Um tipo de texto circulou na internet o qual listava uma série de empresas que, assim como o Boticário, apoiam publicamente a agenda política LGBT, no qual dizia que, aqueles que boicotaram a empresa de cosméticos, só estariam sendo coerentes se utilizassem o mesmo método com todas as instituições que também apoiam o movimento e, neste caso, deveriam, por exemplo, excluir a conta no Facebook e não usar mais cartões da bandeira Visa e Mastercard.
O pensamento de que o comportamento é incoerente se baseia tanto no entendimento errado do conceito de coerência, quanto – e sobretudo – em uma premissa inexistente: a de que o boicote é o fim da intenção do grupo. Em outras palavras, para os que compartilharam tal texto na internet o objetivo do boicote é o próprio boicote. Contudo essa interpretação não pode ser provada e nem poderia, porque quem aderiu ao repúdio a marca não fez como fim e sim como um método para determinado fim.
Coerência não é aquilo que é igual e sim aquilo que se completa, que se junta e forma uma ideia. Ora, Em uma frase, por exemplo, é possível dar um sentido utilizando, de acordo com a conveniência, as palavras que melhor me convém. Não é necessário repetir as mesmas palavras todas as vezes que o escritor ou o locutor quiser passar determinada ideia. Para exemplificar imaginemos que Vinicius de Moraes, após ter escrito em linguagem poética “De repente o riso fez-se o prato/De repente da calma fez-se o vento”, poderia, em outra circunstância, ter dito que “De repente a felicidade virou tristeza e a paz virou desarmonia” e isto não o tornaria incoerente, ao contrário. Num conto de Drummond, um trocador discute com um passageiro e cria-se uma celeuma por um mau entendimento do termo “recalcitrante”, ora não seria, de modo algum, incoerente se, dada as circunstância o personagem utilizasse o termo “teimoso” – por ser mais comum – a fim de que o outro personagem entendesse corretamente.
Se o raciocínio de quem escreveu o texto estivesse correto, só poderia haver uma única punição para todos os crimes, sob o risco de as sentenças judiciais não fazerem sentido. Neste caso, a justiça puniria todo crime com a mesma pena. Note como o entendimento do texto é limítrofe e ignorante. Não leva em consideração o tipo de crime, o modo que foi feito, em quais circunstâncias e nem a gravidade das consequências.
Judicialmente muitos casos são resolvidos de acordo com a conveniência do método. A justiça ao perceber que o réu pode, ao confessar, revelar muitos outros crimes e assim economizar recursos públicos, tempo e evitar que mais pessoas sejam vitimadas adota, como metodologia, a negociação da redução da pena em troca da delação, apenas quando é conveniente.
A possibilidade de adotar métodos diferentes é necessária para que seja coerente. Porque o que torna coerente uma atitude e uma frase é o encaixe entre os princípios e os fins. E, em determinadas situações, esse encaixe se dá com um tipo de palavra/atitude, e, em outras situações, se dá com outro tipo de palavra/atitude.
O boicote foi apenas um meio considerado conveniente por quem o adotou para alcançar o fim pretendido: dissuadir a empresa de fazer propagandas que considere moralmente igual a relação homoafetiva com a familiar. E não agem da mesma forma com o Facebook, por exemplo, porque não é conveniente para realizarem o que almejam. Na interpretação dos que idealizaram o boicote a estratégia faria o Boticário recuar e isso seria uma mensagem de força e união às demais empresas que também evitariam de se posicionar a favor da pauta política do movimento LGBT, já em relação a rede social se, adotassem a mesma estratégia, eles supõem que não atingiriam o mesmo fim.
Portanto, pode-se dizer que os boicotadores [sic] erraram na estratégia. O Boticário não só não recuou, como a atitude projetou a marca de maneira positiva junto ao seu público-alvo. Contudo não é correto afirmar que houve incoerência dos que se opuseram a peça publicitária já que o fim de suas ações permanece o mesmo e está em conformidade com seus princípios, apenas os métodos que podem variar de acordo com a conveniência.
Samuel Farias
Filósofo