Uma grande devoção encherá nossas vidas com a maior paz e felicidade que podem ser desfrutadas neste mundo. Algumas pessoas talvez objetem que todas essas regras de vida santa diante de Deus em tudo o que fazemos, são uma grande restrição sobre a vida humana; e que também produzirão um estado ansioso, por introduzirmos esta relação com Deus em todas as nossas ações. E que, por nos privar de tantos prazeres aparentemente inocentes, transformarão nossas vidas em algo sem graça, inquieto, e melancólico. A isso pode ser respondido:
Em primeiro lugar, que estas regras são prescritas para uma finalidade muito contrária a isto. Que em vez de tornar as nossas vidas maçantes e melancólicas, elas vão torná-las cheias de conteúdo e fortes satisfações. Que por essas regras, somente trocamos os nossos contentamentos infantis de nossas paixões vãs e doentias, por alegrias sólidas, e verdadeira felicidade de uma mente sã.
Em segundo lugar, que, assim como não há fundamento para o conforto nos prazeres da vida, mas na certeza de que um sábio e bom Deus governa o mundo, portanto, quanto mais descobrimos Deus em tudo, quanto mais nos aplicamos a ele em todos os lugares, mais nós olhamos para ele em todas as nossas ações, mais nos conformamos à sua vontade, mais agimos de acordo com a sua sabedoria, e imitamos a sua bondade, pois quanto mais podemos desfrutar de Deus, participamos da sua natureza divina, e aumentamos tudo o que é feliz e confortável na vida humana, porque acharemos na pessoa do próprio Deus o nosso consolo e alegria, que são imutáveis, porque Deus é imutável, diferentemente das alegrias mundanas.
Em terceiro lugar, aquele que está se esforçando para dominar, e erradicar de sua mente todas aquelas paixões de orgulho, inveja e ambição, às quais a religião se opõe, está fazendo mais para se fazer feliz, mesmo nesta vida, do que aqueles que estão maquinando meios para saciá-los.
Porque essas paixões são as causas de todas as inquietações e vexações da vida humana: são os edemas e febres de nossas mentes, que nos vexam com falsos apetites, e inquietam com ânsias por coisas que não necessitamos, e estragam o nosso gosto pelas coisas que nos são adequadas.
Imagine que você viu em algum lugar ou outro, um homem que propôs a razão como a regra de todas as suas ações, que não tinha desejos senão pelas coisas como a natureza da religião requer e aprova, que era tão puro de todos os impulsos de orgulho, inveja e cobiça, assim como de pensamentos mórbidos, que nesta liberdade das paixões mundanas, ele tinha uma alma cheia de amor divino, desejando e orando para que todos os homens possam ter atendidas as suas necessidades das coisas do mundo, e ser participantes da glória eterna na vida por vir.
Imagine um homem que vive desta maneira, e sua própria consciência vai imediatamente lhe dizer que ele é o homem mais feliz no mundo, e que não está no poder da mais rica imaginação, inventar alguma felicidade maior no presente estado de vida.
E, por outro lado, se você imaginar que ele seja em qualquer grau menos perfeito, se você supor que ele está se sujeitando a uma afeição tola ou paixão vã, sua própria consciência voltará a lhe dizer, que ele diminuiu sua própria felicidade, e se furtou da verdadeira alegria das suas demais virtudes. Tanto isto é verdade, que quanto mais vivemos pelas regras da religião, mais pacífica e feliz tornaremos nossas vidas.
Ainda, assim como isto aparece, a verdadeira felicidade está apenas em ser obtida de maiores graus de piedade, de maiores negações de nossas paixões, e das regras mais rígidas da religião, de modo que a mesma verdade será vista em consideração à miséria humana, porque, se olharmos para o mundo, e visualizarmos as inquietações e angústias da vida do ser humano, veremos que todas elas são devido às nossas paixões violentas e irreligiosas.
Agora todos os problemas e mal-estar se baseiam na falta de uma coisa ou outra; que nós, portanto, para conhecermos a verdadeira causa de nossos problemas e inquietações, precisamos descobrir a causa do nossa necessidade, porque o que cria e multiplica nossas necessidades, no mesmo grau cria e aumenta nossas preocupações e inquietações.
O Deus Todo-Poderoso nos enviou ao mundo com muito poucas necessidades; comida, bebida, e vestuário, são as únicas coisas essenciais e necessárias para a manutenção da vida, e como estas são apenas as nossas necessidades atuais, assim o presente mundo está muito bem equipado para suprir essas necessidades.
Mas se a tudo isto se acrescentar, que esta vida curta, assim provida com tudo o que necessitamos na mesma, é apenas uma curta passagem para a eterna glória, em que seremos vestidos com o brilho dos anjos, e entraremos no gozo de Deus, poderíamos ainda mais razoavelmente esperar, que a vida humana deve ser de um estado de paz, e alegria, e prazer em Deus. Assim, certamente seria, se a boa razão tivesse seu poder total sobre nós.
Mas, infelizmente! se Deus, a natureza, e a razão, fazem portanto a vida humana, livre de necessidades, e tão cheia de felicidade, ainda assim nossas paixões, em rebelião contra Deus, contra a natureza e a razão, criaram um novo mundo de males, e preencheram a vida humana com necessidades imaginárias, e inquietações vãs.
O homem orgulhoso tem mil necessidades, que somente o seu próprio orgulho criou, e estas o tornam tão cheio de problemas, como se Deus lhe houvesse criado com mil apetites, sem criar tudo o que fosse apropriado para satisfazê-los. Inveja e ambição têm também as suas necessidades sem fim, que inquietam as almas dos homens, e por seus impulsos contraditórios, os tornam tão estupidamente miseráveis, como aqueles que querem voar e rastejar ao mesmo tempo.
Se a humildade é a paz e descanso da alma, então ninguém tem tanta felicidade provinda da humildade, como aquele que é o mais humilde. Se a inveja excessiva é um tormento da alma, aquele que mais se livra deste tormento é o que mais perfeitamente extingue cada centelha de inveja. Se há alguma paz e alegria, em fazer qualquer ação de acordo com a vontade de Deus, aquele que traz a maior parte de suas ações para essa regra, mais do que todos aumenta a paz e a alegria de sua vida.
E assim se dá em relação a todas as virtudes, se você agir de acordo com cada grau da mesma, mais felicidade você terá a partir dela. E assim, de cada vício, se você apenas diminuir seus excessos, você faz, senão pouco por si mesmo, mas se rejeitá-lo em todos os graus, então você sentirá a verdadeira leveza e alegria de uma mente reformada.
Como por exemplo: se a religião somente restringe os excessos de vingança, mas permite que o espírito de vingança ainda viva dentro de você, na melhor das hipóteses, a sua religião pode ter feito a sua vida um pouco mais decente exteriormente, mas não o fez em tudo mais feliz.
Mas se você tem uma vez sacrificado todos os pensamentos de vingança, em obediência a Deus, e está determinado em tornar o bem por todo o mal que tiver recebido, em todos os momentos, para poder se tornar mais semelhante a Deus, e para manifestar a sua misericórdia no reino de amor e glória, esta é uma elevada virtude, que fará você se sentir feliz.
Em segundo lugar, essas satisfações e prazeres, que uma piedade exaltada requer de nós por negarmos a nós mesmos, não nos privam de nenhum conforto real da vida.
Porque, primeiro, a Piedade não requer que renunciemos a qualquer modo de vida, onde podemos agir razoavelmente, e oferecer o que podemos fazer para a glória de Deus.
Todos os modos de vida, todas as satisfações e prazeres, que estão dentro destes limites, não nos são de modo algum negados pelas regras mais rigorosas da piedade. Tudo o que você pode fazer ou desfrutar, como na presença de Deus, como seu servo, como sua criatura racional, que tem recebido razão e do conhecimento dele, tudo o que você pode realizar em conformidade com a natureza racional, e com a vontade de Deus, tudo isso é permitido pelas leis da piedade. E você acha que a sua vida vai ser desconfortável, a menos que você possa desagradar a Deus, sendo um tolo, e louco, e agindo de forma contrária à da razão e da sabedoria que ele implantou em você?
E quanto àquelas satisfações, que não se atrevem a oferecer um Deus santo, que somente são inventadas pela loucura e corrupção do mundo, que inflamam as paixões, e afundam as nossas almas em grosseria e sensualidade, e nos tornam incapazes do favor divino, seja aqui ou no futuro, certamente não pode ser nenhum estado desconfortável de vida que possa ser resgatado pela religião de tal suicida, e para ser tornado capaz da felicidade eterna.
Se a religião proíbe todas as formas de vingança, sem qualquer exceção, é porque toda vingança é da natureza do veneno, e embora não tomemos tanto a ponto de por fim à vida, ainda se tomamos algum, ele corrompe todo o sangue, e faz com que seja difícil sermos restaurados à nossa saúde anterior.
Se a religião ordena uma caridade universal, amar o nosso próximo como a nós mesmos, para perdoar e orar por todos os nossos inimigos sem qualquer reserva, é porque todos os graus de amor são graus de felicidade, que fortalecem e sustentam a vida divina da alma e são tão necessários à sua saúde e felicidade, como o alimento é apropriado e necessário para a saúde e felicidade do corpo.
Se a religião tem leis contra ajuntar tesouros na terra, e nos ordena a nos contentarmos com alimento e vestuário, é porque cada outro uso do mundo, está abusando disto para nossa própria vexação, e para transformar todas as suas conveniências em laços e armadilhas para nos destruir. É porque esta clareza e simplicidade de vida, nos protege das preocupações e dores de orgulho inquieto e de inveja, nos torna mais mansos para manter a estrada em linha reta, que vai nos levar para a vida eterna.
Se a religião nos chama a uma vida de vigilância e oração, é em razão de vivermos entre uma multidão de inimigos, e estamos sempre necessitados da ajuda de Deus. Se devemos confessar e lamentar nossos pecados, é porque tais confissões aliviam a mente e a restauram, como fardos e pesos que são retirados dos nossos ombros.
Se devemos ser constantes e fervorosos em petições santas, é para nos manter constantes na visão de nosso verdadeiro bem, e que nunca possa faltar a alegria de uma fé viva, uma esperança de regozijo, e uma bem fundamentada confiança em Deus.
Se a religião nos ordena a viver totalmente para Deus e para fazer tudo para a sua glória, é porque todos os outros modos de viver, estão totalmente contra nós mesmos, e terminarão em nossa própria vergonha e confusão de rosto.
Como tudo é escuro se Deus não iluminar, como todas as coisas são sem sentido, quanto não têm sua parcela de conhecimento dele; como nada vive, senão participando da vida dele, como nada existe, senão porque ele ordena que seja, por isso, não há glória, ou grandeza, senão o que é para a glória ou grandeza de Deus.
Tradução e adaptação feitas pelo Pr Silvio Dutra, do décimo primeiro capitulo do livro de William Law, em domínio público, intitulado Uma Chamada Séria a Uma Vida Santa e Devota. William Law, foi professor e mentor por vários anos de John e Charles Wesley, George Whitefield – principais atores do grande avivamento do século XVIII, que se espalhou por todo o mundo – Henry Venn, Thomas Scott e Thomas Adam, entre outros, que foram profundamente afetados por sua vida consagrada a Deus, e sobretudo pelo conteúdo deste livro.