dependendo inteiramente de Deus, confiando suas almas ao fiel Criador na prática do bem, enquanto sofrem neste mundo.
Deus misturou estes dois na condição dos homens neste mundo; que, tanto experimentam um pouco de prosperidade, quanto de adversidade. Esta mistura tem lugar, não somente na aflição de santos dos quais é dito que “no mundo terão tribulação”, mas até mesmo na aflição de todos.
Estas são aplicações da vara da adversidade que passa pelas pessoas, e a aflição da pessoa pode ser extinta de repente, assim como a nuvem que desaparece antes que o percebamos, sem que seja produzido qualquer efeito duradouro. Assim o quebrantamento na aflição da adversidade, continua durante um tempo mais curto ou mais longo.
Mas um quebrantamento na aflição que produz efeitos duradouros. Como o quebrantamento produzido pela crueldade de Herodes que fez com que a aflição das mães em Belém lamentasse a morte de seus filhos produzisse um lamento para o qual não se encontrou conforto.
E há um quebrantamento produzido por um conjunto de aflições que se sucedem, tal como no caso de Jó, que enquanto um mensageiro de más notícias ainda falava, veio um outro com outras más notícias.
José experimentou este tipo de quebrantamento quando em sucessão foi lançado na cova pelos seus irmãos, vendido como escravo, e lançado numa prisão egípcia.
Há quebrantamentos que são de tempo prolongado, como Sara, Raquel e Rebeca que foram impedidas de gerarem filhos por muito tempo. Outros que como aquela mulher que tocou em Jesus sofria de uma hemorragia de doze anos.
E assim há variedades de aflições, tanto na qualidade delas quanto em relação às pessoas.
E mais particularmente, encontramos na natureza do quebrantamento na aflição estas quatro coisas:
(1) Desarmonia. Uma coisa que aflige é persistente. E não há naturalmente, isto é, em sua própria natureza, em nenhuma pessoa, uma tal coisa como um quebrantamento em relação à vontade e propósitos de Deus. Se a vontade de Deus fosse aceita e feita no mundo, haveria nele uma harmonia perfeita. Mas como isto não é feito voluntariamente em razão da natureza terrena que não está sujeita à vontade de Deus e nem mesmo pode estar, então Ele fará com que todas as coisas cooperem juntamente para o cumprimento da Sua vontade, sejam agradáveis ou não agradáveis. Ele fará aquilo que tiver que ser feito. Assim se Paulo deve ser entregue nas mãos dos gentios, foi pela vontade de Deus que isto ocorreu, de modo que a Paulo foi revelado pelo Espírito as cadeias e tribulações que lhe aguardavam. E assim não havia nenhuma desarmonia nisto. Mas, na aflição de toda pessoa há uma desarmonia entre o que se passa em suas mentes e a inclinação natural delas.
A situação adversa traz a cruz à pessoa e esta não responderá harmoniosamente a isto. Quando a divina providência traz a provação a vontade do homem vai de um modo e a situação vai de outro, e a vontade puxa para cima, e a situação puxa para baixo, e assim vão em sentidos contrários. E é justamente nisto que consiste a aflição. É esta desarmonia produzida pela aflição que nos exercita no estado de provação, no qual somos chamados a confiar em Deus, enquanto caminhamos por fé, não através de visão, e temos que se aquietar e se ajustar à vontade e propósito de Deus, e não insistirmos que a situação devesse estar de acordo com o que estabelecemos em nossa mente.
(2) Perda de visão. Coisas entortadas são desagradáveis à vista; e nenhum quebrantamento na aflição parece ser alegre, mas doloroso (Hb 12.11). Então as pessoas precisam se precaver de dar curso aos seus pensamentos enfatizando o quebrantamento na aflição delas, e de manter isto muito à vista. Davi mostra uma experiência dolorosa sua quando disse::. “Enquanto eu estava meditando o fogo estava queimando” e Jacó agiu de modo mais sábio, quando chamou o seu filho Benjamim, de filho da mão direita do que a mãe agonizante que lhe tinha chamado de Benoni, que significa o filho de minha tristeza. Porque com isto não estaria provendo um meio de quebrantamento na aflição toda vez que pronunciasse o nome do seu filho.
Realmente, um cristão pode ter uma visão fixa e fraca do seu quebrantamento na aflição à luz da Palavra santa que representa isto como a disciplina da aliança. Assim a fé descobrirá uma visão escondida nisto, debaixo de uma pequena aparência externa, percebendo o quão agradável isto é à bondade infinita, amor, e sabedoria de Deus, e para a realidade de que na maioria dos valiosos interesses para que a pessoa possa experimentar aquele gozo mais elevado e refinado que resulta da alegria na provação e na angústia. Mas qualquer quebrantamento na aflição que é agradável ao olho da fé, não é de todo agradável ao olho dos sentidos.
(3.) Incapacidade para se movimentar. Salomão observa a causa do caminhar intranquilo e desajeitado do manco: “As pernas do manco não são iguais.”. Esta intranquilidade deles é encontrada na caminhada cristã, pela aflição de um espírito dobre que tem pernas de tamanhos diferentes, e que traz grande dificuldade para a caminhada. Não há nada que dê um acesso mais fácil para a tentação do que a aflição; nada é mais hábil para colocar os passos fora do rumo. Então, diz o apóstolo, no contexto das recomendações relativas à disciplina de Deus em Hb 12.11-13: “Na verdade, nenhuma correção parece no momento ser motivo de gozo, porém de tristeza; mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos que por ele têm sido exercitados. Portanto levantai as mãos cansadas, e os joelhos vacilantes, e fazei veredas direitas para os vossos pés, para que o que é manco não se desvie, antes seja curado.”. Devemos ter compaixão daqueles que estão sendo trabalhados debaixo disto e não os censurarmos rigidamente, porque ainda que tenham dificuldade de serem corrigidos por palavras eles aprenderão a lição que lhes será dada na sua própria experiência.
(4.) Inteligência para pegar e se segurar, como que usando ganchos (anzóis). O quebrantamento na aflição deixa prontamente uma forte impressão no espírito da pessoa, e as corrupções do pecado ou as tentações de Satanás deixam-na como que num embaraço do qual não consegue se desembaraçar. E esta tentação deixa à mostra alguma coisa muito feia que estava oculta no espírito, como o lodo que existe no fundo do mar e que é revelado pelo bater das ondas. Alguma blasfêmia ou ateísmo pode surgir na aflição, como revelado por Asafe: “foi inútil limpar meu coração e lavar minhas mãos na inocência.”. Foi parte do que ele disse em sua aflição. Ah! É este o piedoso Asafe? Como é que ele se virou tão rápido na direção contrária! Mas o quebrantamento na aflição é uma máquina reveladora pela qual o tentador faz descobertas surpreendentes de corrupção oculta até mesmo nos melhores santos.
Assim o quebrantamento na aflição pode atingir qualquer pessoa, e ninguém está isento de ser apanhado por isto, e porque o pecado é achado em toda parte,´o quebrantamento pode acontecer em qualquer parte. As próprias enfermidades físicas e até mentais abundam visivelmente no mundo em razão disto, por que o pecado abunda em toda a parte, e a enfermidade é uma mera consequência da existência do pecado.
Uma pessoa pode ter um quebrantamento na aflição permanente de complexos de inferioridade por causa de sua constituição física que lhe parece inadequada; na falta de estima e reconhecimento da parte de seus semelhantes; na insatisfação por não ser capacitada intelectualmente tanto quanto gostaria de ser; e por uma série de outros motivos relativos a uma não aceitação pessoal.
Muita aflição pode ser resultante do relacionamento pessoal. Este quebrantamento pode ser produzido por perda de relacionamento, especialmente a perda de pessoas queridas. Pode ser por rompimento de relacionamento, como no caso de separações conjugais, abandono do convívio dos filhos com os pais, exclusão da igreja ou de qualquer outra sociedade de amigos.
Jó era afligido por sua esposa, Abigail por seu marido ranzinza Nabal; Eli pelos seus filhos obstinados; Jônatas pelo temperamento de Saul; e assim as pessoas acham uma cruz exatamente naqueles em quem esperava o seu maior conforto. O pecado sujeitou a criação inteira à vaidade, e tornou todo relacionamento sujeito a produzir aflição. Na empresa são patrões duros e injustos; no bairro, homens egoístas e violentos; na igreja pessoas carnais e indolentes, um verdadeiro fardo para os ministros; no estado, magistrados opressores e corruptos; na família filhos contenciosos e rebeldes.
Tendo visto o próprio quebrantamento, nós vamos considerar qual é a participação de Deus em tudo isto.
Primeiro, o quebrantamento na aflição, é uma forma de penalidade que os homens pagam como forma de juízo de Deus que começa já neste mundo, mesmo começando primeiro pela sua própria igreja, como diz o apóstolo Pedro, para que se saiba todo o mal que o pecado tem produzido na terra, e que Deus pôs um juízo sobre isto na forma de os homens serem quebrantados por suas aflições. Ninguém está inteiramente livre dos mais variados tipos de aflições que se pode sentir neste mundo, em razão de estar sujeito ao pecado que trouxe desarmonia e dor à criação. Mesmo quem se isole poderá ser achado por suas próprias aflições interiores como solidão, temores, enfermidades etc.
Em segundo lugar, as doutrinas da Bíblia sobre a providência divina mostram claramente que Deus provoca a aflição de todos os homens. Não há nada que aconteça neste mundo que não seja permitido ou produzido por Deus. Satanás nada poderá fazer se o Senhor não o permitir. O pecador nada poderá fazer se Deus não o quiser, assim como impediu Abimeleque de tomar Sara, mulher de Abraão como esposa; e o poderoso Senaqueribe da Assíria levar Judá em cativeiro, assim como tinha levado Israel.
No caso de Israel Ele permitiu, mas no de Judá, impediu. Ele permitiu que Tiago fosse morto por Herodes logo no início da igreja, e manteve João com vida até a mais avançada idade. Nem um só pássaro é morto sem a sua permissão, e até os cabelos de nossas cabeças estão contados.
E o mais maravilhoso de tudo isto é que Deus age sem anular o livre arbítrio humano e sem traçar o destino de cada um em relação a tudo o que deve lhes suceder em sua vida terrena. O bem será recompensado e o mal será julgado. E o justo será feito mais justo. E o que se suja se sujará ainda mais. É com base neste princípio geral que Ele tudo governa e visita os homens controlando as suas tribulações; de modo que produzam quebrantamentos na aflição para conversão ou aperfeiçoamento espiritual dos justos, ou para juízo dos injustos.
O mistério da providência, no governo do mundo, está em todas as suas partes, em conformidade exata com o decreto de Deus que opera todas as coisas conforme o conselho da Sua vontade.
Há quebrantamentos puros e sem pecado; que são meras aflições, cruzes limpas, dolorosas realmente, mas não sujas. Tal era a pobreza de Lázaro; a esterilidade de Raquel, os olhos baços de Lia, a cegueira do cego de nascença. Agora, os quebrantamentos deste tipo são de Deus, que pela eficácia do Seu poder os faz passar diretamente por estas situações. Ele é o Criador do pobre. Ele formou os olhos do cego de nascença de modo que as suas obras sejam manifestadas nele. Então ele diz a Moisés: “Quem faz a boca do homem? ou quem faz o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego?. Não sou eu, o Senhor?” (Êx 4.11).
Em segundo lugar há quebrantamentos pecaminosos, isto é resultantes do pecado em sua própria natureza. Como foi a aflição de Davi em razão do seu pecado de adultério e morte de Urias, produzido pelo incesto de Amon com Tamar; o assassinato de Amon; a rebelião e morte de Absalão, e por todas as desordens havidas em sua família por causa do seu pecado. E as tribulações deste tipo não são de Deus, é a isto que Pedro chama sofrer como um malfeitor, isto é, por causa do mal praticado. Deus não põe o mal no coração de ninguém, nem incita ninguém à sua prática. Nem sequer tenta a ninguém. Mas estas tribulações são permitidas por Ele, de modo que venham como forma de julgamento sobre o pecado que é praticado.
Está na esfera de soberania de Deus impedir ou não a prática de tais pecados, assim como impediu Abimeleque de pecar contra Ele, no caso de Sara, mulher de Abraão. Aquilo que Deus fecha ninguém pode abrir, e aquilo que Ele abre ninguém pode fechar. E quando Ele age ninguém poderá impedir. Então, Ele sabe em Sua providência a quem, onde e quando livrar da prática do pecado, bem como o contrário disto. Os juízos permitidos em forma de aflições chamam a atenção dos homens a serem responsáveis e eles próprios tomarem atitudes legais de modo a não permitir que a prática do mal venha a se espalhar, colocando em perigo a sobrevivência da própria sociedade.
Deus põe limites à prática do mal até ao próprio Satanás, como nós vemos no livro de Jó. Ele não pode ultrapassar os limites que lhe são impostos por Deus. E até mesmo todas as tentações dos cristãos têm estes limites demarcadores de modo que não sejam tentados além de suas forças.
O propósito de Satanás era o de fazer Jó blasfemar e o de Deus de provar a sinceridade do amor de Jó por Ele, ao mesmo tempo que aperfeiçoaria a intimidade de Jó com Ele, e por isso permitiu que Satanás produzisse todas aquelas aflições que trouxe sobre Jó. E Deus virou o cativeiro de Jó fazendo com que aquilo que Satanás lhe trouxe para o seu mal, se transformasse na vida de Jó em duplo bem. De modo que o Senhor demonstra o Seu poder de fazer com que tudo coopere juntamente para o bem daqueles que O amam. E Ele fez o mesmo em relação a Mordecai e aos judeus, a quem Hamã desejava destruir, e o mal sobreveio ao próprio Hamã, enquanto Mordecai e os judeus foram livrados. O mal intentado para a destruição de José trouxe o livramento da fome a todo o mundo.
Estes, e todos os verdadeiros cristãos sofrem, nestas ocasiões, muitas vezes não por praticarem o mal, mas exatamente por praticarem o bem, pelo bom nome de Cristo que levam sobre si, e disto falou o apóstolo Pedro nas seguintes palavras:
I Pe 2.20: “Pois, que glória é essa, se, quando cometeis pecado e sois por isso esbofeteados, sofreis com paciência? Mas se, quando fazeis o bem e sois afligidos, o sofreis com paciência, isso é agradável a Deus.”.
I Pe 3.17: “Porque melhor é sofrerdes fazendo o bem, se a vontade de Deus assim o quer, do que fazendo o mal.”.
Pr Silvio Dutra