Joni Eareckson Tada ficou mundialmente conhecida nos anos 1970 como ativista em luta permanente pelos direitos e pela qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiência física. À frente do ministério Joni e Amigos, surgido após drama pessoal – na adolescência, um mergulho imprudente em águas rasas deixou-a tetraplégica –, ela percorre o mundo em sua cadeira de rodas, oferecendo esperança e muito mais a gente que, como ela, tem de atravessar a vida sofrendo com sérias limitações. Até hoje, sua instituição já distribuiu mais de 50 mil cadeiras de rodas, além de aparelhos ortopédicos, próteses e todo tipo de auxílio a deficientes físicos, sobretudo nos países mais pobres. Além, é claro, da palavra de esperança e salvação do Evangelho, mensagem de que Joni nunca abriu mão de anunciar.
Autora do livro testemunhal Joni, uma histeria inesquecível, sucesso em todo o mundo, ela tem sido vista como exemplo de superação e fé. Só que agora um novo drama se abateu sobre a vida dessa frágil mulher de 60 anos: o diagnóstico recente de um câncer de mama. A doença veio se somar a uma dor crônica que a vem atormentando há uns dez anos. Parecendo otimista e confiante após uma cirurgia oncológica, ela rejeita comparações com Jó, ícone do sofrimento na Bíblia, mas admite que, por vezes, não sabe o que pensar acerca de um Deus que, conforme a crença evangélica, tem poder para curar todas as enfermidades do corpo e da alma. “Qualquer cristão luta para entender o propósito de Deus na dificuldade”, diz. “Lembro sempre da passagem de I Pedro 2.21: ‘Para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo, para que sigam os seus passos.’”
Joni falou com CRISTIANISMO HOJE sobre seu livro mais recente,A place of healing: Wrestling with the mysteries of suffering, pain and God´s sovereignty (ainda inédito em português, a tradução literal do título é “Um lugar de cura: Lutando com os mistérios do sofrimento, da dor e da soberania de Deus”), da editora David C. Cook. Longe de ser um memorial de lamúrias, a obra descreve sua teologia do sofrimento.
CRISTIANISMO HOJE – O quanto sua perspectiva sobre sofrimento e cura mudou desde o diagnóstico do câncer?
JONI TADA – Felizmente, não mudou de forma alguma. Diante de situações assim, você examina a Escritura novamente e segue todas as passagens referentes à cura. Fiz isso com a minha quadriplegia, há mais de 40 anos, e de novo dez anos atrás, quando passei a experimentar uma dor crônica. Há um mês, ao receber o diagnóstico de câncer de mama, olhei para esses mesmos textos da Escritura, e as palavras de Deus não mudam. Embora a impressão seja a de que muita coisa tenha sido acumulada, continuo pensando em I Pedro 2.21: “Para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo, para que sigam os seus passos.” Esses passos, na maioria das vezes, conduzem os cristãos não a intervenções miraculosas ou divinas, e sim, diretamente à comunhão do sofrimento. É um bom princípio básico para qualquer cristão que luta para entender o propósito de Deus na dificuldade.
E a relação com Deus, como fica?
De certo modo, tenho sido atraída para mais perto do Salvador. Há coisas sobre o seu caráter que eu não via. Isso me diz que ainda estou mudando, crescendo, sendo transformada, e me tornando mais como ele. Jesus disse que quem tivesse fé nele, faria coisas ainda maiores do que as que ele fez. Somos inclinados a pensar que Jesus estava falando sobre milagres – mas, não necessariamente. Ele estava oferecendo o Evangelho; estava fazendo avançar o seu Reino; estava reivindicando a terra como sua, por direito. Então, quando fez essa promessa, o Salvador deu a todo crente a capacidade de também fazer isso. É isso o que tenho visto no último mês. É incrível a quantidade de pessoas sedentas por Cristo que tenho encontrado, desde médicos a enfermeiros, e todo o pessoal técnico dos centros médicos onde sou tratada. Eu sei que isso era verdade antes, mas parece haver algo especial acompanhando esse diagnóstico. A todos, tenho falado de confiança no amor de Deus por nós.
Impossível deixar de fazer a pergunta clássica. Na sua opinião, como um Deus bom permite que as pessoas, mesmo as que creem nele de todo coração, sofram tanto?
Quem faz essa pergunta – e eu mesma luto com ela – não está aceitando o fato de que este mundo está comprometido. Vivemos em um mundo caído. Quando não experimentamos o sofrimento, isso é uma exceção. O princípio básico é o de que experimentaremos muito sofrimento, porque vivemos em um mundo que geme sob o peso de uma pesada maldição. Se ser bom, para Deus, significa dar cabo do pecado, então ele teria de dar cabo dos pecadores. Mas o Senhor é um Deus de grande generosidade e enorme misericórdia, de modo que permite o curso do sofrimento. Ele não o detém até que haja mais tempo para amealhar mais pessoas para o aprisco da comunhão de Cristo.
Existem sofrimentos que vêm por causas naturais e outros que são provocados pela ação humana, ou seja, entre as diferentes causas da dor, em muitas delas a vítima nada podia fazer para evitá-las. Que tipo de sofrimento é mais fácil de aceitar?
Sofrimento é dificuldade e pesar. É tudo um pacote só. Sim, Deus poderia evitar o sofrimento. Pode, por exemplo, impedir que um assaltante atire contra a vítima ou evitar o surgimento de um tumor. Se ele escolhe permitir que essas coisas ocorram, isso não quer dizer que seja menos cuidadoso ou compassivo. Sua vontade, seu propósito e seu plano soberano podem ser um pouco mais obscuros e enigmáticos deste lado da eternidade. Quer a dificuldade seja resultado de negligência de quem a enfrenta ou fruto da ação direta de uma outra pessoa, ou, ainda, de uma catástrofe natural, é preciso lembrar que todas essas coisas estão ao alcance da soberania divina. Um olhar mais atento sobre o Novo Testamento mostra que a soberania de Deus se estende sobre todas as coisas – e ele permite todos os tipos de coisas, mesmo aquelas que não aprova. Ele não aprova, por exemplo, minha lesão medular ou o meu câncer, mas em sua soberania ele os permitiu. Não me importo se o termo usado for “deixar”, “permitir” ou “ordenar”. É tudo a mesma coisa. No final das contas, tudo se resume ao fato de que Deus está no controle. Não penso que haja uma diferença prática.
Fonte: Cristianismo Hoje