“E não quereis vir a mim para terdes vida” (João 5:40 ACF1)
Introdução
Este texto é uma das grandes armas dos arminianos, montada no topo de suas muralhas, e é frequentemente descarregada com terrível barulho contra os pobres cristãos chamados calvinistas. Pretendo esta manhã bloquear esta arma, ou melhor, vira-la contra os opositores, porque ela nunca foi deles; não foi fundida na forja deles, mas foi planejada para ensinar uma doutrina exatamente oposta à que eles sustentam.
Geralmente, quando este texto é utilizado, suas divisões são: Primeiro, que o homem tem uma vontade. Segundo, que ele é inteiramente livre. Terceiro, que os homens podem, por sua própria vontade, desejar vir a Cristo, caso contrário não serão salvos. Hoje, não utilizaremos tais divisões; mas nos empenharemos em dar uma olhada cuidadosa no texto; e não pelo simples fato de haver nele a palavra “querer” ou “não querer”, nós sairemos com a conclusão de que ele ensina a doutrina do livre-arbítrio.
Já foi provado além de qualquer controvérsia que o livre-arbítrio é um absurdo. A liberdade não pode pertencer à vontade, mais do que a medição poderia pertencer à eletricidade. São coisas completamente diferentes. Em livre-agência nós podemos crer, mas livre-arbítrio é simplesmente absurdo. É bem sabido por todos, que a vontade é direcionada pelo entendimento, movida por motivos, guiada por outras partes da alma, e é tida como algo secundário.
A filosofia e a religião descartam de todo a idéia de livre-arbítrio; e vou tão longe quanto Martinho Lutero foi, em sua firme afirmação, quando diz que:
“se algum homem atribuir qualquer parte da salvação, mesmo a menor parte dela, ao livre-arbítrio do homem, ele nada sabe sobre a graça, e não conheceu a Jesus Cristo corretamente”. Martinho Lutero
Esta pode parecer uma opinião rude; mas aquele que em sua alma crê que o homem vai, por sua própria vontade, voltar-se para Deus, não pode ter sido ensinado por Deus, pois que este é um dos princípios que nos são ensinados quando Deus inicia sua obra em nós, que não temos nem o querer, nem o poder, mas que ele concede ambos; que ele é o “Alfa e o Ômega” da salvação dos homens.
Nossos quatro pontos, esta manhã, serão:
* Primeiro
– que cada homem está morto, porque o texto diz: “E não quereis vir a mim para terdes vida”.
*
Segundo
– que há vida em Jesus Cristo: “E não quereis vir a mim para terdes vida”.
*
Terceiro
– que há vida em Cristo Jesus para todo aquele que a busca: “E não quereis vir a mim para terdes vida”, implicando que todo aquele que vai terá vida.
*
Quarto
– o ponto principal do texto está em que nenhum homem por sua própria natureza jamais irá a Cristo, porque o texto diz: “E não quereis vir a mim para terdes vida”.
Muito longe de afirmar que os homens por sua própria vontade, em algum momento, fariam tal coisa, ele categoricamente e claramente nega isto, e diz: “e NÃO QUEREIS vir a mim para terdes vida”. Porque, amados, estou já quase pronto a exclamar: Têm os defensores do livre-arbítrio tão pouco conhecimento que ousam contrariar a inspiração? Não têm nenhum senso todos os que negam a doutrina da graça? Têm eles se afastado tanto de Deus, que forçam este texto para provar o livre-arbítrio; ainda que ele diga “e NÃO QUEREIS vir a mim para terdes vida”?
I. Primeiro, então, nosso texto implica QUE OS HOMENS POR NATUREZA ESTÃO MORTOS.
Ninguém precisa ir em busca de vida se já tem vida em si mesmo. O texto fala muito fortemente quando declara: “e não quereis vir a mim para terdes vida”. Apesar de não dizê-lo com palavras, ele afirma, com efeito, que os homens precisam de uma vida além da que têm em si mesmos. Meus ouvintes, nós todos estamos mortos a não ser que tenhamos sido gerados para uma viva esperança.
Morte Legal (Jurídica)
Primeiro, em nós mesmos, em nossa natureza, estamos todos legalmente mortos:
“no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn. 2:17) disse Deus a Adão.
E embora ele não tenha morrido fisicamente naquele instante, ele morreu legalmente: isto quer dizer que a morte foi decretada contra ele.
No momento em que, no Old Bailey, o juiz veste a capa preta e pronuncia a sentença, o homem é considerado morto pela lei. Talvez possa se passar um mês antes de ele ser trazido ao cadafalso para sofrer a sentença da lei, no entanto, a lei já o considera um homem morto. É-lhe impossível fazer qualquer transação. ele não pode herdar, nem deixar em herança os seus bens; ele não é nada – é um homem morto. A nação de nenhum modo o considera como se estivesse vivo. Havendo uma eleição – não lhe é pedido o seu voto, porque ele é considerado legalmente morto. ele está trancado em sua cela de condenação e está morto.
Ah! E vocês incrédulos pecadores, que nunca tiveram vida em Cristo, que estão vivos nesta manhã, por uma suspensão temporária da sentença, não sabem que estão legalmente mortos? Que Deus os considera assim, que no dia que seu pai Adão comeu o fruto, e quando vocês próprios pecaram, Deus, o Eterno Juiz, colocou sobre Si a capa preta e os condenou? Vocês falam poderosamente de sua própria firmeza, e bondade, e moralidade: mas, onde estão elas?
As Escrituras dizem que vocês “já estão condenados” (Jo. 3:18). Não têm que esperar para serem condenados no dia do juízo final – ali será a execução da sentença – vocês “já estão condenados”. No momento em que pecaram, seus nomes foram escritos no livro negro da justiça: todos foram então sentenciados, por Deus, à morte, exceto se alguém encontrar um substituto para si, por causa dos seus pecados, na pessoa de Cristo.
O que vocês pensariam se fossem à prisão de Old Bailey, e vissem o criminoso condenado sentado em sua cela, rindo e feliz? Vocês diriam: “O homem é um tolo, pois está condenado e está para ser executado: no entanto, quão contente ele está!”. Ah, e quão tolo é o homem mundano que, enquanto a sentença está sendo registrada contra ele, vive em divertimento e alegria!
Vocês pensam que a sentença de Deus não tem efeito? Pensam que seu pecado, que está gravado com ponteiro de aço nas rochas para sempre, não tem horrores em si mesmo? Deus disse que vocês já estão condenados. Se pudessem tão somente sentir isto, o amargor se misturaria às suas doces taças de alegria; suas danças parariam. O riso se extinguiria com um suspiro, se vocês se lembrassem que já estão condenados. Todos nós deveríamos chorar se compreendêssemos em nossas almas que por natureza não temos vida aos olhos de Deus. Estamos verdadeiramente, positivamente, condenados; a morte está decretada contra nós, e somos considerados, agora, em nós mesmos, aos olhos de Deus, tão mortos quanto se já tivéssemos sido lançados no inferno: estamos condenados aqui pelo pecado. Ainda não sofremos a penalidade por ele, porém, ela está escrita contra nós, e estamos legalmente mortos, e não podemos encontrar vida, a menos que possamos achar vida legal na pessoa de Cristo, e isto logo.
Morte Espiritual
Mas, além de estarmos legalmente mortos, estamos também espiritualmente mortos. Isso porque a sentença não somente foi lavrada no livro, mas também no coração e entrou na consciência, operou na alma, no julgamento, na imaginação e em tudo: “… porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”, esta sentença não foi cumprida somente pelo decreto, mas também por algo que aconteceu em Adão.
Assim como num certo momento, quando este corpo morrer, o sangue parará, o pulso cessará e a respiração não virá mais aos pulmões, assim também no dia em que Adão comeu do fruto, sua alma morreu; sua imaginação perdeu seu poder de ascender às coisas celestiais e ver o céu, sua vontade perdeu para sempre seu poder de escolher aquilo que é bom, seu julgamento perdeu toda a sua habilidade de julgar entre o certo e o errado decidida e infalivelmente. Ainda que algo tenha sido retido na consciência, sua memória tornou-se corrompida, propensa a reter as coisas más, e a deixar as coisas virtuosas deslizarem para longe, todo o poder que tinha cessou quanto à sua vitalidade moral. A bondade era a vitalidade do seu poder – isso se foi. Virtude, santidade, integridade, estas eram a vida do homem, e quando se foram o homem tornou-se morto. E agora, todo homem, no que concerne às coisas espirituais, “está [espiritualmente] morto em ofensas e pecados” (Ef. 2:1). Também a alma não esta menos morta, em um homem carnal, que o corpo quando depositado no túmulo: ela está verdadeira e positivamente morta – não por metáfora, porque Paulo não fala por metáforas quando afirma: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados”.
Mas, meus ouvintes, novamente, eu gostaria de poder colocar este assunto em seus corações. Foi suficientemente ruim quando descrevi a morte como tendo sido decretada: porém, agora eu falo dela, como tendo de fato acontecido nos seus corações.
Vocês não são o que eram antes: não são o que eram em Adão, nem o que foram gerados. O homem foi criado puro e santo. Vocês não são as criaturas perfeitas das quais alguns se gloriam, todos são totalmente caídos, todos se desviaram do caminho, tomando-se corruptos e sujos. Oh, não ouçam o canto da sereia daqueles que falam da dignidade moral e do elevado estado de vocês no tocante à salvação. Vocês não são perfeitos: aquela importante palavra, “ruína”, está escrita em seus corações, e a morte está estampada em seus espíritos.
Não imagine, oh homem moral, que poderá ficar de pé diante de Deus em sua moralidade, pois você não é mais do que uma carcaça embalsamada em legalismo, um defunto enfeitado em finas roupas, porém não obstante corrompido aos olhos de Deus. E não pense, oh você possuidor de uma religião natural, que poderá por sua própria força e poder, se fazer aceitável a Deus. Porque, homem, você está morto! E você pode vestir o morto tão gloriosamente quanto quiser, porém isso ainda seria um enorme esforço em vão.
Lá jaz a rainha Cleópatra – coloque a coroa em sua cabeça, cubra-a em vestes reais, deixe-a sentar com pompa: mas, que calafrio você sente quando passa por ela. Hoje ela está bela, mesmo em sua morte – mas quão terrível é ficar junto a um morto, mesmo uma rainha morta, celebrada por sua majestosa beleza! Assim, você pode ser magnífico em sua beleza, sua cortesia, e amabilidade, e graciosidade! Você coloca a coroa da honestidade sobre a sua cabeça, e coloca sobre você todas as vestes de honra, mas a não ser que Deus o tenha vivificado, oh homem, a não ser que o Espírito tenha tratado com a sua alma, você é tão detestável aos olhos de Deus, quanto o cadáver frio é repugnante a você.
Você não escolheria viver com um morto assentado à sua mesa, nem Deus tem prazer em que você esteja diante de seus olhos. ele fica irado com você todos os dias, porque você está em pecado – você está em morte. Oh! Creia nisto, coloque isto em sua alma! Aproprie-se disto, porque é bem verdade que você está morto, tanto espiritualmente quanto legalmente.
Morte Eterna
O terceiro tipo de morte é a consumação dos outros dois tipos. É a morte eterna. É a execução da sentença legal e a consumação da morte espiritual. A morte eterna é a morte da alma; ela acontece após o corpo ter morrido, após a alma ter saído do corpo. Se a morte legal é terrível, ela o é devido às suas conseqüências; e se a morte espiritual é horrível, ela o é devido ao que vem depois dela. As duas mortes das quais falamos são as raízes, e a morte que virá é a sua flor!
Oh, se eu tivesse palavras para descrever a você nesta manhã o que é a morte eterna: A alma compareceu ante seu Criador; o livro foi aberto; a sentença foi declarada: “Apartai-vos malditos” (Mt. 25:41), e ela sacudiu o universo, e fez com que as próprias estrelas se escurecerem com a desaprovação do Criador; a alma se foi às profundezas onde habitará com as outras em morte eterna.
Oh! Quão horrível é sua situação agora. Seu leito é um leito de chamas; as visões que tem são visões assassinas que aterrorizam seu espírito; os sons que ouve são gritos, e choros, e lamentos, e gemidos; tudo que seu corpo conhece é o infligir de dores lancinantes! Tem a indescritível aflição do sofrimento que não diminui. A alma olha para cima. A esperança está extinta – se foi. Olha para baixo, em medo e pavor: o remorso toma conta dela. Olha à sua direita, e as impenetráveis paredes da morte a mantêm dentro dos limites da tortura. Olha à sua esquerda, e há uma barreira de fogo ardente que impede o crescimento de qualquer especulação de fuga que seja sonhada. Olha para seu interior e busca por consolação ali, mas um verme destruidor já entrou em sua alma. Ela olha em volta, não tem amigos que a ajudem, nem consoladores, mas atormentadores em abundância. Não tem nenhuma esperança de libertação; já ouviu a eterna chave do destino fechando a terrível prisão, e viu Deus tomar a chave e jogá-la nas profundezas da eternidade, para nunca mais ser encontrada. Sem esperança, desconhece o escape, não conjectura libertação; suspira por um fim, mas a morte é por demais um adversário para estar ali; deseja ardentemente que a não existência a possa tragar, mas a morte eterna é pior que o aniquilamento. Anseia pelo extermínio como o trabalhador pelo dia de descanso; deseja profundamente que possa ser engolida pelo nada, assim como o escravo da galé deseja sua liberdade que nunca chega. Está eternamente morta.
Mesmo quando a eternidade já tiver dado incontáveis voltas em seus ciclos eternos a alma ainda continuará morta. Para todo o sempre não achará fim; a eternidade não pode ser descrita a não ser em termos da própria eternidade. Ainda assim, a alma vê escrito sobre sua cabeça: “tu és maldita para sempre”. Ela ouve gritos que serão perpétuos; vê as chamas que não podem ser apagadas; conhece as dores que não terão alivio; ouve uma sentença que ruge não como um trovão da terra que logo cessa, mas, que prossegue, e prossegue, e prossegue, estremecendo em ecos pela eternidade – fazendo milhares de anos tremerem outra vez com o terrível estrondo do seu aterrorizante som: “Apartai-vos! Apartai-vos! Apartai-vos malditos!” Esta é a morte eterna.
II. Segundo, EM CRISTO JESUS HÁ VIDA,
Porque ele diz: “e não quereis vir a mim para terdes vida”. Não há vida em Deus o Pai para o pecador; não há vida em Deus o Espírito para o pecador separado de Jesus. A vida do pecador está em Cristo. Se vocês tomarem o Pai à parte do Filho, apesar dele amar Seus eleitos e decretar que eles viverão, ainda assim a vida está somente em seu Filho. Se tomarem Deus o Espírito à parte de Jesus Cristo, apesar de ser o Espírito quem nos dá vida espiritual, ainda assim a vida está em Cristo, a vida está no Filho. Não nos atrevemos e não podemos requerer vida espiritual, em primeiro lugar, nem de Deus o Pai, ou de Deus o Espírito Santo. A primeira coisa a que somos levados quando Deus nos tira do Egito é a comer a Páscoa – a primeiríssima coisa. Os primeiros meios pelos quais recebemos vida consistem em nos alimentarmos da carne e do sangue do Filho de Deus; vivendo nele, confiando nele, crendo em Sua graça e poder.
Nosso segundo pensamento foi que – há vida em Cristo. Mostraremos a você que há três tipos de vida em Cristo, assim como há três tipos de morte.
Vida Legal (Jurídica)
Primeiro há vida legal em Cristo. Assim como todo homem, em sua natureza, considerado em Adão, teve uma sentença de condenação atribuída a ele no momento do pecado de Adão, e mais especificamente, no momento de sua própria primeira transgressão, do mesmo modo se eu for um crente, e você, se confiar em Cristo, teremos uma sentença de absolvição atribuída a nós através daquilo que Jesus Cristo fez. Ó pecador condenado! Você pode estar sentado aqui esta manhã tão condenado quanto um prisioneiro em Newgate2, mas antes deste dia terminar poderá estar tão livre de culpa quanto os anjos lá do alto.
Existe de fato uma vida legal em Cristo, e, Bendito seja Deus! Alguns de nós a desfrutamos. Sabemos que nossos pecados estão perdoados porque Cristo sofreu o castigo por eles. Sabemos que nós mesmos nunca seremos punidos, porque Cristo sofreu em nosso lugar.
A Páscoa foi sacrificada por nós: as ombreiras e a verga das portas foram espargidos, e o anjo destruidor nunca nos tocará. Para nós não há inferno; mesmo que ele arda com terrível chama. Não importa que o Tofete3 esteja preparado desde há muito tempo, não importa que sua pilha seja de madeira e que haja muita fumaça, nós nunca iremos para lá – Cristo morreu por nós, em nosso lugar. E se houver rodas para horríveis torturas? Ou se houver uma sentença produzindo a mais horrenda reverberação do som de trovões? Ainda, nenhuma roda, ou calabouço, ou trovão, são para nós! Em Cristo Jesus somos libertos agora.
“Portanto, AGORA nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm. 8:1).
Pecador! Você está legalmente condenado nesta manhã? Sente isso? Então, deixe-me dizer-lhe que a fé em Cristo lhe dará o conhecimento de sua absolvição legal. Meu amigo, não é nenhuma fantasia que estamos condenados por nossos pecados, isto é uma realidade. Portanto, tampouco é fantasia que fomos absolvidos de nossos pecados, isto é uma realidade. Um homem prestes a ser enforcado, se recebesse pleno perdão, sentiria isso como uma grande realidade, ele diria: “eu recebi total perdão, agora não posso ser tocado”. É exatamente assim que me sinto.
“Agora livre do pecado eu ando longe da prisão,
O sangue do Salvador é minha completa libertação,
Aos Seus amados pés me deito,
Um pecador salvo, minha homenagem deixo”.
Irmãos, nós ganhamos vida legal em Cristo, e uma vida legal tal que não a podemos perder. A sentença foi contra nós no passado – agora tudo mudou. Está escrito: “portanto, AGORA NENHUMA CONDENAÇÃO HÁ”, e esse “agora” valerá para mim daqui a cinqüenta anos, tanto quanto vale hoje. Não importa o momento que vivemos, ainda estará escrito: “portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”.
Vida Espiritual
Então, em segundo lugar, há vida espiritual em Cristo Jesus. Como o homem está espiritualmente morto, Deus tem vida espiritual para ele, porque não há nenhuma necessidade que não seja suprida por Jesus, não há vazio no coração que Cristo não possa preencher: não há um ermo que ele não possa povoar, não há deserto que ele não possa fazer florescer como a rosa.
Ó vocês, pecadores mortos, espiritualmente mortos, há vida em Cristo Jesus, pois nós a temos visto – sim, estes olhos viram – os mortos vivem de novo: nós conhecemos um homem cuja alma era completamente corrompida, e que pelo poder de Deus seguiu pelo caminho da justiça; conhecemos um homem cuja forma de ver as coisas era carnal, cujas concupiscências eram poderosas, cujas paixões eram fortes, e que, de repente, por um irresistível poder do céu, consagrou a si mesmo a Cristo, e tornou-se um filho de Deus.
Sabemos que há vida em Cristo Jesus, vida de natureza espiritual; sim, mais ainda, nós mesmos, em nós mesmos, temos sentido que há vida espiritual. Podemos bem nos lembrar quando nos sentamos na casa de oração, tão mortos quanto os bancos nos quais estávamos sentados. Havíamos ouvido por muito tempo o som do evangelho, mas nenhum efeito se seguiu, quando de repente, como se os nossos ouvidos tivessem sido abertos pelos dedos de um poderoso anjo, um som entrou em nossos corações. Pensamos ter ouvido Jesus dizer:
“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mt. 13:9).
Uma mão irresistível se colocou sobre nosso coração e espremeu dele uma oração. Nunca havíamos feito antes uma oração como esta. Nós clamamos:
“Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!” (Lc. 18:13).
Alguns de nós sentimos a mão de Deus nos apertando durante meses, como se tivéssemos sido apanhados num torno, e as nossas almas sangraram gotas de angústia. Essa miséria era um sinal de vida se iniciando. As pessoas quando estão se afogando não sentem tanta dor como quando estão sendo restabelecidas. Oh, nós nos lembramos daquelas dores, daqueles gemidos, daquela luta que nossa alma travava quando viemos a Cristo. Ah! Podemos nos lembrar do receber nossa vida espiritual, tão facilmente quanto poderia um homem que fosse ressurrecto do túmulo. Podemos supor que Lázaro tivesse lembrança de sua ressurreição, mesmo que não de todos os detalhes dela. Assim, apesar de termos nos esquecido de muitos detalhes, podemos lembrar de nós nos entregando a Cristo. Podemos dizer a cada pecador, mesmo morto, que há vida em Cristo Jesus, mesmo que você esteja apodrecido e corrompido em seu túmulo espiritual. Aquele que ressuscitou Lázaro, também nos ressuscitou; e ele pode dizer, mesmo a você: “Lázaro, sai para fora” (Jo. 11:43).
Vida Eterna
Em terceiro lugar, há vida eterna em Cristo Jesus. E, ah, se a morte eterna é terrível, a vida eterna é abençoada; porque ele disse:
“Onde eu estiver, ali estará também o meu servo” (Jo. 12:26).
“Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória” (Jo. 17:24).
“E dou [às minhas ovelhas] a vida eterna, e nunca hão de perecer” (Jo. 10:28).
Agora, qualquer arminiano que pregasse a partir desse texto precisaria comprar um par lábios de borracha da Índia, porque estou certo que ele precisaria esticar sua boca estupendamente, pois nunca seria capaz de dizer toda a verdade sem se enrolar de um modo muito misterioso.
Vida eterna – não uma vida que estão a ponto de perder, mas vida eterna. Se eu perdi a vida em Adão, eu a ganhei em Cristo; se em Adão me perdi para sempre, em Cristo Jesus me encontro para sempre. Vida eterna! Oh, que pensamento abençoado! Nossos olhos reluzirão com gozo e nossas almas descansarão em êxtase com o pensamento de que temos vida eterna. Apaguem-se estrelas! Ponha Deus Seu dedo sobre nós – mas minha alma viverá em felicidade e gozo. Apaga seu olho, ó sol! – mas meus olhos “verão o Rei em Sua formosura” quando teu olho não mais fizer a verde terra sorrir. E lua, torne-se sangue! – mas meu sangue jamais se tornará em nada; este espírito ainda existirá quando você tiver deixado de existir. E você grande mundo! – poderá de todo cessar, assim como uma espuma momentânea desaparece de sobre a onda que a suporta, mas eu tenho vida eterna. Ó tempo! – você poderá ver montanhas gigantescas serem mortas ou escondidas em suas covas; poderá ver as estrelas como figos muito maduros, caírem da árvore; mas nunca, jamais verá meu espírito morto.
III. Isto nos traz ao terceiro ponto: que A VIDA ETERNA É DADA A TODOS QUE VÊM BUSCÁ-LA.
Nunca houve um homem sequer que tenha vindo a Cristo buscar por vida eterna, por vida legal, por vida espiritual, e que já não a tenha recebido, em algum sentido, e foi-lhe manifestado que a tinha recebido logo após ter vindo. Vamos considerar um ou dois textos.
“Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus” (Hb. 7:25).
Todo homem que se chega a Cristo, verá que ele é capaz de salvá-lo – não apenas de salvá-lo um pouco, libertá-lo de um pequeno pecado, livrá-lo de uma pequena tentação, carregá-lo por um pouco e então deixá-lo cair – mas, capaz de salvá-lo da completa extensão de seu pecado, de todo o tamanho de suas tentações, de toda a profundidade de suas tristezas, por toda a duração de sua existência. Cristo diz a todo aquele que vem a ele: “Venha, pobre pecador, não precisa perguntar se tenho poder para salvar. Eu não perguntarei quão longe você foi em seu pecado; Eu posso salvá-lo em toda a sua extensão”. E ninguém na terra pode ir além da extensão de Deus.
Todos os que vêm são recebidos
Agora vejamos outros textos:
“O que vem a mim [observem que as promessas são quase sempre aos que vêm] de maneira nenhuma o lançarei fora” (Jo. 6:37).
Todo homem que vem encontrará a porta da casa de Cristo aberta – e a porta do Seu coração também. Todo homem que vem – digo isto no sentido mais amplo – descobrirá que Cristo tem misericórdia dele. O maior absurdo do mundo é querer ter um evangelho mais amplo do que aquele registrado nas Escrituras. Eu prego que cada homem que crê será salvo – que cada homem que vem encontrara misericórdia. As pessoas me perguntam: “Mas, suponha que um homem venha, e que não tenha sido escolhido, ele seria salvo?” Você está supondo um absurdo, e eu não vou lhe dar uma resposta. Se um homem não for escolhido ele nunca virá. Quando ele vem é uma prova segura de que foi escolhido. Outro diz: “Suponha que alguém vá a Cristo, e que não tenha sido chamado pelo Espírito”. Espere, meu irmão, essa é uma suposição que você não tem o direito de fazer, porque tal coisa não pode acontecer; você só diz isso para me embaraçar, mas não vai fazer isso agora. Eu digo que cada homem que vem a Cristo será salvo. Eu posso dizer isso como um calvinista, ou como um hiper-calvinista, tão claramente quanto você pode dizê-lo. Não tenho nada que estreite o evangelho que você tem; somente meu evangelho está sobre uma fundação sólida, enquanto o seu está edificado sobre nada além de areia e corrupção.
“Cada homem que vem será salvo, porque ninguém pode vir a mim se o Pai não o trouxer” (Jo. 6:44).
“Mas”, diz alguém: “suponha que todo mundo viesse, Cristo iria receber a todos?” Certamente, se todos viessem seriam todos recebidos; contudo eles não virão. Mas, lhe digo que todos os que vêm – são recebidos; mesmo que fossem tão maus quanto demônios, Cristo os receberia; mesmo se tivessem todos os pecados e imundícies correndo em seus corações, como dentro de um esgoto comunitário do mundo inteiro, Cristo ainda assim os receberia.
Cristo recebe somente os que vêm
Outro diria: “Quero saber sobre o restante das pessoas. Posso sair e dizer-lhes – Cristo morreu por cada um de vocês? Posso dizer – há justiça para cada um de vocês, há vida para cada um de vocês?” Não, você não pode dizer isso. Você pode dizer – há vida para cada homem que vier. Mas, se você disser que há vida para cada um daqueles que não crêem, você está proferindo uma perigosa mentira. Se você disse a eles que Jesus Cristo foi punido por seus pecados, e ainda assim eles se perderem, você intencionalmente disse algo falso.
Pensar que Deus poderia punir a Cristo e depois também punir a eles – surpreendo-me com seu atrevimento em dizer isto com tal descaramento! Certa vez um homem estava pregando que haveria harpas e coroas no paraíso para toda a sua congregação; e então ele concluiu de uma forma muito séria e triste: “Meus queridos amigos, há muitos para os quais estas coisas estão preparadas, mas que não chegarão lá”. De fato, ele fez uma narrativa tão lastimável, que de fato deveria ter chorado; mas eu lhes digo por quem ele deveria ter chorado – deveria ter chorado pelos anjos do paraíso e por todos os santos, porque isto teria arruinado o paraíso completamente.
Quando vocês se reúnem no Natal, se tivessem perdido seu irmão Davi, e seu assento estivesse vazio, vocês diriam: “Bem, nós sempre gostamos do Natal, mas agora há um lado negativo nele – o pobre Davi está morto e enterrado!” Agora, imaginem os anjos dizendo: “Ah! Este é um belo Paraíso, mas não gostamos de ver todas aquelas coroas lá com teias de aranha; não suportamos ver aquela rua desabitada! Não podemos olhar para além e ver os tronos vazios!” E então, aquelas pobres almas, poderiam começar a dizer umas às outras: “Nenhum de nós está a salvo aqui, porque a promessa foi – Eu dou às minhas ovelhas a vida eterna – e há muitas delas, às quais Deus deu vida eterna, no inferno; há um número delas, pelas quais Cristo derramou seu sangue, que estão queimando no abismo, e se elas podem ser mandadas para lá, nós também podemos. Se nós não podemos confiar em uma promessa, não podemos confiar em outra”. Deste modo, o Paraíso perderia sua fundação e desabaria. Fora com seu evangelho sem sentido! Deus nos dá um evangelho seguro e sólido, construído sobre os procedimentos e relacionamentos da aliança, sobre propósitos eternos e cumprimentos seguros.
IV. Isto nos traz ao quarto ponto, QUE POR SUA PRÓPRIA NATUREZA, NENHUM HOMEM VIRÁ A CRISTO,
Porque o texto diz: “Não quereis vir a mim para terdes vida”. Afirmo sob a autoridade da Escritura registrada em meu texto, que vocês não irão desejar vir a Cristo, para que tenham vida. Eu lhes digo, que eu poderia pregar a vocês pela eternidade a fora, e poderia tomar emprestada a eloqüência de Demóstenes ou de Cícero, contudo vocês não viriam a Cristo. Posso implorar a vocês de joelhos, com lágrimas em meus olhos, e lhes mostrar os horrores do inferno e as delícias do paraíso, a suficiência de Cristo, e sua própria condição de perdidos, mas nenhum de vocês viria a Cristo por si mesmo, a não ser que o Espírito que está em Cristo o atraísse. É um fato que nenhum homem em sua condição natural virá a Cristo.
Mas, parece que estou ouvindo outro destes faladores perguntando: “Mas, eles não podem vir se assim quiserem?” Meu amigo, vou lhe responder isto em outro momento. Porque esta não é a questão desta manhã. Estou tratando de se eles quereriam vir, não se poderiam vir. Vocês notarão que sempre que falarem sobre livre-arbítrio, o pobre arminiano, em dois segundos começará a falar sobre poder, é que ele mistura dois assuntos que deveriam estar separados. Nós não iremos tomar dois assuntos ao mesmo tempo; se possível, declinamos de lutar com dois ao mesmo tempo. Outro dia nós pregaremos sobre este texto:
“Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer” (Jo. 6:44).
Assim, é somente sobre a questão da vontade que estamos tratando agora; e é certo que os homens não querem vir a Cristo, para que tenham vida.
Podemos provar este ponto a partir de muitos textos das Escrituras, porém usaremos uma parábola: Vocês se lembram da parábola onde um certo rei deu uma festa para seu filho, e convidou um grande número de pessoas para vir; os bois e os animais cevados foram mortos, e ele enviou seus mensageiros chamando a muitos para a ceia. Eles foram à festa? Ah, não! mas todos eles, à uma, começaram a se desculpar. Um dizia que havia se casado, e portanto não poderia vir, mesmo considerando que ele poderia ter levado a esposa consigo. Outro havia comprado uma junta de bois, e foi experimentá-los; mas a festa era à noite, e ele não poderia experimentá-los no escuro. Outro havia comprado um pedaço de terra, e desejava vê-lo; mas não creio que ele tenha ido vê-lo com uma lanterna. Assim, todos deram desculpas e não foram. Bem, o rei estava determinado a ter a festa; assim, disse: “Sai depressa pelas ruas e bairros da cidade, e…” convide – espere! não disse convide – mas “traze-os aqui”; porque mesmo os mendigos de rua jamais teriam vindo se não fossem compelidos.
Tomemos outra parábola: – Um certo homem tinha uma vinha; na estação determinada ele enviou um de seus servos para receber o aluguel. O que fizeram com ele? Espancaram aquele servo. Ele enviou outro; e eles o apedrejaram. Ele enviou outro ainda e eles o mataram. E, por fim, disse: “Vou enviar-lhes meu filho, eles o respeitarão”. Mas, o que fizeram? Disseram: “Este é o herdeiro, matemo-lo, e o lancemos fora da vinha”. E assim fizeram. É o mesmo que acontece, por natureza, com todos os homens. O Filho de Deus veio, entretanto os homens o rejeitaram. “Não quereis vir a mim para terdes vida”.
A doutrina da Queda
Tomaria muito tempo mencionarmos ainda outras provas das Escrituras. Vamos, contudo, nos referir à grande doutrina da queda. Qualquer um que acredita que a vontade do homem é inteiramente livre, e que pode ser salvo por meio dela, não acredita na queda. Como eu algumas vezes lhes tenho dito, poucos pregadores crêem plenamente na doutrina da queda, ou então crêem que quando Adão caiu quebrou o dedinho, e não que quebrou o pescoço e arruinou sua raça. Porque, amados, a queda quebrou o homem inteiramente. Ela não deixou nenhuma estrutura intacta; todas foram quebradas, degradadas, e manchadas; como em um templo poderoso, os pilares precisam estar lá: a coluna, o pilar, e a pilastra devem estar lá; mas foram todos quebrados, ainda que alguns deles ainda retenham seu formato e posição. A consciência do homem algumas vezes retém muito de sua ternura – mesmo tendo caído.
A vontade, também não ficou isenta. E se ela for o “Senhor Governador da Alma Humana” como Bunyan a chamava? – O Senhor Governador erra. O Senhor Vontade-Seja-Feita está continuamente errando. Sua natureza caída está enguiçada; sua vontade, entre outras coisas, tem claramente se afastado de Deus. Mas, lhes digo qual será a melhor prova disso: é o fato relevante de que, em suas vidas, vocês nunca encontraram um Cristão que lhes tenha dito que veio a Cristo, sem que antes Cristo tivesse ido a ele.
Não há orações arminianas
Vocês têm ouvido uma quantidade grande de sermões arminianos, ouso dizer, mas vocês nunca ouvirão uma oração arminiana – porque os santos em oração se mostram iguais em palavra, ação e mente. Um arminiano de joelhos orará tão fervorosamente, quanto um calvinista. Ele não pode orar sobre o livre-arbítrio; não há espaço para isso. Imagine-o orando: “Senhor, eu te agradeço porque não sou como aqueles pobres e presunçosos Calvinistas. Senhor, eu nasci com o glorioso livre-arbítrio; Nasci com o poder pelo qual posso me voltar para ti por mim mesmo; tenho acrescido minha graça. Se todos tivessem feito com suas graças o mesmo que fiz com a minha, todos poderiam estar salvos agora. Senhor, eu sei que o Senhor não nos faz propensos a ti se nós mesmos não nos dispusermos a isto. Deste graça a todos; alguns não a cultivaram, mas eu a cultivei. Há muitos que irão para o inferno, mesmo estando tão comprados pelo sangue de Cristo quanto eu estou; tiveram tanto do Espírito Santo quanto me foi dado; tiveram uma boa chance, e foram tão abençoados quanto eu fui. Não foi a tua graça que nos fez diferentes; sei que ela fez muito, mas eu é que mudei de direção; eu fiz uso do que me foi dado, e os outros não – esta é a diferença entre mim e eles”.
Esta é uma oração do diabo, porque ninguém mais ofereceria uma oração como esta. Ah! Quando estão pregando e falando bem devagar, podem apresentar uma doutrina errada; mas quando vêm orar, a verdade escapa; eles não podem evitar. Se um homem fala bem devagar, ele pode falar de modo sofisticado; mas quando começa a falar rápido, o velho sotaque da sua região, de onde nasceu, escapa. Pergunto-lhes novamente, vocês já encontraram um Cristão que tenha dito: “Eu vim a Cristo sem o poder do Espírito agir!”? Se vocês em algum momento o encontrarem, deverão dizer sem hesitação: “Meu caro senhor, creio que isto aconteceu – e creio que você se afastou Dele também sem o poder do Espírito, e que você nada sabe sobre este assunto, e que está em fel de amargura e em laço da iniqüidade”.
Cristo nos amou primeiro
Será que eu ouviria um Cristão dizendo: “Eu busquei a Jesus antes que ele me procurasse; Fui ao Espírito, e o Espírito não veio a mim”? Não, amados. Somos obrigados, cada um de nós, a colocar nossas mãos em nossos corações e dizer:
“A graça ensinou minha alma a orar,
E fez meus olhos transbordarem;
Foi a graça que me susteve até este dia,
E não me abandonará”.
Há alguém aqui – um que seja – homem ou mulher, jovem ou velho, que possa dizer: “Eu busquei a Deus antes Dele me procurar?” Não, mesmo você que é um pouco arminiano, cantará:
“Oh sim! Eu amo a Jesus –
Porque ele me amou primeiro”.
Então, mais uma questão. Não descobrimos, mesmo depois de termos vindo a Cristo, que nossa alma não é livre, mas é guardada por Cristo? Não há ocasiões, mesmo agora, quando o querer não está em nós? Há uma lei em nossos membros, que se opõe à lei de nossas mentes. Agora, se aqueles que são vivos espiritualmente sentem que sua vontade é por vezes contrária a Deus, que dizer dos homens que estão “mortos em ofensas e pecados”? Seria um enorme absurdo colocar os mortos acima dos vivos. Não; o texto é verdadeiro, a experiência o tem marcado em nossos corações: “E não quereis vir a mim para terdes vida”.
Porque os homens não vêm
Agora, devemos lhes dizer as razões porque os homens não vêm a Cristo. A primeira é que nenhum homem por natureza pensa que deseja a Cristo. Em sua natureza o homem entende que não precisa de Cristo; pensa que tem uma veste de justiça em si mesmo, e que está bem vestido, que não está nu, que não precisa que o sangue de Cristo o lave, que não está preto ou vermelho, e que não precisa da graça purificá-lo. Nenhum homem sabe da sua necessidade até Deus apresentá-la. Até o Espírito Santo revelar a necessidade de perdão, nenhum homem busca por perdão. Eu posso pregar a Cristo para sempre, mas, a menos que vocês sintam que precisam de Cristo vocês nunca virão a ele. Um doutor pode ter uma boa farmácia, mas ninguém comprará seus medicamentos até que sinta que precisa deles.
A próxima razão é que os homens não gostam da forma como Cristo os salva. Alguém dirá: “Eu não gosto porque ele me faz santo; não poderei beber ou xingar se ele me salvar”. Outro dirá: “É requerido que eu seja muito formal e puritano, e eu gosto de ter mais liberdade de ação”. Outro não gosta dela porque é muito humilhante; ele não gosta dela porque os “portões do paraíso” não são suficientemente altos para sua cabeça passar levantada, e ele não gosta de se curvar. E esta é a principal razão pela qual vocês não vêm a Cristo: é que vocês não podem chegar a ele com as suas cabeças erguidas, porque Cristo faz vocês se curvarem quando vêm. Outro não gosta do fato de ser a graça do início ao fim. “Oh!”, dirá, “Se eu pudesse ter um pouco de honra”. Mas quando ele ouve que tudo é feito por Cristo, ou nada de Cristo, um Cristo inteiro, ou nada de Cristo, ele dirá “não virei”, e vira-se nos calcanhares e vai embora. Ah! Orgulhosos pecadores, vocês não querem vir a Cristo. Ah! Pecadores sem instrução, vocês não querem vir a Cristo, porque não sabem nada sobre ele. E esta é a terceira razão.
Os homens não sabem o valor dele, porque se soubessem viriam a ele. Porque os marinheiros não foram para a América antes de Colombo? Porque não criam que havia uma América. Colombo tinha fé, logo foi. Aquele que tem fé em Cristo vai a ele. Mas vocês não conhecem a Jesus; muitos de vocês nunca viram sua bela face; vocês nunca viram quanto seu sangue é aplicável a um pecador, quão grande é sua redenção, e quão plenamente suficiente são seus méritos. Portanto, “vocês não querem vir a ele”.
Conclusão
E, ó meus ouvintes, meu último pensamento é muito sério. Tenho pregado que vocês não querem vir. Mas alguns dirão: “é por causa do pecado deles, que eles não vêm”. É ISTO MESMO. Vocês não vem, mas é porque sua vontade é uma vontade pecaminosa. Alguns pensam que “cozemos almofadas para todas as axilas” (Ez. 13:18), quando pregamos esta doutrina, mas não o fazemos. Não colocamos isto como sendo parte da natureza original do homem, mas como pertencente à sua natureza caída. É o pecado que os trouxe a esta condição pela qual vocês não virão a ele. Se vocês não tivessem caído, vocês viriam a Cristo no momento em que ele lhes fosse apregoado. Mas vocês não vêm por causa da sua pecaminosidade e delito.
Pessoas usam a desculpa de terem corações maus. Essa é a desculpa mais fraca do mundo. O roubo e o furto não provêm de um coração mau? Imagine um ladrão dizendo ao juiz: “Não pude evitar, é que eu tenho um coração mau”. O que o juiz diria? “Seu tratante! Se o seu coração é mau, eu tornarei a sua sentença ainda mais pesada, porque você é verdadeiramente um vilão. Sua desculpa não vale nada”. O Todo-Poderoso irá “rir deles, e os terá por escárnio”. Nós não pregamos esta doutrina para desculpar vocês, mas para torná-los humildes. Possuir uma má natureza é minha culpa tanto quanto minha terrível calamidade. É um pecado que sempre será imputado aos homens; quando eles não querem vir a Cristo é o pecado que os mantêm afastados. Aquele que não prega isto, temo que não seja fiel a Deus e à sua própria consciência. Vá para sua casa, então, com este pensamento: “Eu sou em minha natureza tão perverso que não quero vir a Cristo, e que esta maldosa perversidade da minha natureza é meu pecado. Mereço ser mandado para o inferno por isto”. E se este pensamento não o humilhar, com o Espírito o usando, nenhum outro poderá fazê-lo. Esta manhã não exaltei a natureza humana, mas rebaixei-a. Que Deus nos humilhe a todos nós. Amém.
Nota
* Sermão de nº 52 – Pregado na manhã do domingo (Sabbath) de 02 de dezembro de 1855, na New Park Street Chapel, Southwark.
1 Todos os textos bíblicos citados neste estudo foram extraídos da tradução de João Ferreira de Almeida – Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original (ACF), editada pela Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil.
2 Uma prisão na Inglaterra.
3 Lugar no vale de Hinon onde se realizavam sacrifícios a Moloque. Foi profanado por Josias (II Rs 23:10), e a seu respeito Jeremias profetizou (Jr.7:32; 19:1-13).
Autor: Pr Charles Haddon Spurgeon
Tradução: Walter Andrade Campelo