“Eis que temos por felizes os que perseveraram firmes. Tendes ouvido da paciência de Jó e vistes que fim o Senhor lhe deu; porque o Senhor é cheio de terna misericórdia e compassivo.” (Tiago 5.11)
Este texto é precedido por uma exortação tripla para a paciência. No versículo 7, lemos: “Sede pois pacientes, irmãos, até a vinda do Senhor.” E ainda: “Eis que o lavrador aguarda com paciência o precioso fruto da terra, até receber as primeiras e as últimas chuvas.”. E mais adiante, no versículo 10, lemos: “Irmãos, tomai por modelo no sofrimento e na paciência os profetas, os quais falaram em nome do Senhor. “Somos três vezes exortados à paciência? Não está claro que necessitamos dela muito mais agora? Nós somos, a maioria de nós, deficientes nesta excelente graça e por isso perdemos a maioria dos privilégios e desperdiçamos muitas oportunidades em que poderíamos ter honrado a Deus.
A aflição teria sido o fogo que removeria a nossa escória, mas a impaciência furtou o metal mental do fluxo de submissão que teria garantido a sua purificação adequada. Ele é inútil, desonroso, fraco e nunca nos trouxe benefício e jamais trará.
Acho que somos três vezes exortados à paciência, pois precisaremos muito dela no futuro. Entre aqui e o céu não temos qualquer garantia de que o caminho será fácil, ou que o mar será mais vítreo. Nós não temos nenhuma promessa de que seremos mantidos numa estufa como flores num jardim de inverno.
A voz da sabedoria disse: “Seja paciente, seja paciente, seja paciente. Você pode precisar de uma medida tripla disso. Esteja pronto para a provação.” Suponho, também, que somos repetidamente exortados a sermos pacientes, porque é uma elevada realização. É brincadeira de criança ser mudo como a ovelha perante os seus tosquiadores e ficar quieto enquanto as tesouras estão tirando tudo o que nos aquecia e consolava. O cristão mudo debaixo da vara que o aflige não é encontrado todos os dias. Nós chutamos como os bois quando sentem o aguilhão pela primeira vez! Nós somos, a maioria de nós, por anos, como um novilho ainda não domado. “Seja paciente, seja paciente, seja paciente”, é a lição a ser repetida para os nossos corações, muitas vezes, assim como temos que ensinar as crianças uma e outra vez as mesmas palavras, até que as reconheçam pelo coração.
É o Espírito Santo, sempre paciente sob nossas provocações, que nos chama a ser “pacientes”. É Jesus, o sacrifício resignado, que nos cobra a “ser pacientes”. É o Pai de longanimidade que nos convida a “ser pacientes”. Ó vocês que estão prestes a irem para o céu, sejam pacientes porque daqui a pouco tempo a sua recompensa será revelada!
I. Não é uma virtude inédita ser paciente: “Você já ouviu falar da paciência de Jó”.
Observe bem que a paciência de Jó foi a paciência de um homem como nós, imperfeita e cheia de fraquezas, pois, como se tem bem observado, ouvimos do Jó impaciente, bem como de sua paciência! Fico feliz que o biógrafo Divino era tão imparcial, pois se não tivesse apresentado Jó sendo um pouco impaciente, poderíamos ter pensado sobre a paciência como sendo algo completamente inimitável e acima do alcance dos homens comuns. Os traços de imperfeição que vemos em Jó provam ainda mais ser poderosa a graça divina que pode fazer grandes exemplos de constituições comuns, tornando-as um modelo de paciência. Eu sou grato que eu sei que Jó falou um pouco amargamente e provou ser um homem, pois agora eu sei que ele era um homem como eu, que disse: “O Senhor o deu e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor”. Ele era um homem de carne e osso como eu, pois disse: “Aceitaremos o bem das mãos de Deus, e não receberemos o mal?” Sim, era um homem de paixões como eu, que disse: “Embora Ele me mate, ainda assim eu confio nele.”
Você já ouviu falar da paciência de seu Senhor e Mestre, e tentou imitá-lo, meio desesperançado! Mas agora você já ouviu falar da paciência de seu servo, Jó, e sabendo como Jó disse que seu Redentor vive, você deve ser encorajado a imitá-lo em submissão obediente à vontade do Senhor! “Você já ouviu falar da paciência de Jó”, isto é, a paciência de um homem muito experimentado. Nós não teríamos ouvido falar de Jó, se ele não tivesse conhecido uma aflição extraordinária! Toda a sua riqueza foi tomada! Dois ou três empregados sobreviveram apenas para lhe trazer as más notícias, cada um dizendo: “Eu somente escapei para lhe contar.” Seus rebanhos e suas manadas desapareceram. A casa em que seus filhos se encontravam sofreu um desastre e o homem principesco de Uz se sentou sobre um monturo e não houve sequer um ímpio que lhe fizesse reverência. Você já ouviu falar da paciência de Jó em perda e pobreza. Não têm visto que, se todas as posses falharem, Deus ainda é a sua porção?
Além de tudo isso, Jó suportou o que é, talvez, a pior forma de provação, ou seja, a angústia mental. A conduta de sua esposa deve ter muito lhe pesado quando ela o tentou para “amaldiçoar a Deus e morrer.” Ela falou como uma louca quando o marido precisava de consolo sábio. E então os “consoladores molestos” – que coroaram o edifício da sua miséria! Veja como os amigos de Jó o afligiam com argumentos e acusações. Eles esfregaram sal em suas feridas! Eles lançaram pó nos seus olhos. Suas misericórdias eram cruéis, embora bem-intencionadas
Jó foi levado a triste luto, miséria e terrível tormento do corpo e da mente! Mas, apesar de tudo, “você já ouviu falar da paciência de Jó”, e ouviu mais de sua paciência do que de suas aflições!
A paciência de Jó foi a paciência de um homem que resistiu até o fim. Que homem maravilhoso ele foi com todas aquelas dores, ainda dando testemunho do seu Deus. Ele tem a sua integridade e não a deixará ir. E o melhor de tudo, ele clama: “Eu sei que o meu Redentor vive e que por fim se levantará sobre a terra, e depois que os vermes destruírem este corpo, ainda em minha carne verei a Deus.”
O inimigo não poderia triunfar sobre Jó, ele fez do monturo em que se sentou um trono mais glorioso do que o trono de marfim de Salomão! Não podemos também perseverar até o fim? O que dificulta a Graça Divina de ser glorificada em nós?
Podemos mais uma vez dizer que a paciência de Jó é a virtude de quem assim se tornou uma grande força para o bem. “Você já ouviu falar da paciência de Jó”. Sim, e pessoas de todas as épocas já ouviram falar da paciência de Jó e o céu já ouviu falar da paciência de Jó, e o inferno já ouviu falar dela, também, e não sem resultados em cada um dos três mundos. Entre os homens, a paciência de Jó é uma força grande, mortal e espiritual. Esta manhã, quando meditando sobre ela, senti-me envergonhado e humilhado, como milhares fizeram antes de mim. Eu me perguntava: “O que eu sei de paciência quando eu me comparo com Jó?” E eu senti que eu era tão ao contrário do grande patriarca, como eu bem poderia ser.
Jó foi paciente e não somos. No entanto, como eu pensei sobre a paciência de Jó, isto me fez ter esperança! Se Jó foi paciente sob provação e aflição, por que eu não deveria ser paciente também? Ele era apenas um homem, e o que foi trabalhado em um homem pode ser feito em outro! Ele tinha Deus para ajudá-lo e eu também tenho. Ele poderia recorrer ao Redentor, e eu também posso.
II. Há uma grande e terna misericórdia de Deus manifestada na nossa paciência. “Tendes ouvido da paciência de Jó e vistes que fim o Senhor lhe deu; porque o Senhor é cheio de terna misericórdia e compassivo.”
Na história de Jó, deve ser considerado corretamente, que o Senhor estava em tudo. Não é uma narrativa em que o diabo é o único ator, e controlador de tudo. O Senhor está evidentemente presente. Foi ele quem desafiou Satanás a considerar Jó. Deus não estava longe, enquanto seu servo sofreu! Na verdade, se houvesse qualquer lugar onde os pensamentos de Deus foram centrados mais do que em qualquer outro lugar, na Providência, naquele tempo, era onde o homem íntegro e reto estava arcando com o ônus da tempestade. O Senhor estava governando, também.
Ele não estava presente como um mero espectador, mas como o dono da situação! Ele não entregou as rédeas a Satanás, longe disso, pois cada passo que o inimigo deu foi somente com a permissão expressa do Trono de Deus. Ele permitiu que ele atingisse o seu servo, mas segundo o limite que Ele definiu: “somente contra ele não estendas a tua mão.” Quando foi concluída a primeira prova, foi permitido que o inimigo assolasse o seu corpo, mas o Senhor acrescentou: “Mas poupa-lhe a vida.” Ao Cão do Inferno é permitido ladrar e rosnar, mas sua corrente não é removida e a coleira de contenção Onipotente está firmemente nele. Venham, queridos amigos, vocês que estão com problemas, lembrem-se que Deus está na sua tristeza, governando-lhes para o seu fim desejado. E vocês não sofreram, nem no futuro irão sofrer mais do que o Amor Infinito permitir!
Além disso, o Senhor estava abençoando Jó em toda a sua tribulação. Bênçãos incontáveis estavam vindo para o grande homem, enquanto ele parecia estar perdendo tudo. Não foi simplesmente que ele obteve uma porção dupla no final, mas o tempo todo, cada parte do processo da prova funcionou para o seu maior bem. O Senhor estava presente em todos os momentos do processo de refino, e quando este tinha chegado ao ponto adequado, nada mais deveria suceder a Jó que não fosse realmente benéfico para o cumprimento do propósito gracioso de Deus em relação a ele. A verdadeira misericórdia é obrigada, às vezes, a parecer difícil, por isso o mal pode ser grande e ao longo da vida e o cirurgião não deterá o bisturi até que o trabalho esteja concluído.
A misericórdia Eterna estava apresentando sua energia irresistível e Jó foi chamado a suportar a provação até que ela fizesse dele um sábio e melhor homem.
Tal é o caso com todos os santos aflitos. Podemos muito bem ser pacientes sob nossas provações, porque quando o Senhor as envia, Ele está governando todas as nossas circunstâncias. Ele está nos abençoando por elas, Ele está esperando para por um fim nelas. Não devemos nos submeter alegremente ao Pai de nossos espíritos? Não é este o nosso desejo mais profundo: “Seja feita a Tua vontade”? Vamos brigar com aquele que nos abençoa? Vamos nos aborrecer quando o fim da provação está tão perto e será tão abençoado? Não! Vemos que o Senhor é cheio de compaixão e de misericórdia e, por isso, vamos ter paciência.
Amados, vamos aceitar no futuro as tristezas com alegria, pois é o Amor Divino que vai acrescentar aos nossos anos quaisquer épocas tristes ainda por vir a nós. A vida de Jó poderia ter acabado na primeira etapa sem a provação, mas se o patriarca, com perfeito conhecimento de todas as coisas, poderia ter tido a sua escolha, não teria ele escolhido suportar a provação por causa de toda a bênção que viria da mesma? Nós nunca teríamos ouvido falar da paciência de Jó se ele tivesse continuado na sua prosperidade e a primeira parte de sua vida tivesse sido uma história comum muito pobre em comparação com a que hoje encontramos nas páginas das Escrituras!
Camelos, ovelhas, servos e filhos formam uma imagem de riqueza, mas podemos ver isso em qualquer dia! A visão rara é a paciência, isso é o que levanta Jó à sua verdadeira glória! Deus estava lidando bem com seu servo fiel e até mesmo recompensando sua retidão quando Ele o considerou digno de ser provado. O Senhor estava tomando o caminho mais seguro e mais amável para abençoar e honrar aquele que era um homem justo, temente a Deus e que se desviava do mal.
Sem dúvida, o Senhor viu algumas falhas no caráter de Jó, que não podemos ver, as quais Ele desejava remover e, talvez, Ele também marcou alguns toques de graça que precisavam ser providos a Jó e o Amor Divino se comprometeu em tornar o seu caráter perfeito.
Amados, nós não sabemos quem será abençoado por nossas dores, pelos nossos lutos, por nossas cruzes, se tivermos paciência em tudo isto! Especialmente este é o caso com os ministros de Deus, se Ele quiser fazer da tribulação o seu caminho para a utilidade. Se formos confortar as pessoas que sofrem, devemos, em primeiro lugar, ser afligidos nós mesmos. A tribulação vai tornar o nosso trigo apto a ser pão para os santos. A adversidade é o livro mais escolhido na nossa biblioteca, impresso em letras sombrias, mas grandiosamente iluminado!
Bildade, Zofar, ou Elifaz, eram “consoladores molestos” porque nunca tinham sido provados na aflição. Vocês, de quem Deus fará filhos da consolação para seus familiares, devem, em sua medida, passar pela escola do sofrimento, uma espada deve passar através de seus próprios corações, como Simeão disse a Maria. No entanto, vamos todos nos lembrar que a aflição não nos abençoará, se for impacientemente suportada. Se batermos na ponta da faca ela nos ferirá. Se nos rebelarmos contra as dispensações de Deus, podemos transformar medicamentos em venenos e aumentar nossa dor, recusando-nos a suportá-la. Seja paciente, seja paciente, seja paciente e da nuvem escura deve cair uma chuva abundante! “Você já ouviu falar da paciência de Jó”. Imite-o. “Você viu o fim que o Senhor lhe deu”. Sejam pacientes na tribulação. Alegrem-se nisto. “O Senhor é cheio de compaixão e de misericórdia.” Apresentem-se a ele. Oh Espírito Divino, planta em nós a doce flor da paciência, por amor do nosso paciente Salvador! Amém.
Texto de Charles Haddon Spurgeon, em domínio público, traduzido, adaptado e reduzido pelo Pr Silvio Dutra.