Para vários e bons propósitos Deus permite que vivamos num mundo de grandes trevas onde a injustiça, a violência e toda forma de pecados predominam, e que, por conseguinte, causam grandes tristezas naqueles que procuram viver segundo a Sua santa vontade.
Isto não sucede por mera condição de serem vitimados por outros, e pelas circunstâncias adversas externas, mas pelo efeito do próprio pecado em suas constituições fracas e terrenas.
Quanto sofrimento não experimentamos deste outro lado do céu quando percebemos em nós mesmos toda a nossa insuficiência para conhecer de modo adequado a vontade de Deus e podermos viver segundo esta mesma vontade.
Considere-se também que o próprio Deus, em ocasiões específicas, permite que estejamos à mercê de nossas fracas habilidades e desprovidos da necessária assistência e fortalecimento da Sua divina graça, e Ele o permite para que possamos conhecer o quão fracos somos e quanto dependemos do Seu poder e amor.
Ao virar o Seu rosto de nós, por um só instante, logo ficamos perturbados em nosso espírito e sujeitos a sentimentos de derrota.
Quando chegamos, muitas vezes, até mesmo a nos desesperarmos da vida, o Senhor torna a nos animar e fortalecer, quando chegamos até mesmo ao ponto extremo de pensar que era o final da nossa carreira e ministério perante Ele.
A propósito, esta é a maior causa da nossa tristeza, a saber, considerarmos que temos sido de pouca ou nenhuma utilidade para os propósitos do Senhor, especialmente o de sermos bênção para as vidas dos nossos semelhantes.
Ai de nós, se não fosse pela Sua grande misericórdia que nos dá forças renovadas para clamarmos a Ele em meio aos nossos momentos de vale de escuridão.
Se não fosse pela Sua misericórdia, que sempre se renova, jamais poderíamos ser erguidos do nosso abatimento.
Isto pode ser visto de modo muito expressivo no terceiro capítulo do Livro Lamentações de Jeremias, do qual apresentamos a seguir um breve resumo baseado no comentário de Matthew Henry:
O fiel lamenta as suas calamidades e tem esperança nas misericórdias de Deus.
Vv. 1-20. O profeta relata a parte mais sombria e desalentadora de sua experiência, e como encontrou apoio e alívio. Durante a sua prova, o Senhor havia se tornado terrível para com ele. Foi uma aflição que era a própria miséria, porque o pecado faz amargo o cálice da aflição.
A luta entre a incredulidade e a fé muitas vezes é severa, mas o crente mais fraco estará equivocado se pensar que a sua força e esperança no Senhor se acabaram.
Vv. 21-36. Havendo expressado a sua angustia e tentação, o profeta mostra como foi levantado acima delas. As coisas são extremamente más; porém, pela misericórdia do Senhor, não são piores. Devemos observar o que Ele faz por nós, e em que está contra nós. As misericórdias de Deus não falham; e disto temos novos exemplos a cada manhã. As porções da terra são coisas perecíveis, mas Deus é a porção eterna.
O nosso dever é e será o nosso consolo e satisfação, ter esperança e esperar em silêncio a salvação do° Senhor. Aflições contribuem e contribuirão muito para o bem, e muitos concluem ser proveitoso ter levado este jugo na juventude. A aflição tem transformado muitos homens e mulheres em pessoas humildes e sérias, e tornado tais pessoas detestadas pelo mundo, pois caso contrário teriam sido orgulhosos e ingovernáveis. Se a tribulação produz a paciência, a paciência a prova, e a prova esperança, a esperança não envergonha. Pensamentos adequados sobre o mal do pecado e de nossa própria pecaminosidade, nos convencerão de que é pela misericórdia do Senhor que não somos consumidos. Se não pudermos dizer com firme voz: “o Senhor é a minha porção”, será que poderíamos dizer “Desejo tê-lo como minha porção e salvação, e em sua Palavra tenho esperança”? Seremos felizes se aprendermos a receber a aflição, como sendo permitida por Deus.
Vv. 37-41. Enquanto há vida, há esperança; ao invés de nos queixarmos porque as coisas não vão bem, devemos nos estimular uns aos outros com a esperança de que ficarão melhores. Somos pecadores, e as coisas pelas quais nos queixamos são menores do que os nossos pecados merecem. Devemos nos queixar a Deus, e não dEle. Em tempos de calamidades somos propensos a refletir nos caminhos de outras pessoas e lançar-lhes a culpa; porém, o nosso dever é investigar e examinar os nossos caminhos, para tornar-nos do mal a Deus. Nosso coração deve estar posto em nossas orações. Se as impressões internas não concordarem com as externas, não estaremos enganando a Deus, mas a nós mesmos.
Vv. 42-54. Quanto mais o profeta olhava para as desolações, mais se entristecia. Aqui há uma palavra de consolo. Enquanto choravam, esperavam; e ninguém esperaria socorro de ninguém, somente do Senhor.
Vv. 55-66. A fé vem como vencedora, porque nestes versículos o profeta conclui com algo consolador. A oração é o alento do novo homem, que inala o ar da misericórdia nas petições e o exala em louvores; prova e mantém a vida espiritual. Ele silenciou os seus temores e aquietou os seus espíritos. Deus diz: “Não temas”. Esta foi a linguagem da graça de Deus pelo testemunho do seu Espírito. E o que são todos os nossos sofrimentos comparados com os do Redentor? Ele livra o seu povo de todos os problemas, e renova as forças de sua Igreja diante de todas as perseguições. Ele salvará os crentes com salvação eterna, enquanto os seus inimigos perecerão com destruição eterna.
Pr Silvio Dutra