Há sempre dois tipos de pessoas na Igreja visível; que Satanás mantém sob falsa paz, cuja vida não passa de uma diversão com contentamentos presentes, e uma corrida para longe de Deus e de seus próprios corações, dos quais eles sabem que nada de bom pode ser dito sobre eles, mas estes falam de paz para si mesmos, mas Deus nada lhes fala sobre isto.
Tal comportamento nada tem a ver com a Escritura; o caminho para esses homens para desfrutar conforto, é assim profundamente problemático.
A verdadeira paz surge primeiro do conhecimento do que é pior, e depois a nossa libertação disto. A paz que se ergue da ignorância do mal é uma paz miserável. O anjo agitava as águas (João 5.4), e então curava aqueles que entravam no tanque de Betesda. Esta é a maneira pela qual Cristo primeiro agita as nossas almas, e então vem com a cura em suas asas.
Mas há outro tipo de pessoas, que são livradas do reino de Satanás e transportadas para o pacto da graça, contra as quais Satanás trabalha para desestabilizar e inquietar, porque sendo o deus do mundo, lhe aborrece ver homens no mundo que andam acima do mundo.
Como ele não pode impedir sua condição, ele vai incomodar a sua paz, e abater seus espíritos, e despedaçar todos os seus esforços. Estes deveriam tomar para si o exemplo de Davi, e trabalhar para manter a sua porção e a glória de uma profissão de fé cristã.
Porque quer esteja em Deus, ou venha de Deus, é para o seu conforto. Ele é em si Mesmo o Deus de conforto; seu Espírito é mais conhecido por esse ofício.
Nosso Salvador foi muito cuidadoso para que os seus discípulos não ficassem demasiado deprimidos, que ele se esqueceu de sua própria paixão amarga para confortá-los, que ainda que soubesse que todos o abandonariam; não deixou seus corações ficarem turbados. E sua própria alma foi angustiada até a morte, para que nós não fiquemos turbados: tudo o que está escrito, está escrito para este fim; cada artigo de fé tem uma influência especial em consolar uma alma crente.
Eles não são apenas alimento, mas confortos; sim, ele fez o juramento, que não teríamos apenas consolo, mas forte consolação. A Santa Ceia nos confirma em todos os confortos que temos pela morte de Cristo; o exercício da religião, como a oração, a audição e leitura da Palavra, etc, é para que a nossa alegria seja completa; a comunhão dos santos é principalmente ordenada para confortar e fortalecer os fracos.
O governo de Deus da sua Igreja tende para isto. Por que ele adoça a nossa peregrinação, e nos faz experimentar tantos dias confortáveis no mundo, senão para que o sirvamos com alegres e bons corações?
Assim como pelas cruzes ele nos abate, para nos levantar e nos esvaziar para que ele possa nos encher, e quebrantar-nos para que sejamos vasos de glória, amando-nos quer quando estamos no forno, ou quando estamos fora, de modo que vivemos o que lemos em 2 Cor 4.8,9: “Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos;”.
Se considerarmos o amor paterno que há nas aflições que nos chegam, quão moderadas elas nos serão, e adoçadas e santificadas no que se refere a nós, como pode isto senão ministrar consolo nos maiores desconfortos aparentes? Como, então, deixaríamos as rédeas de nossas afeições se perderem sem nos entristecermos sendo injuriosos a Deus e à sua providência? Gostaríamos de ensinar a Deus como deve governar a sua Igreja?
Que ingratidão é esquecer o nosso consolo, e olhar apenas para o que está sendo o motivo de nossas queixas? Pensar tanto sobre duas ou três cruzes, esquecendo uma centena de bênçãos? Sugar o veneno para fora daquilo em que deveríamos chupar mel? Quão insensato é embaraçar os nossos próprios espíritos? E nos indispormos a fazer o que é bom?
De todos os demais, Satanás tem mais vantagem de descontentar pessoas, quanto mais estas se agreguem à sua disposição; sendo a criatura mais descontente debaixo do céu, ele martela todas as suas tramas escuras em seus cérebros. O descontentamento dos israelitas no deserto provocou Deus a jurar que nunca entrariam no seu descanso. Há um outro espírito em meu servo Calebe, disse Deus; o espírito do povo de Deus é um espírito encorajador. A sabedoria lhes ensina, se eles se sentem quaisquer queixas, para escondê-las de outros que são mais fracos, para que não fiquem desanimados.
Deus ameaça isto com uma maldição para dar um coração tremente, e tristeza de espírito, Deut 28.65, considerando que, em contrário, a alegria é como o óleo para a alma, fazendo com que os deveres serem executados alegre, doce e graciosamente para os outros, e de modo aceitável a Deus.
Quantos há que, com a desgraça que seguem a religião, estão assustados com a mesma? Mas o que são os encorajamentos ou desencorajamentos que a religião pode trazer? Quando os próprios anjos a admiram. A religião realmente traz cruzes com ela, mas depois traz conforto acima das cruzes.
Que desonra é para a religião conceber que Deus não irá manter e honrar os seus seguidores? como se o seu serviço não fosse o melhor serviço; que vergonha é para um herdeiro do céu ser derrubado por cada perda mesquinha e cruz? ter medo de um homem cujo fôlego está no seu nariz, e não estar em pé para uma boa causa, quando temos a certeza que Deus será conosco, nos auxiliando e nos confortando, cuja presença é capaz de fazer doces os maiores tormentos?
Meu discurso tende a não trazer os homens para fora de toda tristeza e luto. Luz para o justo é semeada na tristeza. Nosso estado de ausência do Senhor, e vivendo aqui em um vale de lágrimas, nossas fraquezas diárias, e nossa simpatia com os outros, o exige; e onde há mais graça, há mais sensatez, assim como em Cristo.
Mas é preciso distinguir entre dor e abatimento do espírito, que é como um descontentamento e descumprimento do dever. Quando Josué ficou demasiadamente abatido em Israel virando as costas diante de seus inimigos, Deus o reprovou. “Levanta-te, Josué, porque estás prostrado assim sobre o teu rosto?” (Jos 7.10).
Alguns teriam cometido pecados grosseiros e que estão presentemente confortáveis, e sem se humilharem; na verdade, quando estamos em Cristo, não devemos questionar nosso estado nele; e se o fizermos, isto não vem do Espírito; e ainda, uma consciência culpada estará clamando e cheia de objeções, e Deus não falará de paz a ela, até que seja humilhada. Deus deixará seus melhores filhos saberem o que é ser muito ousado com o pecado, assim como vemos em Davi e Pedro, que não sentiram paz enquanto não renovaram seu arrependimento.
O caminho para se alegrar com alegria indizível e gloriosa, 1 Pedro 1.8, é despertar suspiros que não podem ser exprimidos. E isto está tão perto, que o conhecimento do nosso estado em graça não deve nos humilhar, que ao considerar o amor de Deus por nós, fora da natureza da coisa em si mesma, produz tristeza e vergonha em nós, por ofendermos Sua Majestade.
Uma parada principal que impede os cristãos de regozijo é que eles se dão demasiada liberdade para o assunto de suas razões de conforto e interesse nas promessas. Isto é maravilhosamente confortável, eles dizem, mas o que é isso para mim? a promessa não pertence a mim. Esta se levanta da necessidade de dar toda a diligência para confirmar a nossa vocação.
Na vigilância e diligência nós encontramos mais rapidamente o conforto. Nosso cuidado, portanto, deve ser o de obter a clara evidência de uma boa condição, e então assim como obtemos nossa clara evidência; não devemos dar ouvidos a nossos próprios medos e dúvidas, ou à sugestão do nosso Inimigo, que estuda como falsificar a nossa evidência; senão, pela Palavra, devemos ter a nossa consciência iluminada pelo Espírito; e então acharemos conforto.
Os cristãos devem estudar como corroborar o seu título; nunca estamos mais no céu, antes que cheguemos lá, do que quando podemos ter as nossas evidências: isto nos leva a conversar muito com Deus, isto adoça todas as condições, e nos torna dispostos a fazer e sofrer qualquer coisa. Isto nos faz ter confortáveis e honrosos pensamentos de nós mesmos, assim como também a confiar em Deus na vida e na morte.
Mas e se a nossa condição for tão escura, que não podemos ler a nossa evidência em tudo?
Aqui, olhemos para a misericórdia infinita de Deus em Cristo como fizemos no princípio, quando não encontramos qualquer bondade em nós mesmos, e essa é a maneira de recuperar tudo o que nós perdemos. Honrando a misericórdia de Deus em Cristo, passamos a ter o Espírito de Cristo; portanto, quando as águas de santificação estão agitadas e lamacentas, corramos ao testemunho do sangue.
Deus parece caminhar às vezes contrariando a si mesmo; ele parece desencorajar, quando secretamente ele incentiva, como a mulher de Canaã; mas a fé pode encontrar esses caminhos de Deus, e desatar esses nós, por olharmos para a promessa livre e para a natureza misericordiosa de Deus.
Deixaremos que a nossa carne rebelde murmure tanto quanto queira? Quem tu és e qual é o teu valor? Um cristão sabe em quem ele tem crido. A fé tem aprendido a se firmar em Deus contra tudo.
Ainda, devemos caminhar adicionando graça sobre graça. Um cristão maduro e frutífero é sempre um cristão confortável; o óleo da graça traz o óleo da alegria. Cristo é primeiro rei de justiça, e em seguida, rei de paz, Hebreus 7.2; a justiça que ele opera pelo seu Espírito traz uma paz de santificação, mediante a qual, embora não estejamos livres do pecado, ainda somos capazes de combatê-lo, e de obter a vitória sobre ele.
Algum grau de conforto segue cada boa ação, como o calor acompanha o fogo, e assim como os raios de luz procedem do sol.
Outra coisa que atrapalha o conforto dos cristãos é que eles esquecem que vivem sob um gracioso e misericordioso pacto, em que a perfeição que é necessária pode ser encontrada em Cristo. A perfeição em nós é sinceridade; o que é o fim da fé, senão permanecermos em Cristo? Agora, a fé imperfeita, se sincera, apega-se a Cristo, em quem está a nossa perfeição.
O desígnio de Deus na aliança da graça é o de exaltar as riquezas da sua misericórdia, acima de todo pecado e indignidade do homem; e tributarmos a ele mais glória por sua misericórdia por crer, do que seria para a sua justiça nos destruir. Se fôssemos perfeitos em nós mesmos, não o honraríamos tanto, como quando nos empenhamos para ser achados em Cristo, tendo a sua justiça sobre nós.
Não há uma porção da Escritura mais frequentemente usada para buscar espíritos caídos do que essa: “Por que estás abatida ó minha alma?” Isto é figurativo, e cheio de retórica, e bastante suficiente para convencer a alma perplexa a esperar silenciosamente em Deus. Crisóstomo traz um homem carregado com problemas, entrando na Igreja, onde, quando ouviu a leitura desta passagem, ele se recobrou e tornou-se um outro homem. Como Davi fizera antes familiarizando-se com esta forma de lidar com a sua alma, então demandemos de nós mesmos uma boa razão para não ficarmos prostrados.
Que acabará com a depressão, e nos fará considerar um fundamento mais sólido para o verdadeiro conforto.
Necessariamente a alma deve ser acalmada e colocada diante disto para que possa ser consolada. Quando a alma abre caminho para a paixão, é incapaz de entreter qualquer conselho, portanto, ela deve ser acalmada por graus, para que possa ouvir a razão.
Quando tais considerações são feitas de modo espiritual pela fé em bases elevadas, elas têm alguma operação sobre a alma. Mas o nosso principal cuidado deve ser termos razões evangélicas de conforto perto de nós, a reconciliação com Deus, no qual todas as outras coisas são reconciliadas conosco, a adoção e comunhão com Cristo, que é mais doce do que estar sob a cruz.
Introdução do tratado de Richard Sibbes, de mesmo título, traduzida e adaptada pelo Pr Silvio Dutra.