Um dos textos mais citados em toda a história da Igreja, especialmente depois da Reforma, é o que encontramos nos versículos 31 a 34 do capítulo 31 de Jeremias, que se refere à promessa da Nova Aliança.
É importante, para uma interpretação correta de todas as palavras da citada passagem, considerá-la no contexto de toda a mensagem do livro de Jeremias, especialmente à luz da sentença inapelável de que muitos seriam mortos em Judá e o restante do povo seria levado para o cativeiro em Babilônia por causa dos seus pecados.
Então, a promessa da Nova Aliança foi dirigida originalmente às casas de Israel e de Judá, que tinham sido duramente castigadas pelo Senhor, e levadas para o cativeiro, para que tivessem confiança que o remanescente do povo que fosse poupado por Deus, poderia ter a plena confiança de que os antigos pecados e iniquidades que eles haviam praticado, seriam totalmente esquecidos, porque o Senhor tornaria a lhes fazer o bem, nos dias desta Nova Aliança que ainda seria inaugurada.
O Novo Testamento cita esta promessa, especialmente o autor de Hebreus, para afirmar que a condição de se estar aliançado com Cristo, é de perdão total de pecados, por causa do sangue deste novo pacto que foi derramado por Ele justamente para a remissão de pecados de muitos.
A nova aliança que seria feita com Israel e Judá seria estendida também aos gentios, porque a promessa do Messias, do Redentor, que foi dado aos judeus para apartá-los dos seus pecados, alcançaria também os gentios, para que uma vez remidos de seus pecados (perdoados, livrados, justificados) por causa da obra deste Redentor, que tomaria sobre Si mesmo as nossas iniquidades, para que pudéssemos ser livrados da ira de Deus contra o pecado, tal como Ele a havia manifestado contra Israel e Judá, conforme vemos no livro de Jeremias.
E esta Nova Aliança seria firmada para que pudéssemos receber a implantação da Sua Lei em nossas mentes e corações, pela habitação do Espírito Santo, que é Aquele que implanta a Palavra de Deus em nós, de modo que sejamos admitidos como participantes do verdadeiro povo de Deus, que jamais será condenado por Ele, e que habitará com Ele por toda a eternidade.
Então, está claro que a promessa da Nova Aliança não tem em vista nos dar um salvo conduto para continuarmos na prática do pecado, enquanto temos a certeza de que iremos para o céu, por terem sido perdoadas as nossas iniquidades em Cristo, ou seja, vivermos tal como viveram os israelitas do passado, e sobre os quais viera a ira de Deus nos dias de Jeremias.
Evidentemente, não poderia ser este, de modo algum, o significado da promessa da Nova Aliança e dos seus benefícios.
Porque está bastante claro no contexto de Jeremias que Deus não ficou cansado de exigir santidade de Seu povo, por julgar que isto seja algo impossível de ser alcançado, mas nos proveu de um meio eficaz na Nova Aliança, para que possamos alcançar este propósito da nossa santificação, no qual Ele está interessado tão de perto, tanto que o autor de Hebreus não cita simplesmente o perdão das iniquidades e o esquecimento dos pecados dos cristãos por Deus, por causa da Nova Aliança, como também os exorta ao progresso em santificação, dizendo que sem esta evidência ninguém verá o Senhor.
Isto significa que o sangue derramado por Cristo tem o propósito de nos santificar, de modo que possa ser cumprido o desígnio eterno de Deus em relação aos que nele creem.
Esta passagem de Jeremias relativa à Nova Aliança requer uma reflexão especial porque trata de algo realmente inteiramente novo que Deus providenciaria para que aqueles que fossem admitidos por Ele como integrantes do Seu povo pudessem receber um auxílio especial, na pessoa e obra do Messias, do Rei Justo prometido no vigésimo terceiro capítulo deste livro de Jeremias.
“5 Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e procederá sabiamente, executando o juízo e a justiça na terra.
6 Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro; e este é o nome de que será chamado: O SENHOR JUSTIÇA NOSSA.” (Jer 23.5,6).
Nos dias da Antiga Aliança, Deus havia levantado governantes, juízes e reis justos e piedosos para conduzirem o povo, tais como Moisés, Josué, Samuel, Davi, Josafá, Ezequias, Josias, dentre outros, entretanto, nenhum deles poderia garantir que um só israelita vivesse em santidade diante de Deus.
Mas este Rei procederia como um renovo de Davi, um ramo que brotaria do tronco-raiz seco e morto de Jessé, pai de Davi, na plenitude do tempo, depois de Deus ter demonstrado fartamente, que sem a Sua ajuda, e sem que Ele nos fosse dado, Ele não poderia ter um povo que andasse na prática da justiça e da piedade.
E isto foi demonstrado de modo prático durante séculos na vida da nação de Israel, antes que Jesus se manifestasse e inaugurasse a Nova Aliança, que está sendo prometida no trigésimo primeiro capitulo de Jeremias.
Deus teve no antigo pacto pessoas que foram justificadas e andaram na justiça como Moisés e outros, e até mesmo antes deles, outros como Abel, Enoque e Abraão, mas nunca se viu todo o povo de Deus andando nos Seus caminhos, e conhecendo a Sua vontade.
Por isso as bases do pacto puderam ser mudadas, para que não fosse conforme o que fora feito por meio de Moisés, porque o Rei do povo de Deus, que lhes seria dado, seria poderoso para garantir o andar de todos eles na justiça, e fazer com que todos eles também conhecessem a Deus, diferentemente dos judeus nos dias do Antigo Testamento, que em sua grande maioria, apesar de fazerem parte da aliança, de serem do povo Deus, não O conheciam e não andavam em Seus caminhos.
Como o Seu governo é efetivo no coração, na alma, no espírito, e no próprio corpo dos súditos do Seu reino, então não haveria mais necessidade de se promulgar uma lei que ameaçasse com destruição, com seca, com morte pela espada, pela doença, e com cativeiro, a qualquer dos aliançados que viessem a transgredir os mandamentos de Deus, porque eles não seriam lançados fora da aliança, porque seria garantido por este Rei que seria a própria JUSTIÇA deles, que os seus pecados todos e todas as suas iniquidades, fossem perdoados e esquecidos, porque carregaria os pecados e a culpa do Seu povo sobre Si mesmo, quando morresse no lugar deles na cruz.
Por isso se diz que o nome que o Seu povo seria conhecido é o de SENHOR JUSTIÇA NOSSA, porque Ele próprio seria a justiça deles, com a qual estariam justificados de seus pecados diante de Deus.
Deste modo, se afirma que já não há nenhuma condenação, acusação, ou maldição para quem está em Cristo Jesus.
Porque foram resgatados da maldição da Lei por Ele, e também da escravidão ao pecado e ao diabo, e do poder da morte.
Então os cristãos não se encontram debaixo das maldições previstas na Lei de Moisés, porque eram inerentes à Antiga Aliança, mas debaixo de uma Nova Aliança, que substituiu inteiramente a Antiga.
A Justiça deste Rei Justo com a qual somos justificados é a base do Seu reino, ao qual fomos chamados a participar pela misericórdia de Deus, nos associando a Ele, de um modo vital, de modo que se diz que: “sendo Rei, reinará e procederá sabiamente, executando o juízo e a justiça na terra. Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro; e este é o nome de que será chamado: O SENHOR JUSTIÇA NOSSA.”. Então é esta Justiça que é dEle, e não propriamente nossa, que nos salva e nos faz habitar em segurança, conforme a promessa constante da profecia deste texto citado de Jer 23.5b,6.
Esta justificação não pode significar que nos tornamos perfeitamente justos desde que tivemos um encontro pessoal com Cristo, pois que ainda permanecemos sujeitos à ação do pecado e nem se pode dizer de nós, enquanto neste mundo, que chegaremos à plenitude da perfeição das virtudes de Deus.
Ora, isto ocorrerá no porvir. Mas não se declara na Palavra que seremos justificados no porvir, porque a justiça do Rei Justo será implantada progressivamente em nós pela santificação, e também nos aperfeiçoará perfeitamente no porvir, porque isto terá sido possível por causa da justificação que nos foi atribuída de uma vez para sempre desde que passamos a pertencer a Ele, e consequentemente ao Seu reino de justiça.
É por isso que o Senhor afirma que não lança fora a nenhum que vem a Ele, e que a vontade do Pai é que não perca a nenhum dos que lhes foram dados por Ele.
Ora, isto significa sobretudo que enquanto permanecermos nEle, nada poderá nos separar do Seu amor, porque a obra de expiação que fizera em nosso favor, para o perdão do nosso pecado, foi completa, perfeita e segura; assim, como a nossa justificação por estarmos nEle possui também tais características, porque é impossível que Ele possa ser vencido, e
Sua vida é eterna e inabalável.
Em Cristo temos sido aperfeiçoados.
Podemos ser ainda imperfeitos, mas seremos perfeitos como Ele é perfeito, se permanecermos firmes na fé e nEle mesmo.
Somos chamados de justos, ainda que imperfeitos, porque estamos nAquele que é perfeitamente Justo.
O capítulo 31 de Jeremias é introduzido pela citação “Naquele tempo”, ou seja, nos dias da Nova Aliança, da dispensação da graça.
E o Senhor diz que na referida época, Ele seria o Deus de todas as famílias de Israel e elas seriam o Seu povo (v. 1), isto, sabemos agora, por causa da promessa de que todo cristão seria um verdadeiro israelita, conhecido e conhecedor de Deus, integrante de Sua família, porque de outro modo, seria impossível o cumprimento de uma tal promessa em que todas as famílias de Israel pudessem ser consideradas integrantes do verdadeiro povo de Deus.
Deus faria isto por causa do Seu grande amor que é eterno, e da Sua benignidade que atrairia aqueles que salvaria pela Sua misericórdia a Si mesmo, e hoje sabemos que Ele o faz, nos atraindo a Jesus Cristo para sermos salvos por Ele (v. 3).
Haveria nestes dias futuros de bênçãos quem gritasse como sentinelas no monte de Efraim, que se subisse ao monte Sião, à presença do Senhor, porque haveria cânticos de alegria, e haveria exultação por causa de Israel, que seria posta como a principal das nações, e o que se proclamaria seria o seguinte: “Salva, Senhor, o teu povo, o resto de Israel.”. Este resto de Israel, é o remanescente fiel deste povo que será salvo por Cristo.
O Senhor havia falado antes somente em destruir, mas agora Ele está falando de uma edificação que ocorreria no futuro.
Já não falaria mais em destruição, mas em edificação, por isso Jesus disse que não veio condenar o mundo, ou julgá-lo, mas salvá-lo, ou seja, na presente dispensação da graça, Ele está sendo inteiramente longânimo para com todos os pecadores, na expectativa de que se arrependam e vivam.
Ele estará convocando, através da Igreja, as pessoas de todos os recantos da terra, para que se arrependam e creiam nEle para que vivam, em vez de destruí-las por causa dos seus pecados.
Então, em face de tal graça e misericórdia, os de Israel, que haviam sido espalhados pelas nações, por causa dos juízos de Deus, tornariam a ser reunidos por Ele em sua própria terra, assim como o pastor ajunta o seu rebanho para guardá-lo.
O pecado e o diabo que eram mais fortes do que Israel e que continuamente o levava a pecar e a se desviar de Deus, seriam vencidos por Jesus, que é mais forte do que ambos, de modo que uma vez sendo amarrados por Ele esses valentes, Israel poderia ser libertado (v. 11).
E então o Senhor passou a proclamar as bênçãos que viriam não somente sobre os judeus, que haviam sido deportados para Babilônia, como também para os israelitas que haviam sido levados em cativeiro pelos assírios, ou seja, para os descendentes deles, especialmente sob o governo de Jesus, quando fossem reunidos a Ele.
Haveria um clamor em Ramá, por causa da matança de meninos de dois anos para baixo em Belém e seus arredores, por ordem do Rei Herodes, que tentaria impedir o cumprimento da promessa de Deus, de dar a Seu povo o Rei que o salvaria dos seus pecados (v. 15, Mt 2.16-18).
Todavia, o propósito eterno de Deus não poderia ser frustrado, e Herodes nada poderia fazer para impedir a chegada a este mundo do Rei dos reis, e Senhor dos senhores, por causa de quem o povo de Deus canta com júbilo e fica radiante com os benefícios do Senhor, em todas as Suas provisões, e também por quem suas vidas se tornam como jardins regados, de modo que nunca mais desfalecerão.
Além disso, por causa da Nova Aliança em Cristo, haverá cântico de júbilo nos altos de Sião, que simbolizam a condição elevada da alma na presença de Deus nas regiões celestiais (v. 12 a).
Jovens e velhos dançariam alegremente quando o Senhor edificasse o Seu povo, e o pranto deles seria transformado em alegria, porque seriam consolados pelo Espírito Santo, e o Senhor lhes daria alegria no lugar da tristeza (v. 13).
Todo o choro pelas tribulações e aflições, especialmente as produzidas pelo Inimigo, deveria ser reprimido, bem como todas as lágrimas dos olhos, porque o Senhor recompensaria o trabalho dos Seu povo, e o livraria da opressão do Inimigo (v. 16).
Os que haviam sido castigados deveriam abandonar as suas queixas, e pedirem ao Senhor para serem restaurados, porque estava preparando uma nova dispensação onde prevaleceria mais a Sua misericórdia do que os Seus juízos (a da graça), e portanto, os que se achavam desviados poderiam regressar a Ele com confiança, porque saciaria toda alma cansada e fartaria toda alma desfalecida (v. 25).
Tudo isto fora dado em sonho a Jeremias (v. 26), para que o Senhor o confirmasse logo depois ao profeta com a promessa relativa à Nova Aliança, na qual se cumpririam todas estas bênçãos que ele vira em sonho.
Deus disse que no passado havia falado em arrancar e derrubar, transtornar, destruir, e afligir, relativamente às casas de Israel e de Judá, como vemos nas Suas ameaças em quase todo o Velho Testamento, mas disse que nos dias que ainda viriam (dispensação da graça), Ele agora vigiaria para edificar e para plantar. (v. 28).
Por isso o apóstolo Paulo diz que a Igreja é a lavoura de Deus, referindo-se a ela como uma plantação, e também como o edifício de Deus, porque o Senhor prometeu plantar e edificar, e não arrancar e destruir o Seu povo nos dias da Nova Aliança.
Nós vemos também o apóstolo se dirigindo à Igreja carnal de Corinto, dizendo que os repreenderia pelos seus pecados, mas que não os destruiria porque o ministério que havia recebido do Senhor era para edificação e não para destruição (II Cor 13.10).
Deus revogaria também o princípio da iniquidade dos pais ser visitada nos filhos até a terceira e quarta geração, conforme previsto na Antiga Aliança, porque na Nova, cada um responderia pelos seus próprios pecados perante Ele (v.29, 30).
E depois de ter feito esta introdução de promessas de bênçãos, revelou ao profeta como elas se cumpririam, a saber: com a entrada em vigor da Nova Aliança no lugar da Antiga, conforme já comentamos anteriormente (v. 31 a 34).
E para ratificar a imutabilidade deste Seu propósito que se cumpriria em Cristo, o Senhor afirmou que se tal promessa pudesse ser revogada, então Israel deixaria também de ser uma nação diante dEle para sempre, porque não há outro modo de existir um povo para Deus, senão na união dos Seus filhos com Jesus Cristo, sendo salvos por Ele, pela justificação da Nova Aliança, com a qual o próprio Abraão havia sido justificado, antes mesmo da Lei, para que se soubesse, que é por tal justificação em Cristo que se tem vida eterna, e não pela Lei de Moisés (v. 35, 36).
Deus não rejeitaria Israel apesar de tudo quanto haviam feito, porque usaria de misericórdia e salvaria o remanescente da referida nação, e não deixaria de fazer isto de modo algum, e por isso afirmou que o faria somente caso alguém pudesse medir os céus e os fundamentos da terra (v. 37).
Assim, os judeus deveriam ter confiança, enquanto estivessem no cativeiro, que o Senhor visava ao bem do Seu povo, e não à Sua destruição, e que deveriam voltar com alegria e com confiança para a sua própria terra, depois que fossem libertados por Ele do cativeiro em Babilônia, porque o Seu propósito para Israel é o de que seja colocado como cabeça das nações na terra para sempre, sem que possa ser jamais derrubado, e isto terá cumprimento por ocasião da volta de Jesus (v. 38 a 40).
Pr Silvio Dutra