É muito comum o apelo ao evangelismo como solução para resolver problemas de uma determinada igreja, sobretudo os relacionados a pouca freqüência da membresia nos cultos ou mesmo a diminuição dela. Não são poucas as igrejas (e eu já vi isso em mais de uma) que, ao constatarem tais problemas, conclamam um “avivamento” que redunde em mais evangelismo, pessoal ou em massa. No entanto, as perguntas que me faço são as seguintes: o evangelismo é a tarefa mais importante da igreja? O abandono da fé por alguns ou a troca de congregação ou denominação por outros estão associados à falta de evangelismo?
Antes de prosseguir, a resposta que penso para a pergunta que intitula esse artigo é a de que o Evangelismo é, sim, uma tarefa indispensável à Igreja. É também importante, mas não a única. Para que o Evangelismo produza resultados, algumas outras tarefas devem existir e funcionar bem dentro da igreja como condição ao sucesso dessa empreitada. O objetivo deste artigo é discutir a importância do ensino, da comunhão, da adoração, da oração e do serviço na igreja como apoio ao evangelismo.
O texto base é o do final do capítulo 2 de Atos, que revela-nos o propósito da reunião da igreja que ali se desenvolvia, após a descida do Espírito Santo. É sabido que a igreja de Atos foi uma igreja fortemente missionária, em clara resposta à grande comissão ensinada por Jesus, apesar da severa perseguição a que estava exposta, tanto dos judeus como do Império Romano. A questão é tentarmos entender o que a tornava tão consciente de suas funções. Eis o texto:
“E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações.” Atos 2:42.
A necessidade do ensino
Havia um enorme desejo de se aprender o que os apóstolos tinham a ensinar e isso resultava em forte entendimento de salvação e da Graça por partes dos cristãos primitivos. Em sua época não havia o Novo Testamento e o ensino era baseado na Escritura (Velho Testamento) e nas palavras de Jesus. Hoje temos a Bíblia, fonte única de ensino e conhecimento de Deus, contendo todos esses ensinos. O texto cita o ensino como a primeira atitude obviamente porque não é possível imaginar uma igreja saudável que não ama as verdades do Evangelho e que não tenha sido transformada por elas.
Voltando ao propósito do artigo, como podemos encarar o evangelismo como a solução dos problemas de uma congregação onde o ensino é desprezado e as verdades da Bíblia, rejeitadas? Qual mensagem será levada ao não convertido em um panorama desses? E se, mesmo assim, ele aceitar a convivência com a igreja, como será garantida a conversão e transformação dele sem o verdadeiro ensino bíblico (1)?
Logo, é impensável um evangelismo dissociado do ensino e do estudo sério da Palavra de Deus. A mensagem do Evangelho deve chegar ao ímpio. E ao responder positivamente a ela, ele deve encontrar um ambiente de ensino dentro da igreja para que sua fé se desenvolva.
A Comunhão
A transformação experimentada pelo ensino resultava em pessoas de diferentes características compartilhando a mesma fé e a mesma esperança – a volta de Jesus – gerando edificação e crescimento na igreja. Os primeiros capítulos de Atos tratam de problemas que surgiram ali, mas nada que impedisse os cristãos quanto ao seu papel.
Será traumático para o novo convertido crescer em um ambiente hostil e dividido, com facções. A recomendação da Bíblia para ter os olhos fitos em Jesus será afetada e, certamente, ele tenderá a algum grupo. A longo prazo, haverá desentendimentos e ressentimentos, levando alguns a deixar a igreja local, inclusive aquele membro que a igreja evangelizou.
Antes de qualquer iniciativa evangelística, é necessário que a igreja olhe para si e tenha uma noção do que o novo convertido irá receber dela, a curto e longo prazo. Se o que a igreja tem a oferecer não for saudável, em termos de comunhão, ao seu crescimento, a campanha poderá desmoronar, apesar do bom treinamento daqueles que irão evangelizar e discipular o novo membro.
Adoração
Há quem defenda que o “partir do pão” presente no texto em questão se referia à prática visível da comunhão, com refeições diárias nas casas uns dos outros. No entanto, há a explicação de que esse texto refere-se também à celebração da ceia, conforme ensinou Jesus. Como a comunhão já foi comentada, vou focar a questão da celebração.
A celebração da ceia é, além de um sacramento, uma atitude de gratidão e profundo reconhecimento da obra de Cristo e o que ele garantiu a nós com ela. Ela nos lembra da nova aliança inaugurada por Jesus por meio do seu sofrimento, morte e ressurreição. Sua prática deve ser precedida por um entendimento bíblico da salvação, caso contrário ela torna-se um mero formalismo.
Isto posto, além do ensino e da comunhão, a igreja deve ser uma comunidade de celebração, onde as verdades da Graça e do Amor de Deus impulsionam a igreja, e os membros individualmente, a uma vida de adoração e constante alegria pela nova vida operada pelo Espírito Santo no pecador. E essa adoração como estilo de vida, por meio de atitudes e conduta que glorificam a Deus em todas as áreas da vida do convertido.
Uma igreja que perde o gozo pela salvação consumada por Cristo perde também a real motivação de um culto a Deus. Em vez de ser uma reunião de salvos celebrando uns com os outros a Jesus por seu amor, o culto, na verdade, transforma-se numa reunião social, rotineira e fria. No que diz respeito ao evangelismo, não é possível oferecer a salvação em Cristo a não convertidos quando a alegria por possuí-la está apagada.
O serviço
Permita-me inserir o versículo 35 do capítulo 4 nesse comentário:
“E repartia-se a cada um, segundo a necessidade que cada um tinha”
Um dos desdobramentos da comunhão é o serviço ao próximo, como resultado do amor em nós gerado por Cristo. As necessidades de toda a igreja eram conhecidas por todos, dando-lhes um profundo senso de responsabilidade para com o próximo. Ou seja, a comunhão funcionava plenamente, e não apenas em cumprimentos rápidos ou forçados durante o culto por meio de petições de pregadores ou cantores. Além disso, o serviço demonstra que a comunhão entre os irmãos sai das quatro paredes do templo e atinge a vida diária do membro. Diáconos – aqueles que efetivamente servem – devem ser todos os cristãos. A quem servir? A igreja, o pastor e o próximo porque isso se constitui serviço a Deus. Como bem disse Dietrich Bonhoeffer, a Igreja só é Igreja quando existe para os outros.
A igreja deve estar atenta a esse aspecto e o novo convertido deve receber condições de crescer na graça e no conhecimento. E o serviço prestado a ele, seja de qual natureza for, é essencial.
A oração
Um dos aspectos importantíssimos para a igreja é a prática constante e bíblica da oração. E essa prática deve demonstrar que a mesma igreja depende de Deus para o suprimento de suas necessidades, para obter conhecimento dele através da sua Palavra e para cumprir seu papel como espelho de sua glória para o mundo.
A igreja de Atos era uma igreja de oração. Ela era o meio pelo qual levava a Deus as afrontas e perseguições que recebia para obter dele livramento. Isso é dependência.
Além disso, era uma igreja que nutria e mantinha uma comunhão com Deus através da prática da oração individual e coletiva, conforme vemos no episódio da libertação de Pedro.
Esses princípios devem ser ensinados ao novo convertido. Mas antes, esse ensino deve ser acompanhado da oração na prática, vivida pelos membros e praticada publicamente.
Conclusão
Uma igreja avivada é uma igreja que prega o evangelho e ganha almas. Mas é também uma igreja que ama e ensina as verdades da Palavra de Deus; que busca e aperfeiçoa a comunhão com Deus e com os irmãos; que vive e celebra as conquistas de Jesus para nós, através de sua vida e obra; que é guiada pela vontade de Deus e a conhece, também, por meio da oração.
Esses entendimentos devem nos levar a certeza de que o evangelismo não pode ser entendido como a soluçãopara os conflitos internos da congregação e seus problemas. O evangelismo é a conseqüência de uma igreja já está em plenas condições de fazer novos discípulos, dando-lhes condições, em seu seio, de dar frutos; ele éconseqüência também de uma igreja que entende seu papel perante a “nuvem de testemunhas” que a rodeia, vivendo a diferença e a transformação que somente cristo pode oferecer.
(1) – Verdadeiro ensino bíblico é aquele que expõe fielmente as verdades da Bíblia, possibilitando ao pecador conhecer sua necessidade de Deus e poder enxergar Jesus como seu único salvador. O falso é aquele que se vale de alguns textos bíblicos para impor ao novo convertido um conjunto de regras abraçado pela congregação e dar a elas um falso valor salvífico.