Os dons espirituais exaltam e manifestam a glória de Cristo através da Igreja, porque quando subiu aos céus concedeu tais dons sobrenaturais à mesma, pelo derramar do Espírito Santo, de modo que o Seu nome seja exaltado através da manifestação deles.
Estes dons sobrenaturais extraordinários, citados neste 12º capítulo de I Coríntios, estão destinados a desaparecer por ocasião da segunda vinda do Senhor, no entanto, até que venha, Ele há de usá-los para a edificação mútua dos cristãos, para o desempenho do serviço do ministério, e para a glória do Seu santo nome.
Antes de qualquer comentário específico sobre os dons, é bom mantermos sempre em vista que eles são distribuídos pelo Espírito para um propósito proveitoso em relação ao reino de Cristo, na conversão e edificação dos eleitos, e portanto, são concedidos tanto em número quanto em diversidade, de acordo com as necessidades presentes e locais. Por isso abundavam na Igreja Primitiva, sobretudo quando o evangelho começou a ser pregado em todo o mundo, especialmente para a confirmação de que a Palavra pregada era a verdade, e isto continuou ocorrendo até hoje, à medida que áreas pioneiras são alcançadas para o evangelho, nas quais Cristo nunca fora pregado antes.
Paulo fala que os dons do Espírito devem ser procurados com zelo, e os melhores dons, a saber, os que são mais necessários para a edificação da Igreja, mas o fruto do Espírito é o caminho mais excelente em cuja busca os cristãos devem se empenhar com igual zelo (v. 31), e por isso, o apóstolo abriu um parêntesis entre os capítulos 12 e 14 nos quais discorre sobre os dons sobrenaturais extraordinários, para falar do principal fruto do Espírito, que é o amor, no capítulo 13 de I Coríntios.
No entanto, não se pode desprezar os dons espirituais extraordinários, por serem adventícios, ou seja, eles vêm e vão e se manifestam conforme a ação do Espírito Santo, sem no entanto serem incorporados à nossa natureza, como é o caso da graça que transforma os nossos corações, porque um dos trabalhos do Espírito, para o aperfeiçoamento da nova criatura, ou edificação da Igreja, consiste na comunicação dos Seus dons espirituais aos seus membros.
Pelo Seu trabalho de salvação pela graça, Ele torna todos os eleitos, pedras vivas; e pela comunicação destes dons Ele edifica estas pedras num templo para a habitação do Deus vivo.
Ele os une espiritualmente num corpo místico, sob o Senhor Jesus Cristo como cabeça para governá-los, por meio de dons e habilidades espirituais.
Através dos dons a natureza deles é feita uma unidade por graça com e através do uso dos vários dons, assim como o corpo humano físico tem muitos órgãos com diferentes funções.
Todo cristão é uma parte do corpo de Cristo, da mesma essência dele, animados pelo Espírito de graça, mas uma pessoa é olho, outra mão, outra pé, no corpo, em virtude dos diferentes dons, porque a graça está distribuída a cada cristão na medida do dom de Cristo (Ef 4.7).
Os dons espirituais são “os poderes do mundo vindouro” referidos em Hb.6; e são operações eficazes do poder de Cristo por meio das quais o Seu reino foi erguido e é preservado.
Por exemplo, pelo dom de conhecimento e sabedoria, os ministros continuam sustentando a pregação do evangelho em todo o mundo, e sem isto seria impossível pregar com poder. E a medida deste poder é regulada por Deus, sendo maior ou menor, conforme a extensão do trabalho ministerial de cada um. Por exemplo, foi dado aos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, uma medida de poder espiritual, para exercerem os seus ministérios, muito maior do que é dada aos crentes em geral, e assim eles foram habilitados para nos transmitirem a palavra da verdade do evangelho conforme se encontra registrada nas Escrituras.
Os ministros precisam portanto, de um dom especial de oração e pregação que o Espírito Santo lhes comunica.
E é por meio dos dons que a Igreja debaixo do Novo Testamento se diferencia daquilo que foi debaixo do Velho.
Realmente há uma grande diferença entre as suas ordenações e as nossas, porque o que estava vestido de sombra na Antiga Aliança, está acomodado na luz mais clara do evangelho, de modo que as coisas divinas estão mais clara e expressamente manifestadas a nós (Hb 10.1).
A principal diferença consiste na ministração do Espírito para o desempenho devido da adoração no evangelho em virtude destes dons dados aos cristãos para tal fim.
Consequentemente o todo da adoração evangélica é chamado de “ministério do Espírito”, e por isso é dito que é mais gloriosa (II Cor 3.8) que a que fora feita por Ele no Velho Testamento.
A graça e a verdade que vieram por meio de Jesus Cristo são manifestadas através dos dons na Igreja, e então quando estes são negligenciados, consequentemente é perdida a glória inteira desta graça e verdade, bem como sua força e eficácia.
Embora os dons não sejam, nenhuma graça permanente e eterna, contudo são os grandes meios através dos quais toda graça é exercitada, e embora a vida espiritual da Igreja que permanecerá na eternidade não consista neles, contudo a ordem e edificação da igreja dependem completamente deles.
E por isso são tão frequentemente mencionados na Bíblia como o grande privilégio do Novo Testamento.
Por isso encontramos nos escritos dos apóstolos instruções quanto à natureza e ao seu uso apropriado.
E nos é ordenado seriamente que os busquemos, especialmente aqueles dons que são mais úteis e que sirvam para a edificação (I Cor 12.31).
Cabe destacar que antes de tal ordem, Paulo havia descrito nos versos anteriores, a quais dons estava se referindo agora mais especificamente, conforme podemos ver nos versos 28 a 30:
“28 E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas.
29 Porventura são todos apóstolos? são todos profetas? são todos doutores? são todos operadores de milagres?
30 Têm todos o dom de curar? falam todos diversas línguas? interpretam todos?”.
Nós podemos observar que há uma citação de ofícios juntamente com capacitações.
Ele falou de apóstolos, profetas, mestres (doutores), operadores de milagres, ao lado dos dons de curar, de socorros, governos e variedades de línguas.
Todas estas capacitações serão extintas quando a Igreja estiver glorificada no céu, mas são absolutamente necessárias aqui na terra, para que ela cumpra a missão da qual foi encarregada por Cristo.
Destes dons citados, gostaríamos apenas de comentar o relativo a governos (v. 28), que no original grego vem da palavra kubernesis, cuja única ocorrência no Novo Testamento é citada nesta passagem.
Vemos que os vários tipos de governos existentes na Igreja demandam que a pessoa tenha este dom espiritual.
Não se trata portanto de capacitações e habilitações seculares, mas de um dom que é concedido pelo Espírito àqueles que são chamados a exercerem as funções relacionadas à liderança, como a de apóstolo, profeta, pastor e mestre; de modo que a chamada pode ser identificada pelo recebimento dos dons necessários ao desempenho do ministério.
Ninguém deve portanto, se intrometer nestas sagradas funções caso não possua o citado dom, o que será notório a todos que são verdadeiramente espirituais, porque discernirão que a pessoa estará exercendo liderança na carne, e não por uma chamada e capacitação especial e sobrenatural que lhe tenha sido concedida pelo Espírito.
O nome geral desses dons espirituais no original grego em Ef 4.8, correspondente ao Salmo 68.18 é dóma, que significa dádiva, presente, e na particularização de cada um deles, a palavra usada no grego em I Cor 12 é carisma, que significa graça, dom, favor sem a consideração dos nossos méritos, isto é, são efeitos gratuitos e imerecidos da generosidade divina.
Nas mentes e espíritos dos homens aos quais são dados, eles são poderes espirituais e dons para atingir um determinado fim; mas quanto à sua causa original e principal, são presentes grátis, imerecidos.
Consequentemente o Espírito Santo, como o seu autor, é chamado por Jesus em João 4.10 de “dórean tou Theou” que significa “dom de Deus”. E o próprio efeito também é chamado de “dórean tou Pneumaton”, isto é “dom do Espírito Santo”, em Atos 10.45; e em Atos 8.20 de “dom de Deus”; em Ef 3.7 de “o dom da graça de Deus”; em Ef 4.7 de “dom de Cristo” e em Hb 6.4 de “dom celestial”.
Em todos estes textos nós vemos que é referido na comunicação dos dons espirituais, a gratuidade da sua concessão pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo.
Por isso são chamados de carismatas, isto é dons gratuitos, presentes que procedem de mera generosidade.
E por isso as graças salvadoras são também expressadas geralmente pelo mesmo nome de carismatas porque são também livremente comunicadas a nós (Rom 11.28).
Mas os dons espirituais são frequentemente assim nomeados, como se vê em Romanos 12:6; I Coríntios 1:7, 7:7, 12:4,9,28,30; II Timóteo 1:6; I Pedro 4:10.
E é principalmente a sua gratuidade absoluta que está implícita no uso deste nome.
Consequentemente aquele que pensou que poderia comprá-los com dinheiro ficou debaixo de uma maldição porque pensou comprar o dom gratuito de Deus com dinheiro – At 8.20.
Por isso incorrem em grave pecado todos aqueles que fazem da obra de Deus e da pregação do evangelho um comércio e ocasião para obtenção de lucro pessoal, porque o que foi recebido de graça, deve ser concedido de graça, por causa da própria natureza gratuita do que Deus tem concedido aos pecadores em Cristo Jesus.
E cabe lembrar que será principalmente nisto que consistirá a apostasia dos últimos dias, a saber, o ato de mercadejar a Palavra de Deus, porque configura a clara perversão da natureza mesma do evangelho da graça de Deus, manifestada principalmente na gratuidade do recebimento dos dons do Espírito, em cujo nome está referida tal gratuidade.
Com a falta de gratuidade afasta-se o poder do Espírito, que não pode operar em bases diferentes daquelas que estão estabelecidas por Deus para que tudo no evangelho seja por graça e mediante a fé.
Quanto ao significado pleno da palavra dom, conforme se encontra no Novo Testamento, nós temos a especificação indicada pela palavra grega pneumatika, que lhe é acrescentada, e que significa espiritual.
Assim, são dons, mas dons espirituais (I Cor 12.1; 14.1).
Assim não são dons naturais e nem morais, mas espirituais; e isso indica que a sua natureza é espiritual, e os objetos nos quais são exercitados são também coisas espirituais.
Em Hebreus 2.4 os dons são chamados de distribuições, ou partições do Espírito Santo, não significando isto que o Espírito Santo seja dividido, mas que é Ele que distribui os dons conforme é da Sua vontade.
E é ordenado em I Cor 12.31 que se busque com zelo os melhores dons.
Estes melhores no original grego é kreitton, que significa os mais úteis, os melhores para o serviço.
Os dons são repartidos, distribuídos pelo Espírito, de forma diversificada no corpo de Cristo, de modo que ninguém possui todos os dons, como se infere do dizer de Paulo em I Cor 12.29, 30:
“Porventura, são todos apóstolos? Ou, operadores de milagres? Têm todos dons de curar? Interpretam-nas todos?”.
E Deus faz isto em Sua sabedoria infinita de forma que todos dependam uns dos outros na Igreja, para a sua edificação pessoal.
Por exemplo, a ovelha depende da pregação do pastor, e o pastor depende da oração das ovelhas por ele para que tenha o que pregar.
E esta dependência na diversidade é o que coopera para a manifestação do amor na unidade do corpo, na justa cooperação de cada membro, para a edificação da igreja, pelo uso dos dons recebidos de Deus, e que são necessários para o benefício de todo o corpo, assim como todos os órgãos são necessários para o pleno funcionamento do corpo humano.
Esta variedade e diversidade dos dons, conforme o apóstolo Paulo comprova, é para o ornamento e benefício da igreja (I Cor 12.15-25).
E assim a igreja é um corpo orgânico, em razão desta variedade na distribuição de dons diferentes para os diversos membros do corpo, e é no uso correto destes dons em que consiste a harmonia, beleza, segurança e funcionamento do todo.
Assim, onde houvesse apenas dons de um mesmo tipo, não haveria um corpo, mas um só membro; e onde não há nenhum dom, não há nenhum corpo animado, mas uma carcaça morta.
Como dissemos, esta distribuição diversificada, variada, é um ato do Espírito Santo (I Cor 12.4).
E a edificação da igreja é a finalidade geral de todos os dons.
Como os dons são também designados por diakonian, no grego, isto é, ministrações (I Cor 12.5), são portanto habilidades por meio das quais é possível ministrar coisas espirituais para o benefício e edificação de outros.
Por isso são designados por operações ou funcionamentos eficazes (I Cor 12.6), porque produzem os efeitos esperados naqueles em quem são ministrados.
E finalmente são chamados por Paulo de manifestações do Espírito (I Cor 12.7), porque é por eles que o Espírito manifesta o Seu poder e presença na igreja, pelos efeitos produzidos pelos Seus dons, e que evidenciam que o Espírito está neles, por serem determinados e forjados por Ele, conforme Seu próprio poder e graça, de modo que não o possuidor do dom, mas Deus seja glorificado, pelo reconhecimento dAquele que realmente operou.
Os dons são efeitos da operação do Espírito nos homens, mas não são graças que estarão ligadas para sempre à sua natureza.
Assim como o remédio faz o seu efeito e é expelido pelo organismo, de igual modo os efeitos dos dons trabalham no mundo espiritual depois de terem operado o efeito designado por Deus.
Assim é até possível que pessoas recebam dons do Espírito sem que nunca tenham recebido o Espírito para o fim principal que Ele é prometido que é o de regeneração e santificação dos pecadores, transformando-os em filhos de Deus.
Lembramos que Judas era do maligno, filho da perdição, e teve certamente dons do Espírito quando atuava com os demais apóstolos, porque ninguém desconfiou naqueles três anos que ele trairia Jesus, e que era um diabo (opositor da obra de Deus) e não um verdadeiro eleito.
Assim como de Judas, de muitos pode ser dito que são feitos participantes do Espírito quanto aos efeitos externos dEle, nestas operações relativas aos dons, que se manifestam nos homens que ele quiser, por ação da Sua influência e poder, ainda que estes continuem irregenerados.
Jesus tinha escolhido os apóstolos, e os dotou dos dons extraordinários necessários para a realização do trabalho que tinham que realizar, mas um deles, como vimos antes, continuou sem as graças santificadoras, e não se encontrava em nenhuma condição melhor que a do diabo; ainda que em virtude desta escolha para o apostolado para um determinado tempo, tivesse sido dotado com os mesmos dons espirituais que haviam sido dados aos demais apóstolos.
Judas teve interesse na eleição para o apostolado para fins interesseiros, tanto que a aceitou, mas não tinha qualquer interesse na eleição eterna, que consiste na santificação pelo Espírito.
Assim, por serem os dons concedidos por uma eleição temporária, e não eterna como é a que é pela graça salvadora, então Deus pode chamar a qualquer um para o trabalho na igreja, e Ele lhes dará os dons que forem necessários para o próprio objetivo deles.
Esta é a razão porque mesmo ministros eleitos, que têm a salvação pela graça em Jesus Cristo, podem ainda pregar com poder, ou profetizar, ou manifestar qualquer dom espiritual, como por exemplo falar em línguas, mesmo quando não estão com suas vidas santificadas, porque como vimos antes, até mesmo incrédulos podem receber estes dons extraordinários.
E isto não é nenhum favor a eles ou vantagem, porque só servirá para agravar a sua condenação porque mesmo debaixo da manifestação dos poderes sobrenaturais do Espírito sobre eles, nem assim se arrependeram de seus pecados e se converteram a Cristo.
E este mau exemplo deles não deve portanto servir de motivo para colocarmos algum tipo de menosprezo nos dons espirituais, como se fossem algo que possa ser negligenciado ou desprezado em razão deste uso por pessoas que não estejam santificadas pela graça, porque são absolutamente necessários para a realização do ministério.
Isto ocorre para servir de alerta aos verdadeiros cristãos para que não descuidem da santificação de suas vidas, pela mortificação do pecado, e por um andar obediente à Palavra, mediante o Espírito, e que não se deixem iludir até mesmo pela abundância de operações que lhes é concedida manifestarem através dos dons espirituais, porque, como vimos, não fazem parte das graças santificantes e eternas, e não deve portanto, ser medida por eles o grau da nossa santificação, senão pelos frutos que temos dado para Deus.
É pelo fruto que se conhece a árvore.
A advertência do apóstolo Paulo aos cristãos da igreja de Corinto continua se aplicando a todos nós e em todas as épocas da igreja.
Muitos falsos profetas disfarçados em pele de ovelha, e agindo dissimuladamente, estarão operando prodígios e maravilhas no tempo do fim, e somos advertidos pelo Senhor e pelos apóstolos a nos acautelarmos deles, de forma que não nos deixemos impressionar e levar pelos sinais que realizam, ainda que em nome de Cristo.
Somos chamados a conhecê-los pelo fruto do Espírito em suas vidas, e não pelos dons extraordinários, porque muitos expulsarão demônios, profetizarão, realizarão milagres, com grande zelo na igreja, em nome de Cristo, e Ele declarará a um grande número deles que não fazem parte do Seu rebanho.
Todavia, aquele que tiver o dom de profetizar não deve se intimidar por haver algum Saul ou Balaão também entre os profetas.
Lembram das cidades de Corazim e Betsaida?
Dos nove leprosos que foram curados e que não voltaram para dar glória a Deus?
E isto continua e continuará ocorrendo na ministração do evangelho, porque muitos que estiverem debaixo da influência do poder do Espírito Santo, e até mesmo sendo participantes das suas operações, não chegarão no entanto a se converterem a Deus.
E é muito importante que os ministros do evangelho saibam disto para que não se precipitem a arrolarem tais pessoas no rol de membros de suas igrejas por terem visto tais manifestações sobrenaturais nas suas vidas.
Assim, muitos podem ser participantes da ministração externa dos dons espirituais, e não serem feitos participantes da graça eficaz do Espírito que regenera e santifica.
É importante destacar em relação a isto que aqueles que são participantes da graça salvadora que há em Cristo Jesus, são objeto do Seu ofício sacerdotal, na realização da mediação que Ele faz entre o Pai e os filhos adotados por Ele por causa desta Sua mediação como sumo sacerdote da nossa fé.
Os dons espirituais procedem somente do poder e do ofício de Rei de Cristo.
E isto explica em parte a possibilidade de serem alvo da recepção dos dons espirituais pessoas que não estejam unidas a Ele pela fé, e que não foram portanto transformadas em filhos de Deus.
Ele foi exaltado à destra de Deus para conceder dons aos homens, e no Salmo 68.18 se afirma que estes dons seriam concedidos até mesmo a rebeldes, não como forma da aprovação da sua rebeldia por Deus, mas para demonstrar a soberania de Cristo como Senhor de todos os homens, ainda que não seja o Salvador de grande número deles, por não se arrependerem de seus pecados.
E tendo sido designado como cabeça sobre todas as coisas, Ele recebeu a promessa do Espírito do Pai, para distribuir estes dons como bem Lhe apraz.
Deste modo até mesmo ao mundo não salvo, que não foi santificado, Ele não se deixa sem testemunho sobre o Seu poder real sobre toda a carne, porque além de dar vida eterna a todos os que o Pai lhe tem dado (Jo 17.2) – mas por ser isto completamente invisível para o mundo, Ele manifesta o Seu senhorio através de outras evidências pelos julgamentos que efetua no mundo, e pela manifestação dos dons espirituais, que são os poderes do mundo novo que passaram a operar desde a Sua morte e ressurreição, porque, por exemplo, não se sabe de tais operações do Espírito Santo em todas as nações da terra, senão somente depois do dia de Pentecostes, que ocorreu por causa da obra realizada por Jesus.
E o Senhor manifesta a Sua soberania em juízo quanto ao mau uso dos dons, porque aqueles que os receberam e manifestaram estes dons em grande escala, podem tê-los apagados, como tendo sido destituídos deles, por negligência ou mau uso dos dons, de modo que o poder soberano do Senhor é manifestado na repreensão que passa em suas vidas.
Quantos pregavam com poder e agora são como trombetas enferrujadas, com suas consciências doloridas, e que já não soam mais, lançadas a um canto de um quarto escuro.
Nestes que têm os seus dons deteriorados se cumpre a palavra de Zac 11.17:
“Ai do pastor inútil, que abandona o rebanho! A espada cairá sobre o seu braço e sobre o seu olho direito; e o seu braço completamente se secará, e o seu olho direito completamente se escurecerá.”.
E quando isto acontece, mesmo quando ficam sensatos da sua condição, e mesmo que venham a se envergonhar dela, é possível que não venham mais a poder se recobrar, porque estão debaixo de uma sentença de juízo do Senhor sobre eles.
Por isso é importante saber fazer distinção entre a graça salvadora que é o dom irrevogável de Deus para todos os cristãos em Jesus Cristo, e os dons temporários do Espírito, que o Senhor distribui conforme Lhe apraz, e administra em conformidade com a Sua própria soberania e juízo.
Muitos foram afastados por Ele do ministério sem que pudessem jamais se levantar para voltar à realização da sua função com o mesmo poder anterior, porque lhes foram retirados os dons espirituais, ainda que não a sua salvação.
Para evitar a autoproclamação de ter recebido de Deus este ou aquele dom, ofício ou ministério, geralmente isto é confirmado pela igreja, especialmente pelos seus profetas.
Daí a importância de se ter na igreja o empenho pela busca dos melhores dons, de modo que havendo, como havia na Igreja de Antioquia, mestres e profetas, que não tinham apenas o dom de profetizar e ensinar, mas também que jejuavam e oravam, e por isso puderam receber a ordem do Espírito Santo de imporem as mãos sobre Paulo e Barnabé para serem enviados aos gentios.
O próprio Timóteo recebeu o seu dom de evangelista por profecia (I Tim 4.14; II Tim 1.6; 4.5) com imposição de mãos de Paulo e dos presbíteros, de modo que houve um reconhecimento da igreja em relação à sua chamada.
Se alguém, portanto, se autoproclama pastor, evangelista, profeta, mestre ou qualquer outra função sem esta chamada de Deus pelo reconhecimento da igreja, por outros dons que confirmem tal chamada, tal pessoa é um impostor na obra de Deus, porque a igreja é um corpo onde nenhum membro atua isoladamente.
Ainda falando sobre o ofício de evangelista cabe destacar que não têm, enquanto na realização da função que foram chamados a cumprir, um trabalho fixo, como o dos pastores, que são constituídos sobre o governo de congregações locais.
Eles devem pregar o evangelho em todos os lugares e a todas as pessoas, conforme lhes seja dada ocasião.
Nós temos um exemplo de evangelista na pessoa de Wesley, que atuava como um evangelista tendo debaixo da sua supervisão vários ministros fixos que atuavam nas congregações fundadas por ele ou por aqueles que estavam ligados a ele na liderança do movimento metodista, que veio a se tornar posteriormente numa denominação.
Entretanto, não padece dúvida que Wesley foi levantado juntamente com outros para tirar a igreja do estado de dormência em que se encontrava, e que aquele seu trabalho era de fato um avivamento que havia sido produzido pelo Espírito Santo em seus dias.
Nós temos menção ao ofício de profetas no Novo Testamento em passagens como I Cor 12.28; Ef 4.11; At 13.1,2.
Não padece dúvida que são oficiais extraordinários sem o ofício de governo da igreja, mas que são colocados em ordem de importância para a igreja logo depois dos apóstolos (I Cor 12.28; Ef 4.11), e isto era especialmente decorrente da importância do seu ofício principalmente nos dias em que a igreja estava sendo fundada pelos apóstolos, porque foi por eles que o Espírito Santo revelava e confirmava as suas direções e instruções específicas, principalmente para o trabalho missionário da igreja.
Veja que foi por eles que o Espírito separou a Paulo e a Barnabé.
E assim são relacionados em Ef 4.11 entre os apóstolos e os evangelistas, cujo trabalho (dos evangelistas) nos dias apostólicos era de maior extensão e importância do que os dos próprios pastores e mestres, que vêm relacionados logo depois deles, nesta ordem.
Pelo ministério dos profetas do Novo Testamento o Espírito Santo deu portanto revelações e direções imediatas quanto ao dever da igreja.
Eles predisseram as coisas por vir pela inspiração do Espírito, nas quais o dever ou edificação da igreja estavam envolvidos.
Assim Ágabo predisse a escassez que haveria nos dias de Cláudio César, de modo que se fizessem provisões, antecipadamente, para os santos pobres de Jerusalém, de forma que não viessem a sofrer por isto (At 11.28-30).
Ágabo foi usado por Deus naqueles dias para o bem do Seu povo, tal como havia usado José nos dias do Antigo Testamento no Egito.
E o mesmo Ágabo profetizaria depois quanto aos sofrimentos de Paulo em Jerusalém (At 21.10,11) e a mesma coisa havia sido revelada aos profetas que estavam na maioria das igrejas pelas quais Paulo havia passado, porque ele próprio deu este testemunho de que o Espírito vinha lhe dizendo de cidade em cidade quanto às aflições que teria que enfrentar (At 20.22,23).
Assim, a profecia daqueles profetas foi confirmada pelo Espírito através da profecia de Ágabo, que era sem qualquer sombra de dúvida um profeta do Senhor.
Então o ministério dos profetas é usado pelo Espírito para consolar, edificar e exortar a igreja, de forma que ela possa cumprir a missão que tem no mundo de dar testemunho de Cristo.
Deve-se no entanto ser feita a distinção entre o ofício e o simples dom de profetizar, porque Ágabo tinha tanto o dom quanto o ofício, mas das quatro filhas de Filipe, o evangelista, se diz apenas que profetizavam (At 21.9) e não é dito que eram profetisas na igreja, com um ofício regular recebido de Deus para ministrarem na igreja.
Quanto ao ofício de profeta depois dos dias apostólicos, temos razão de pensar que tenha passado ou seja muito raro, porque estava associado à necessidade da fundamentação da igreja, e como este fundamento já foi lançado e concluído pelos apóstolos, não há razão para se pensar na continuidade deste ofício, tanto quanto o de apóstolo, mas cabe ressaltar que se o ofício foi extinto, não foi contudo o do dom de profetizar que pode ser concedido a qualquer cristão para um fim útil na edificação da igreja.
Veja que é dito dos doze discípulos de João que Paulo encontrou em Éfeso, que tanto falaram em línguas quanto profetizaram.
Aqui está bastante claro, que não foram constituídos profetas do Senhor na Igreja, mas que receberam o dom de profetizar naquela ocasião, que pode ter sido manifestado ou não posteriormente neles.
De igual modo devem ser considerados os profetas que são citados em I Cor 14.29-33, isto é, não eram oficiais nas igrejas mas pessoas que haviam recebido o dom extraordinário de profecia, conforme este é citado em Rom 12.6.
Quanto aos dons de sinais e maravilhas que eram feitos pelas mãos dos apóstolos (At 14.3) não podemos certamente falar da cessação total destes dons, porque Deus ainda tem operado na igreja fazendo sinais e maravilhas, mas evidentemente não na mesma medida e grau que o fizera quando da confirmação da verdade que estava sendo pregada pelos apóstolos.
Estas operações miraculosas eram o testemunho do Espírito Santo enviado do céu para confirmar a verdade do evangelho conforme é afirmado em Hebreus 2.4.
Como esta verdade já está confirmada nas Escrituras, não há porque pensar que um verdadeiro ministério de poder do Espírito Santo tenha que ser acompanhado obrigatoriamente pela intensa realização de sinais e maravilhas, como foi no princípio em que até mesmo a sombra de Pedro e os lenços de Paulo curavam toda sorte de enfermidades, nos primeiros anos de pregação do evangelho.
O poder de Deus permanece o mesmo, mas as operações do Espírito Santo são manifestadas pela Sua exclusiva soberania e sempre em propósitos santos, sábios e elevados, e nunca para satisfazer a mera curiosidade ou expectativa das pessoas.
O Senhor ainda cura enfermidades, e não há qualquer impossível para Ele, mas se haverá uma mesma demonstração de poder em cura de cegos de nascença, de paralíticos e de toda sorte de enfermidades como nos dias de Jesus e dos apóstolos, isto não foi, por enquanto, testemunhado em qualquer parte, na mesma dimensão dos dias apostólicos, nestes dois mil anos de história da igreja, mas como não sabemos o que Deus tem reservado por Sua exclusiva autoridade, devemos estar abertos para até mesmo operações, em graus ainda maiores do que aqueles, mas que não pensemos que será nisto que se comprovará a existência do poder do Espírito Santo entre nós, porque são diversas as suas ministrações e operações, que Ele realiza conforme Lhe apraz, sempre para propósitos úteis (I Cor 12.7-11). E como dissemos anteriormente, a palavra da verdade já foi confirmada pelos sinais e maravilhas dos apóstolos, e já se encontra, desde então e para sempre, registrada na Bíblia.
Aquele que justifica os pecadores foi a causa do exercício de todos os dons miraculosos, que operaram no mundo desde a Sua morte na cruz, como nunca se viu antes, indicando assim que não há salvação em nenhum outro Nome.
O dom espiritual chamado pelo apóstolo de dom de “palavra de sabedoria” foi o dom que deu especialmente aos apóstolos a capacidade de entenderem os mistérios do evangelho, pela iluminação e ensino do Espírito Santo, principalmente para a produção dos escritos do Novo Testamento e para ser lançado o fundamento no qual a igreja foi e é edificada.
Este dom nada tem a ver portanto com a sabedoria deste mundo para conhecer realidades relativas ao mundo natural, para o conhecimento chamado científico ou filosófico; porque se trata de uma capacitação sobrenatural e espiritual conferida pelo Espírito Santo aos cristãos, para usarem com sabedoria aquilo que lhes foi concedido gratuitamente por Deus, em Cristo Jesus.
É por este mesmo dom que o Espírito Santo ilumina as mentes dos cristãos e especialmente aos pastores para que possam conhecer e discernir a verdade relativa ao evangelho, para que possam pregá-la e ensiná-la com poder.
Esta é aquela sabedoria à qual os inimigos do evangelho não podem resistir (Lc 21.15).
E o dom é de palavra de sabedoria e não apenas sabedoria, porque ele é exercido por meio do uso da palavra ensinada pelo Espírito, tanto na pregação quanto na defesa do evangelho.
Foi este dom que propiciou a Estevão enfrentar os inimigos da verdade, ainda que tivesse sido martirizado sob eles (At 6.10); e que concedeu discernimento e autoridade aos apóstolos para enfrentarem o sinédrio (At 4).
Quando Pedro se referiu às epístolas de Paulo ele afirmou que ele as escreveu de acordo com a sabedoria que lhe havia sido dada (II Pe 3.15).
Não padece dúvida que foi o dom especial da palavra de sabedoria espiritual que permitiu a Paulo conhecer e escrever sobre as verdades do evangelho.
Então este dom chamado de palavra de sabedoria não é nenhum dom de capacitação ou aperfeiçoamento de talentos naturais ou de sabedoria, para conhecer realidades naturais, senão realidades espirituais relativas ao evangelho, na aplicação delas na igreja, visando à sua edificação.
Portanto, o ministério de qualquer igreja, no qual esteja faltando este dom, estará envolto em obscuridade quanto àquelas verdades que já foram reveladas de uma vez por todas, e que podem somente ser discernidas pelo Espírito Santo, porque coisas espirituais são discernidas espiritualmente, pela capacitação concedida pelo Espírito, não apenas de conhecê-las (relativa a outro dom chamado de palavra de conhecimento), mas sobretudo para aplicá-las.
No que se refere a conhecer a verdade pela iluminação do Espírito, isto é feito pelo dom espiritual da palavra de conhecimento, mas quanto a aplicar esta verdade com eficácia, de modo que esta produza o efeito esperado por Deus, isto é feito através do uso do dom de sabedoria.
Este dom de palavra de sabedoria demonstra a nossa completa insuficiência para a obra do ministério pela nossa própria capacidade e poder.
Por isso Paulo indaga quanto ao poder e sabedoria que são necessários para o ministério, quem é suficiente para tais coisas, caso não seja capacitado pelo Espírito (II Cor 2.16)?
É por isso que o mesmo Paulo diz que todo aquele que pensa saber alguma coisa não sabe ainda como convém, porque o conhecimento das coisas de Deus não é por meio de sabedoria carnal, mas espiritual concedida sobrenaturalmente pelo Espírito.
Assim se alguém deseja ser sábio segundo Deus, deve estar consciente da sua insensatez inata relativamente aos caminhos elevados do Senhor, para que possa receber esta sabedoria espiritual do alto (I Cor 3.18).
O dom palavra de conhecimento não é a iluminação, unção do Espírito que é comum a todos os cristãos e pela qual são ensinados acerca do reino de Deus, porque este conhecimento entrará pela eternidade afora, mas do dom palavra de conhecimento é dito, como a todos os dons extraordinários, que ele passará (I Cor 13.8).
Então o conhecimento que se obtém com este dom é um conhecimento especial de modo que se possa expor as verdades do evangelho com uma habilidade que não é comum a todos os cristãos, como se deu no caso dos apóstolos, dos reformadores, particularmente a Lutero, e a todos aqueles que têm recebido este dom, especialmente para a defesa do evangelho.
Se ele é um dom necessário a todos os ministros do evangelho, em alguns deles ele se revela mais proeminente em razão do uso que Deus fará de tais pessoas.
O chamado dom espiritual de curas citado em I Cor 12.28,30 traz a palavra no plural no original grego (iamaton – curas) porque estas curas se aplicam a toda a diversidade de enfermidades, de forma que o enfoque não está na pessoa que cura, mas no poder do Espírito para curar todo o tipo de doenças e em quaisquer pessoas.
Por assim dizer, são curas realizadas por Deus de qualquer enfermidade, e não propriamente alguém que tenha a capacidade de curar determinados tipos de enfermidades.
Está implícito portanto que aquele a quem fosse concedido o dom de curas poderia usá-lo para curar qualquer tipo de enfermidade.
Este dom foi concedido aos apóstolos e aos setenta que Jesus enviou (Mt 10.1; Lc 10.9).
Até o próprio Judas foi capacitado com este dom, bem como para expulsar demônios, indicando isto que diferentemente dos dons de palavra de conhecimento e de sabedoria, não se exige daqueles a quem este dom é concedido nenhuma experiência salvadora da graça de Deus em produção do fruto do Espírito em suas vidas.
A estes dons que são capacitações que não demandam uma necessária intimidade com Deus, podemos acrescentar o de profecia, de línguas desconhecidas, e de operação de milagres, e isto bem comprova que a unção que temos recebido do Espírito é para principalmente sermos instruídos nas verdades do evangelho, para praticá-las em nosso comportamento e experiência de vida.
Não admira portanto que aqueles que usem ou sejam os beneficiários destes dons, que não demandam necessariamente uma prévia intimidade com Deus, que muitos deles não se arrependam dos seus pecados e que não se convertam, como foi o caso de Balaão, Saul, Judas, os habitantes de Corazim e Betsaida que foram curados por Jesus e repreendidos por Ele por causa da falta de arrependimento.
E no entanto, é exatamente nestes dons que a maioria dos cristãos coloca as suas expectativas quanto a serem eles a melhor evidência da realização de uma obra de Deus no mundo, quando vimos que é possível, a recepção e uso destes dons, sem que se tenha uma genuína experiência de conversão.
Devemos portanto, não julgarmos os pensamentos de Deus de acordo com os nossos pensamentos e os Seus caminhos de acordo com os nossos caminhos. Porque como Jesus disse em Lucas 16.15 há até mesmo coisas que os homens consideram elevadas e que para Deus não passam de abominação.
Agora, cabe destacar que este dom de curas é um sinal do reino de Deus quanto ao fato de que em Jesus será extirpada toda enfermidade do meio do Seu povo em razão de terem sido resgatados por Ele da condição caída em que se encontravam em Adão.
E que somente Ele pode garantir a restauração de todas as coisas na sua perfeição e santidade original, onde não haverá mais morte, nem dor, nem doença, nem lágrimas.
Este dom exalta então a pessoa do Messias e exibe a Sua misericórdia para com a ruína dos pecadores.
Ele veio trocar a nossa tristeza por alegria, e teremos isto em plenitude no porvir, conforme nos é garantido em amostragem por estas curas que são realizadas pelo Seu poder divino.
Quando João Batista vacilou quanto se Jesus era de fato o Messias, foi curando a muitos que Ele lhe enviou resposta através dos discípulos de João.
Deus havia dado a evidência que havia prometido a João de que Aquele sobre o qual ele visse o Espírito vindo na forma de uma pomba para batizá-lO, seria este o que batizaria com o Espírito e com fogo.
Mas agora, João, em sua luta espiritual no cárcere, próximo da sua execução, procurou conforto de modo a receber um sinal do próprio Jesus na confirmação de que Ele era de fato o Messias esperado (Mt 11.4,5).
Consequentemente as curas são especialmente um sinal para a própria igreja para que tenha a convicção de que Jesus é de fato aquele que tomou sobre si as nossas enfermidades e carregou as nossas aflições, porque foi ferido por causa das nossas transgressões, para que pelo castigo que Ele sofreu nós pudéssemos ser curados de todo o mal que o pecado introduziu no mundo (Is 53.4).
E através destas curas o Messias mostra o Seu caráter misericordioso e bondoso para com aqueles que nEle confiam, para serem libertados de suas misérias a que ficaram sujeitos por causa do pecado original.
O autor do evangelho sinalizou então através das curas físicas que Jesus é também e principalmente Aquele e o único que pode curar nossas doenças espirituais, de modo que não poucos os que foram e são curados de suas enfermidades físicas são convencidos de que Ele é o Salvador e assim confiam nEle também para serem salvos (At 3.8).
Entretanto, como já dissemos antes, os homens podem ter os seus corpos curados por milagres enquanto as suas almas não são curadas pela graça, por causa do seu endurecimento no pecado e recusa de se arrependerem.
O dom espiritual de operação de milagres referido em I Cor 12.10 é no original grego energema dínamis, isto seria traduzido literalmente como energia poderosa, ou operações poderosas, como no dizer de Pedro em Atos 3.12 que não havia curado o coxo pelo seu próprio poder.
Então o dom de milagre é o efeito imediato do poder divino enquanto realiza aquilo que o homem, conforme no dizer de Pedro, não pode realizar pelo seu próprio poder.
Quanto ao dom espiritual da fé não é à fé comum a todos os cristãos que se refere este dom, mas à fé que se apoia numa revelação especial do Espírito para garantir a realização de operações miraculosas contra toda insinuação ou oposição do inferno, da carne ou do mundo, de modo que o nome de Deus seja glorificado.
Nós temos vários exemplos deste dom operando no Antigo Testamento, especialmente nos ministérios de Moisés, Josué, Elias e Eliseu.
Este dom foi concedido abundantemente aos apóstolos e não padece nenhuma dúvida que de um modo geral a todos os cristãos da Igreja Primitiva, porque venceram toda sorte de oposições e perseguições com a perda de muitas vidas e de bens e nada em absoluto pôde detê-los no fazer avançar o reino de Cristo, e isto somente pode ser explicado por este dom espiritual sobrenatural da fé, que lhes foi concedido pelo Espírito, para crerem debaixo de toda sorte de adversidades, conforme as que experimentaram efetivamente.
Nestes dias difíceis que têm chegado à Igreja, deveríamos orar mais na busca deste dom da fé para pregar o evangelho com a mesma intrepidez com que o fizeram os cristãos da Igreja Primitiva.
Em relação ao dom de profecia, que já comentamos anteriormente, cabe apenas destacar que havia dois tipos básicos de profecia: o primeiro mais raro se referia à predição de coisas futuras, conforme as profecias que Ágabo havia recebido do Espírito quanto à fome que ocorreria no mundo nos dias do imperador romano Cláudio, e quanto à prisão que Paulo sofreria em Jerusalém.
O segundo tipo de profecia, que é o mais comum, se refere à declaração da mente de Deus pela palavra, através de revelação especial e imediata do Espírito Santo. Este dom é de ocorrência mais comum especialmente na pregação que é feita no culto público.
É importante também destacar que como o espírito dos profetas está sujeito aos profetas é possível ocorrer que possam falar coisas de si mesmos, julgando que lhes tenham sido reveladas por Deus, e para evitar que a igreja seja conduzida a qualquer erro por parte dos profetas é determinado que toda profecia seja julgada segundo o padrão das Escrituras.
Além disso deve haver ordem na entrega das profecias no culto público exatamente para que todos possam ouvir cada uma das profecias e os demais profetas, julgá-las segundo a norma bíblica; o que não seria possível caso fossem passadas em grupos em separado, ou falando os profetas ao mesmo tempo.
E o efeito da profecia deve ser o de gerar paz na igreja e não confusão entre os cristãos, porque Deus é Deus de paz (I Cor 14.33).
O próximo dom espiritual citado por Paulo é o de discernimento de espíritos, isto é, a habilidade ou faculdade de julgar os espíritos, especialmente para saber a procedência das coisas pregadas, ensinadas, profetizadas e operadas, se do Espírito Santo, ou se da imaginação do próprio espírito humano ou de inspiração satânica; de forma a se garantir principalmente a continuidade da verdade do evangelho entre os cristãos.
O apóstolo Pedro havia alertado a igreja quanto à infiltração de falsos profetas em seu meio assim como havia ocorrido no passado, nos dias do Velho Testamento (II Pe 2.1).
Os falsos mestres são usados pelo Inimigo fingindo terem os mesmos dons espirituais que são repartidos pelo Espírito Santo, e assim implantam as suas heresias destruidoras no seio da igreja.
Por isso o apóstolo João alerta os cristãos em sua primeira epístola a não darem crédito a todos os espíritos, mas que antes provem se estes espíritos procedem de Deus ou do diabo.
E nos dias do apóstolo a heresia comum que o diabo estava usando era a negação da humanidade de Jesus (gnosticismo),e então João alertou que todo o que estivesse pregando uma tal coisa não o estava fazendo por uma revelação da parte de Deus, mas sendo usado pelo diabo.
Mas o princípio geral de discernir os espíritos é um princípio que se encontra em toda a Bíblia, desde o Antigo Testamento, e que agora no Novo é facilitado em sua aplicação pelo dom espiritual de discernimento de espíritos, que é concedido pelo Espírito Santo especialmente àqueles que são constituídos por Ele com liderança na Igreja.
Agora, é importante ressaltar que o Espírito concede este dom de discernimento de espíritos também aos cristãos que são fracos na fé, de modo que possam se prevenir de apostatarem da fé pela influência destes espíritos, que estão a serviço de Satanás semeando o joio do erro por toda a parte.
Quanto ao dom de línguas desconhecidas, este dom não havia sido dado aos apóstolos desde o início do seu ministério como o de curas, por exemplo, e foi concedido somente a partir do dia de Pentecostes quando o Espírito Santo foi derramado para que o evangelho fosse anunciado em todas as nações.
Isto era um sinal claro da parte de Deus de que o evangelho não deveria ficar limitado aos termos da nação de Israel, mas que estava destinado à salvação de pessoas de todos os povos e nações, porque no dia de Pentecostes o evangelho foi pregado a todos os que se encontravam em Jerusalém, na sua própria língua, de forma que puderam entender perfeitamente o que os apóstolos pregavam.
Este foi o maior e principal uso deste dom espiritual.
O segundo, conforme Paulo fala em I Cor 14 é para a edificação da própria pessoa que recebera este dom do Espírito Santo, de forma a perceber a presença poderosa do Espírito em sua oração, adoração e louvor a Deus, orando e louvando em seu espírito e não através da iluminação da sua mente.
Assim, através deste dom espiritual de falar em línguas Deus não somente revelaria a expansão da Sua salvação para além das fronteiras de Israel, como também subjugaria as almas e as consciências dos homens na obediência a Cristo e ao evangelho, através dos meios pelos quais o Seu reino seria mantido no mundo.
Não pelo exercício da razão, não pelo poder e força de exércitos humanos, mas pela pregação da palavra com o fogo do Espírito Santo, que estava representado na aparência de línguas de fogo que apareceram sobre a cabeça de cada um dos que foram batizados no Espírito no dia de Pentecostes.
Era um sinal visível para a Igreja de que a pregação deve ser com o fogo do Espírito e a todas as pessoas que estão debaixo do céu.
Agora é importante destacar que se o dom de línguas era excelente em si mesmo para pregação e propagação do evangelho entre os incrédulos, conforme se viu no dia de Pentecostes, contudo nos cultos da Igreja ele era de pequeno ou nenhum uso para a edificação dos cristãos, a não ser que houvesse quem pudesse interpretar as línguas, porque, neste caso, ninguém estaria sendo o alvo delas para poder entender a pregação do evangelho.
Nós comentamos a variedade de dons, operações e ministérios que são distribuídos pelo Espírito à Igreja, mas é importante frisar tal como fizera o apóstolo Paulo neste 12o capítulo de I Coríntios, que esta variedade na distribuição é semelhante à que existe dos membros do corpo humano, que são variados, mas fazem parte de um só corpo, para o seu funcionamento pleno.
Nenhum cristão deve pensar portanto em receber dons para retê-los e não para servir o corpo de Cristo; porque os dons são dados para este propósito, uma vez que cada cristão é parte integrante deste corpo e é chamado por Deus a cumprir fielmente a sua respectiva função de edificação do corpo, com o dom ou dons espirituais que tiver recebido do Espírito.
(Este comentário foi produzido com base numa adaptação e tradução do original em inglês, do Pr Silvio Dutra, de parte de um tratado sobre a obra do Espírito Santo, escrito pelo puritano John Woen, no século XVIII)