Por que Jó sofreu? Talvez essa pergunta nos ajude a lançar luz sobre um dos temas mais delicados e de difícil compreensão da fé cristã. E essa luz não extermina o problema, mas nos ensina que longe de ser uma anormalidade da nossa caminhada com Deus, como alguns televangelistas brasileiros tencionam, o sofrimento é um processo de Deus, cujo objetivo é medir nossa fé e nos dar um senso real de sua “firmeza”.
O livro de Jó parece ser uma engenhosa obra de Deus para nos tirar da nossa superficialidade cristã e nos fazer considerar melhor o sofrimento e não usá-lo como fonte de conclusões errôneas e prejudiciais à nossa fé. Precisamos avançar em alguns pontos, à medida que caminhamos com Deus. Precisamos crescer. Dentre as conclusões, destaco algumas.
Primeiro é a concepção errada de que o sofrimento é uma evidência de pecado. Essa foi uma das linhas de raciocínio dos amigos de Jó para explicar a causa de seu sofrimento. Esse pressuposto é tão antigo quanto errado. Embora o pecado nos traga consequências desastrosas, ele não é a única razão. Era isso que Deus queria mostrar aos israelitas com o livro, como a nós também. Não é incomum cristãos confusos por sofrimentos que os acometem, mesmo tendo uma vida dedicada e de acordo com o que nos recomenda a Bíblia. Também não é incomum juízos de outrem afirmando ser o pecado a real causa de toda a tempestade.
Segundo, a “teologia da retribuição”. O senso comum israelita – e o de muitos atualmente – era a ideia de que aos ímpios estava reservado o sofrimento e aos justos a bênção. No entanto, como podemos ver, não é essa a realidade dos fatos. Todos os dias, vemos os ímpios prosperarem e os justos definharem, como também o oposto. A Bíblia está repleta de casos em que homens piedosos vivem profundas amarguras e provações. Parece que esse paradigma precisava ser quebrado para que o sofrimento fosse visto como um aliado de Deus para provar e aprovar seus eleitos. Além disso, essa “nova” concepção dá um entendimento dos porquês do sofrimento.
O panorama de Jó
Essa visão pode ser comprovada logo nos primeiros capítulos do livro. Um “homem íntegro e reto, que temia a Deus e se desviava do mal” (Jó 1) torna-se vítima de Satanás e vê sua família desfeita e seus bens destruídos. Em pouco tempo, o mais bem sucedido homem de sua época, torna-se o mais miserável. O que chama atenção é que a conduta de Jó não era bem vista apenas diante de homens, mas diante de Deus! Somente sob este ponto é difícil de se chegar a uma resposta clara sobre a razão de um homem daquela envergadura estar sofrendo.
Após mergulhar em profunda desgraça, perdendo tudo e ver seu corpo acometido por úlceras, Jó inevitavelmente vira-se para Deus e exige uma resposta para tudo o que lhe sobreviera. Questiona seu nascimento, declara-se justo e ganha a companhia de “amigos” para ajudá-lo a compreender esse terrível momento.
Após isso, segue-se uma linha de raciocínio superficial e até preconceituosa da parte de seus amigos para explicar o porquê de tal sofrimento. Nenhum deles comove ou convence Jó de sua exigência, que, continuando a não entender seu estado, chama Deus para um “tribunal”.
Tudo o que costumamos afirmar como causa do sofrimento encontra-se no discurso dos amigos de Jó. Pecado, rebeldia, desobediência, injustiça. De tudo isso Jó foi acusado. Mesmo assim, exigia uma resposta de Deus. Estava irredutível. Somente o Altíssimo para uma explicação plausível.
Deus, mesmo por trás de todo esse acontecimento, em profundo silêncio boa parte do livro, aceita o desafio e concede a Jó a maior revelação que um homem teve de sua Majestade e Sabedoria. No entanto, ao contrário do que imaginara de início, Jó se posiciona no banco dos réus desse imaginário tribunal logo nos primeiros momentos de conversa, onde Deus o questiona sobre assuntos, cuja compreensão de um pobre mortal é impossível. Pronto, Deus se revelara, mas a resposta… Ela não deu motivo algum para Jó se sentir injustiçado. Pelo contrário, ela o humilhou. O fato de Deus ser Soberano, o Criador e Mantenedor de todo o Universo e que, com Sabedoria, governa todas as coisas fez de Jó um resignado sofredor. A dor, o questionamento e a dúvida sumiram diante da presença de tão maravilhoso Ser.
A resposta de Jó
No entanto, no meio do caminho, uma afirmação de Jó nos chama a atenção; e parece ser ela o grande segredo do livro.
“Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei, por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros o contemplarão; e por isso os meus rins se consomem no meu interior” – Jó 19:25-27
Essa sua postura é de nos fazer cair o queixo. Mesmo com todo o revés que o perseguia, com dores e um incômodo terrível na carne e na companhia de pessoas que o questionavam e colocavam em dúvida sua integridade – atestada por Deus – ele foi capaz de soltar uma declaração que nos choca pela vida e poder.
Apesar de tudo, a fé de Jó estava intacta! Nada havia mudado em relação à sua vida com Deus. Bens, família, sucesso, saúde, nada disso afetou sua fé. E mais: um sofrimento sem causa aparente, capaz de abalar qualquer estrutura emocional e sentimental, por mais firme que seja. Sobre tudo isso a fé de Jó triunfou e sua confiança permaneceu.
Sem analisarmos muito o texto em questão, o caráter de Deus, seu poder e fidelidade eram conhecidos por Jó. Parece que ele aprendeu uma belíssima lição: a confiança em Deus não estava apoiada nas circunstâncias, mas no próprio Deus. Ele era a fonte.
A lição que fica
Diante disso tudo é inevitável algumas conclusões. Eu destaco três.
Precisamos ver de forma bíblica o sofrimento. Numa sociedade ávida por prazer e bem estar, o sofrimento é evitado e rejeitado o tempo inteiro. Isso parece afetar alguns cristãos, que aceitam a visão do mundo. No entanto, reafirmo, ele é uma ferramenta de Deus para provar nosso caráter, motivações e a sinceridade da nossa fé. Com isso, nos tornamos, cristãos mais humildes e dependentes; mas sinceros e submetidos à vontade dAquele que pode tudo em todos. O que me encanta no livro de Jó é que ele é um alerta para nós, que não somos do mundo, mas estamos que estamos nele. Ele rechaça qualquer tentativa de tornar o sofrimento um “corpo estranho” à fé cristã.
Uma fé saudável o suporta. Jesus diz que “nesse mundo tereis aflições” e os apóstolos endossam essa afirmação – Rm 8:18; I Pe 4:13. Isso significa que, apesar dos ventos contrários, é natural que o nascido de novo suporte as aflições que possa enfrentar, pois elas não vem “além de suas forças” – I Cor 10:13 – e o melhor: “Elas não são para comparar com a Glória que em nós há de ser revelada”; “ela produz um peso eterno de Glória”; “assim como somos participantes das aflições de Cristo, também o seremos da sua Glória”. Perceba que há uma relação íntima entre o sofrimento e a Glória, embora uma não possa ser comparada à outra, tamanha a distância que há entre elas. Antes de ser um motivo para minar a fé, as tribulações a fortalecem, como nos registra o caso de Jó.
Deus está no controle. Essa assertiva é bastante conhecida no mundo evangélico, mas, penso, pouco compreendida, pois se fosse não teríamos crentes com crises de fé que apenas indicam pouca maturidade – não quero ser rude com os que naturalmente passam por esses momentos no inicio da caminhada. Quero apontar a falta de fundamento por parte daqueles que já estão há tempos no Caminho – principalmente quando essas crises são resultados de alguma privação. A grande lição dos capítulos 38-41 é a completo controle de Deus sobre o Universo, inclusive nossas vidas. Seu cuidado, presença, conforto e força estão conosco o tempo inteiro, mesmo quando as circunstâncias parecem mentir.
Meu caro irmão. É consolo inestimável ter a vida de Jó como exemplo. Este, por si só, é suficiente para não nos deixar levar pelos olhos, mas nos fazer andar por fé e confiança inabalável em Deus, cujo amor se manifestou gloriosamente na Cruz ao, ainda sendo nós pecadores, Jesus morrer por nossos pecados. É um atentado ao coração e à mente duvidar de um Deus tão amável e doce; tão presente e forte; tão sábio e soberano. Esse é o Deus de Jó. Esse é o meu e o seu.
Por Tiago Lino Henriques – Editor do Blog do Lino
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