“43 Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós.
44 Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.
45 Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim.” (João 6.43-45)
43. “Não murmureis entre vós”. Jesus repreendeu a murmuração deles, como se tivesse dito: “A minha doutrina não contém nenhum fundamento para ofensa, mas porque vocês são reprovados, ela irrita o veneno que vocês trazem em seus corações, e a razão pela qual vocês não se deleitam com ela é porque têm um paladar viciado.”
44. “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o trouxer”. Ele não se limita a acusá-los de impiedade, mas também lembra-lhes, que é um dom peculiar de Deus abraçar a doutrina que é exibida por ele; o que ele faz, para que a incredulidade não perturbe mentes fracas. Porque muitos são tão insensatos que, nas coisas de Deus, eles dependem das opiniões dos homens; em consequência do que, eles entretêm suspeitas sobre o Evangelho, assim que veem que não é recebido pelo mundo. Os incrédulos, por outro lado, se lisonjeiam em sua obstinação, e têm a audácia de condenar o Evangelho porque não lhes agrada.
Em sentido contrário, portanto, Cristo declara que a doutrina do Evangelho, embora seja pregada a todos sem exceção, não pode ser abraçada por todos, pois uma nova compreensão e uma nova percepção são necessárias; e, por conseguinte, a fé não depende da vontade dos homens, porque é Deus quem a dá.
“Se o Pai não o trouxer”. “Vir a Cristo”, que está sendo usado aqui metaforicamente como “crer” – o Evangelista diz que as pessoas que são atraídas são aquelas cujos entendimentos Deus ilumina, e cujos corações ele inclina e transforma para a obediência a Cristo. A declaração equivale a isto: que não devemos perguntar se muitos se recusam a abraçar o Evangelho; porque nenhum homem, de si mesmo, jamais será capaz de vir a Cristo, mas Deus deve primeiro abordá-lo pelo seu Espírito; e, portanto, segue-se que nem todos são inclinados, a menos que Deus conceda esta graça àqueles a quem ele elegeu.
É verdade que, de fato, quanto ao tipo de inclinação, esta não é violenta, de modo a obrigar os homens por força externa; mas ainda é um poderoso impulso do Espírito Santo, que leva os homens a desejarem o que anteriormente não estavam dispostos, achando-se relutantes a abraçar. É uma afirmação falsa e profana, portanto, que ninguém é atraído, senão aqueles que estão dispostos a serem atraídos, como se o homem fosse obediente a Deus por seus próprios esforços; porque a vontade com que os homens seguem a Deus é a que eles já têm de si mesmos, por Ele ter inclinado seus corações a obedecê-lo.
(Nota do Tradutor: Por esta afirmação de nosso Senhor Jesus Cristo vemos que é de bom senso, no assunto da religião, que não tentemos buscar a salvação ou adorar a Deus de acordo com os meios inventados pela nossa própria imaginação, mas nos esvaziarmos de nossas convicções religiosas e adquirirmos aquelas que Cristo e seus apóstolos nos ensinam na Bíblia, dependendo inteiramente de Deus por nos entregarmos a Cristo, pela fé nele e no que nos tem ensinado, para que o Espírito Santo o aplique aos nossos corações.)
“Está escrito nos profetas”. Cristo confirma com o testemunho de Isaías o que ele disse, no versículo anterior, que ninguém pode vir a ele, a não ser que seja trazido pelo Pai. Ele usa a palavra profetas no plural, porque todas as suas profecias tinham sido reunidas num único volume, de modo que todos os profetas poderiam ser considerados um único livro. A passagem que é aqui citada encontra-se em Isaías 54.13, onde, falando da restauração da Igreja, ele promete a ela, filhos ensinados pela instrução de Deus. Por isso, pode ser facilmente inferido, que a Igreja não pode ser restaurada de qualquer outra forma que não seja por Deus realizar o ofício de um Instrutor, e trazer os crentes a si mesmo. A forma de ensino, da qual o profeta fala, não consiste simplesmente na voz exterior, mas igualmente na operação secreta do Espírito Santo.
Em suma, este ensinamento de Deus é a iluminação interior do coração.
“E serão todos ensinados por Deus”. A palavra todos deve ser limitada aos eleitos, os únicos que são os verdadeiros filhos da Igreja. Agora, não é difícil ver de que maneira Cristo aplica esta predição ao presente assunto. Isaías mostra então que a Igreja é somente verdadeiramente edificada, quando ela tem seus filhos ensinados por Deus em Cristo, portanto, conclui que os homens não têm olhos para contemplar a luz da vida, até que Deus lhos abra.
“Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido”.
A soma do que é dito é, que todos os que não creem são afirmados por Cristo serem reprovados e condenados à destruição; porque todos os filhos da Igreja e herdeiros da vida são transformados por Deus em seus discípulos obedientes. Daí segue-se que não há um só de todos os eleitos de Deus, que não seja participante da fé em Cristo. (E isto não por qualquer mérito que haja neles, senão exclusivamente por terem sido atraídos por Deus a Cristo e à vida de obediência que eles acolheram voluntariamente – nota do tradutor). Mais uma vez, como Cristo anteriormente afirmou que os homens não são habilitados para crerem, até que tenham sido atraídos, então ele agora declara que a Sua graça, pela qual são atraídos, é eficaz, de modo que necessariamente creem.
Estas duas cláusulas absolutamente derrubam todo o poder do livre-arbítrio para a salvação, porque se é apenas quando o Pai nos atraiu que começamos a vir a Cristo, não há em nós qualquer início de fé, ou qualquer preparação para isso. Por outro lado, se todo o que vem é porque o Pai lhe ensinou, Ele dá a eles não somente a escolha de crer, mas a própria fé. Quando, portanto, voluntariamente nos rendemos à orientação do Espírito, isto é uma parte, e, por assim dizer, um selo da graça; porque Deus não iria nos chamar, se Ele fosse apenas estender a sua mão, e deixar a nossa vontade, em um estado de suspense. Mas em estrita propriedade de linguagem Ele diz que nos atrai, quando Ele estende o poder do seu Espírito para o efeito pleno da fé.
É dito daqueles que ouvem a Deus, que voluntariamente concordam com Deus falando-lhes no seu interior, porque o Espírito Santo reina em seus corações.
“Vem a mim”. Jesus mostra a conexão inseparável que existe entre Ele e o Pai. Porque o significado é, que é impossível que qualquer um que seja discípulo de Deus não obedeça a Cristo, e que aqueles que rejeitam a Cristo se recusam a ser ensinados por Deus; porque a única sabedoria que todos os eleitos aprendem na escola de Deus é, para vir a Cristo; porque o Pai, que o enviou, não pode negar a si mesmo.
Texto de João Calvino, traduzido e adaptado por Silvio Dutra.