Os amigos de Jó, de sua terra natal de Uz, lhe haviam abandonado completamente, porque testemunharam diretamente o quadro de miséria absoluta que lhe havia alcançado. Por que, no juízo deles, deveriam continuar honrando a quem que se tornara menor do que eles? Como reconheceriam poder e autoridade em quem não possuía sequer um boi, um camelo, um cordeiro? E que mal podia se manter de pé com uma enfermidade pouco ou sequer conhecida entre eles?
Deste modo, ao ouvirem notícias do que havia sucedido a Jó, apenas três amigos de outras terras se dispuseram vir ter com ele, não para ajudá-lo a sair da condição em que se encontrava, mas para se certificarem do que havia chegado ao conhecimento deles, e para se condoerem de Jó e consolá-lo.
Estes vieram de Temã (Elifaz), de Suah (Bildade) e de Naamá (Zofar).
Tal foi o espanto deles quando depararam com o quadro de miséria e enfermidade em que Jó se encontrava, e impactados pela lembrança da antiga glória que havia nele, e que agora lhe havia sido tirada, que choraram em alta voz, porque Jó estava irreconhecível, pelo muito que havia sido devastado pela doença.
Além de lançarem pó sobre suas cabeças em sinal de lamento por ele, ficaram sentados ao seu lado por sete dias e sete noites, sem que nenhum deles lhe pudesse dizer qualquer palavra, porque a dor de Jó era muito grande, e é bem possível que estivesse inconsciente ou em algum tipo de coma, pela intensidade da dor, motivo porque não seria possível se comunicarem com ele, enquanto estivesse em tal estado.
Antes que a enfermidade avançasse até o ponto em que os três amigos de Jó viram o estado em que ele se encontrava, batalhas terríveis de acusação desferidas diretamente contra ele, devem ter ocorrido, com o diabo tentando convencer-lhe de que Deus havia pago a sua justiça com o mal. Que Deus havia sido injusto para com ele, não reconhecendo toda a sua integridade, retidão e piedade.
Como não conseguiu fazer Jó recuar na sua fé e paciência, por fim, usou a boca da própria mulher de Jó com a insinuação de que tinha sido vã toda aquela sua integridade, porque a recompensa que Deus lhe dera por ela, foi um pagamento às avessas.
Então explodiu a grande intenção do diabo, conforme ele vinha dizendo desde o início ao Senhor que Jó o faria, caso fosse provado, que seria blasfemar o Seu nome. Por isso a mulher de Jó lhe pediu que blasfemasse de Deus.
Todavia, a fé de Jó foi fortalecida pelo Senhor para que ele se mantivesse firme em sua integridade, e em vez de cometer este ato insano, ele mostrou à sua esposa que ela estava falando como alguém que está fora do seu juízo perfeito.
Ela estava muito abalada pela aflição que estava sofrendo juntamente com seu marido, e se tornou um instrumento fácil nas mãos do diabo, para que atacasse a justiça de Deus.
Jó lembrou à sua esposa o direito que Deus possui de fazer vir sobre nós tanto o bem quanto o mal.
Ele pode usar a ambos para propósitos específicos. Ainda que o próprio Jó, não compreendesse ainda muito bem, como Deus pode produzir o bem a partir das aflições que sofremos, como o apóstolo Paulo compreendeu perfeitamente este propósito, e todo crente que é bem esclarecido nos caminhos de Deus.
“3 E não somente isso, mas também gloriemo-nos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a perseverança,
4 e a perseverança a experiência, e a experiência a esperança;
5 e a esperança não desaponta, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.” (Rom 5.3-5)
A Causa e o Propósito do Sofrimento – capítulo 5
Satanás queria provar a todo custo que Deus não pode ser amado verdadeiramente caso não compre os homens com favores, agradando-os em tudo, e sem lhes fazer experimentar condições que contrariem as suas vontades.
Mas, por meio de Jó, Deus provou que não é amado pelos Seus filhos porque sempre agrade a vontade deles. Ao contrário, é mais amado, quanto mais eles compreendam que devem renunciar às suas próprias vontades, ao seu ego, a crucificarem suas paixões carnais, para viverem de modo submisso ao pendor do Espírito, porque este é o único modo de sermos verdadeiramente livres e felizes, a saber, vivendo para fazer não a nossa própria vontade, mas a de Deus.
Porque a perfeição do conhecimento, da sabedoria, e das coisas que nos convêm, não se encontram em nós mesmos, mas somente nEle.
Por isso é necessário que morramos para a nossa própria vontade, para que possamos conhecer e fazer a Sua vontade que é sempre boa, perfeita e agradável.
Era isto que Deus estava ensinando à mulher de Jó, aos seus amigos e a nós.
Jó estava sendo crucificado para o seu próprio ego; para os resquícios das coisas que ainda se encontravam em luta no seu interior contra a vontade de Deus, e que não haviam ainda sido reveladas até aquele momento, mas que viriam à tona com a progressividade do tempo de suas aflições, que não sendo abreviado fez com que ele amaldiçoasse até mesmo o fato de ter sido trazido à vida no ventre de sua mãe, e lamentou não ter sido um abortivo.
Quem diria que no justo e íntegro Jó havia ainda algumas áreas que necessitavam da mortificação da cruz, para que morresse inteiramente para a sua própria vontade?
Isto se dá com todos os justos de Deus neste mundo.
No melhor deles sempre haverá a necessidade desta operação da cruz, para que renunciem à própria vontade deles, e que se submetam à de Deus, quando esta contraria totalmente o que eles querem, para que aprendam, que afinal, não a sua vontade, mas a do Senhor, é a melhor para eles e para muitos.
Ninguém se iluda neste ponto pensando que tem morrido completamente para o ego, porque a velha natureza permanece em nós e haverá de permanecer até que venhamos a ser perfeitos na glória futura.
Esta velha natureza sempre há de se levantar e se revelar, dependendo do tipo de prova a que formos submetidos pelo Senhor.
Podemos estar quietos e sossegados em nosso canto, fazendo a obra do Senhor em submissão à Sua vontade, até que, por Sua permissão, sejamos provados pelo Inimigo, que nos atacará nos nossos pontos frágeis e que podemos até mesmo não conhecê-los até o momento ou o tipo de provação. Então se revelará o que há ainda no nosso interior e que necessita ser levado à cruz para ser morto.
Quem diria que no manso Moisés havia tão grande ira e indignação? A contenda das águas de Meribá o revelaram nitidamente, e tal foi registrado para o nosso ensino, para não nos julgarmos perfeitamente santos e mortos para o pecado, enquanto estivermos neste mundo.
Satanás reduz o problema da relação do homem com Deus ao simples ato de blasfemar, como ele vinha procurando fazer com que Jó cometesse tal pecado.
Mas a raiz do pecado é mais profunda e está ligada à própria natureza humana, e Deus conhece isto perfeitamente, e sabe que há necessidade de um tratamento progressivo e prolongado para que todos os Seus filhos sejam livrados disto.
Talvez tenha sido este o motivo de não ter proferido nenhum juízo contra a mulher de Jó.
O Senhor pesou a amargura da sua alma. Viu o quanto ela estava despreparada para sofrer perdas daquele nível.
Sabia que não seria por um simples ato de permanecer calada que ela poderia esconder dele toda a grande amargura que havia sido instalada em sua alma contra Ele, por ter permitido que a vida reta de seu marido estivesse recebendo aquele tipo de recompensa às avessas.
Paulo foi arrebatado ao terceiro céu, e a recompensa de uma tal visão gloriosa foi a de receber um espinho doloroso em sua carne, um mensageiro de Satanás que o esbofeteava continuamente e que o humilhava.
Isto foi necessário, segundo ele próprio reconheceu, para que não se ensoberbecesse com a experiência gloriosa que havia tido da parte de Deus. O Senhor usou aquele espinho para mantê-lo sóbrio e humilde.
Geralmente, grandes bênçãos recebidas de Deus, especialmente em Sua obra e serviço, são acompanhadas posteriormente de grandes investidas do reino das trevas.
Tribulações costumam seguir grandes conquistas da fé, porque Satanás não somente procura revidar as perdas que sofreu, como também o Senhor o permite para que não nos gloriemos fora de medida, e para que permaneçamos humildes perante Ele.
Isto faz com que sejamos livrados da tentação de nos gloriarmos em nós mesmos e em nossos feitos, e que tributemos toda honra e glória ao Senhor, enquanto reconhecemos que continuamos dependentes dEle para tudo.
Jó estava a caminho de aprender esta grande lição, quando viria por fim a declarar:
“2 Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.” (Jó 42.2)
“5 Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te veem os meus olhos.
6 Pelo que me abomino, e me arrependo no pó e na cinza.” (Jo 42.5,6)
Não havia de fato nenhuma causa para que Jó sofresse daquele modo, como forma de castigo por algum mal que tivesse praticado, como o próprio Deus havia declarado ao diabo, mas certamente havia um grande propósito em tudo que Deus permitiu que o diabo lhe fizesse, para o crescimento espiritual de Jó, e para que Ele recebesse grande glória no testemunho de amor, fé e fidelidade que Jó demonstrara debaixo de todos aqueles ataques que lhes foram desferidos pelo diabo.
Removamos então as tribulações das vidas dos cristãos. Que aperfeiçoamento espiritual eles poderão ter? Que glória o Senhor poderá receber?
Logo, esta teologia que afirma que o sofrimento é algo estranho à vida cristã, está completamente errada e frustra os propósitos eternos de Deus.
A sã teologia afirma o seguinte:
“18 Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos vossos senhores, não somente aos bons e moderados, mas também aos maus.
19 Porque isto é agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, suporte tristezas, padecendo injustamente.
20 Pois, que glória é essa, se, quando cometeis pecado e sois por isso esbofeteados, sofreis com paciência? Mas se, quando fazeis o bem e sois afligidos, o sofreis com paciência, isso é agradável a Deus.
21 Porque para isso fostes chamados, porquanto também Cristo padeceu por vós, deixando-vos exemplo, para que sigais as suas pisadas.” (I Pe 2.18-21)
“12 Amados, não estranheis a ardente provação que vem sobre vós para vos experimentar, como se coisa estranha vos acontecesse;
13 mas regozijai-vos por serdes participantes das aflições de Cristo; para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e exulteis.
14 Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória, o Espírito de Deus.
15 Que nenhum de vós, entretanto, padeça como homicida, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se entremete em negócios alheios;
16 mas, se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus neste nome.” (I Pe 4.12-16)
Os sofrimentos de Jó não podem ser, portanto, classificados como uma exceção das exceções, e parte de uma teologia antiga e ultrapassada, porque conforme podemos ver no ensino de nosso Senhor e de Seus apóstolos, o livro de Jó, como qualquer outro livro da Bíblia, possui ensinos atuais, imutáveis e aplicáveis aos cristãos de todas as épocas.
Jó aprendeu sobretudo a ser longânimo como Deus é longânimo, em seus sofrimentos, porque foi com paciência que ele os suportou, e não se irou contra os seus amigos que lhe molestavam a alma, antes intercedeu em favor deles, ainda quando estava muito enfermo, e foi pela sua oração que Deus lhes preservou em vida.
Instruídos que estamos pela Palavra de Deus, mantenhamos, portanto, o amor ao Senhor, a fé, a fidelidade e tenhamos paciência em nossas perdas de bens, de entes amados e em nossas enfermidades, porque o Senhor está no controle de todas as coisas, como bem demonstrou na vida de Jó, livrando-o posteriormente de todas as suas aflições e enfermidades, e dando-lhe o dobro de tudo quanto possuía antes.
O tempo de nossas provações é um tempo de aprendizagem e de transformação, para que possamos ser preparados para bênçãos maiores e melhores da parte de Deus, e a melhor delas: um conhecimento mais íntimo do próprio Deus.