Enquanto Jó permaneceu calado remoendo-se apenas de dores, e provavelmente delirando em estado de semiconsciência, em razão da grande febre que deveria ter-lhe acometido como consequência da grave infecção que tomara todo o seu corpo, não pôde expressar o seu lamento, como estava fazendo agora, depois de ter permanecido calado juntamente com seus três amigos, por sete dias e noites seguidos.
Todavia, tão logo expressou em termos veementes o seu grande lamento pela condição em que se encontrava, aquilo foi forte demais para os seus amigos tolerarem, porque Elifaz passou a acusá-lo de ser precipitado em suas palavras, e de hipócrita, porque foi conselheiro de muitos para que ficassem fortes e firmes em suas aflições, no entanto, não estava dando tal exemplo de fortaleza e ânimo, quando ele próprio foi atingido pelo sofrimento.
É deveras impressionante, como procuramos tirar daqueles que estão afligidos, um direito que o próprio Deus não lhes tira, a saber, o de se queixarem de suas dores. Jó não estava se queixando contra Deus, mas queixando-se da sua condição, e não há nada de pecaminoso nisto. O pecado de murmuração é mostrar insatisfação para com Deus, mas não por si mesmo, e pelas aflições que sofremos.
Seria antinatural, ou seja, algo contrário à natureza normal, que não se lute pela manutenção da nossa vida, em face do instinto de sobrevivência que o próprio Deus colocou em nós para a nossa preservação; e de igual modo que não se fuja de toda forma de mal que possa nos causar algum tipo de sofrimento ou dano.
Na verdade, era isto o que as palavras do lamento de Jó expressavam. Ele considerava que seria melhor não existir do que estar passando por tudo aquilo que lhe sobreviera repentinamente, e sem que houvesse qualquer promessa ou sinal de esperança, de que aquele quadro fosse revertido.
Não é exatamente isto que sentimos, caso não sejamos assistidos e fortalecidos pela graça de Deus, a lhe dar glória em meio às aflições que nos atingem?
Se a graça estiver presente e atuando, somos fortalecidos e triunfamos sobre a dor.
Todavia, se para fins específicos, Deus nos deixa à mercê de nossas próprias forças e capacidades limitadas, sucumbimos, e o quadro normal de ser visto é o de que seremos achados desalentados e deprimidos, ainda que não abandonemos nossa confiança no Senhor, não Lhe voltemos as costas, e que continuemos nos sujeitando quietamente à Sua vontade, debaixo da Sua potente mão, tal como sucedera no caso de Jó.
Qual foi a reação do próprio Senhor Jesus Cristo, quando em Sua agonia no Getsêmani?
Ele chegou a pedir ao Pai que se fosse possível, que passasse dEle aquele cálice de sofrimentos. Todavia, Ele permaneceu perfeitamente sujeito à vontade do Pai em todo o tempo.
Agora, seria de se esperar que alguém lhe dissesse naquela hora de extrema aflição que rejubilasse, saltando de alegria, a pretexto de que seria possível fazê-lo pelo fortalecimento da graça que Lhe seria concedida pelo Pai?
Quando a alma está angustiada até a morte, como se achava a de nosso Senhor no Getsêmani, o que se manifestará é a tristeza e não a alegria.
Se houvesse um sorriso na face de Jesus naquela hora, poder-se-ia dizer que seria um sorriso falso. E como pode ter parte com a falsidade Aquele que é em tudo verdadeiro?
O mundo gosta da dissimulação. Não pode suportar expressões de abatimento e de tristeza, que fazem também parte desta vida.
Por isso procura disfarçar suas tristezas debaixo de máscaras de uma suposta alegria.
Para este propósito os homens se drogam, se embebedam, e fazem um sem número de coisas para se mostrarem alegres, quando na verdade estão angustiados ou entristecidos.
Então não havia nada reprovável na atitude de Jó. Ao contrário, ele estava sendo absolutamente sincero e verdadeiro, e por isso continuava justo e aprovado aos olhos do Senhor.
Jó pôs em contraste a alegria das novas do dia do seu nascimento, com a intensa dor e tristeza que estava sentindo naqueles dias de sofrimento, que lhe pareciam que não teriam fim até o dia da sua morte.
Como ele não conhecia ainda de maneira plena o propósito de Deus nas aflições, pareceu-lhe muito estranho tudo aquilo que estava sofrendo.
O argumento lógico em sua mente era o seguinte: “Por que Deus o trouxera à vida, e o inspirara a viver em completa retidão perante Ele, se no final, seria colocado como um opróbrio à vista de todos, não como um testemunho de alguém que foi abençoado por Deus, mas ao contrário, que foi amaldiçoado por Ele?”
E mais: “Quem se sentiria inspirado a permanecer na prática da justiça, se o prêmio que Deus tinha reservado para os justos era aquele pelo qual ele estava passando?”.
Como dissemos antes, até então, como qualquer outro, Jó era um refém de sua própria época, em que se costumava avaliar o favor e o amor de Deus pelos homens, na medida proporcional dos bens e saúde que eles possuíam e desfrutavam.