“1 Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo se assentado, aproximaram-se os seus discípulos,
2 e ele se pôs a ensiná-los, dizendo:
3 Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.
5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos.
7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.
8 Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.
9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.
10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”. (Mateus 5.1-10).
Tendo feito uma apresentação nos capítulos anteriores, das credenciais de Jesus que confirmavam ser apenas Ele o Messias prometido, Mateus passaria a demonstrar o ensino e as ações de Jesus nos capítulos seguintes do seu evangelho, começando partir do quinto capitulo, com o seu ensino do Sermão do Monte, que é concluído no sétimo capitulo.
O ensino e as ações do Senhor comprovam a Sua divindade, e dão pleno cumprimento às profecias que durante séculos haviam sido dadas a Seu respeito, no Antigo Testamento.
O Rei, o Messias, apresenta no Sermão do Monte as características essenciais daqueles que são súditos do seu reino espiritual, celestial e divino.
O reino é de glória e majestade, e todos os súditos são distinguidos com honrarias, mas não por serem prepotentes, violentos, arrogantes, poderosos, influentes, vaidosos, louvados pelo mundo, mas ao contrário, pobres de espírito, misericordiosos, mansos (submissos), pacificadores, amantes da justiça divina, de coração puro, que choram por causa do pecado, e perseguidos por amarem a Cristo e a justiça do evangelho.
É isto que os distingue como herdeiros do reino dos céus e da terra, como filhos de Deus, que O conhecem pessoalmente, e que por isto são consolados e contemplados pela misericórdia divina.
O melhor modo de se conhecer a Deus é vendo implantadas em nossa nova natureza recebida pela fé, as virtudes alinhadas pelo Senhor nas bem-aventuranças.
À medida que estas graças e virtudes vão habitando em nós e aumentando, pela implantação e trabalho do Espírito Santo, mais conhecemos o caráter do Deus ao qual servimos.
Um filho de Deus tem todas estas graças no seu coração, ainda que seja em semente, e necessite ainda crescer em graus.
Ser pobre de espírito não é o mesmo que ser pobre de bens terrenos, mas reconhecer que é dependente de Deus para tudo no que se refere especialmente à vida espiritual.
É pelo reconhecimento da nossa necessidade que recorremos ao Senhor para vencer o pecado, e receber graça, do Espírito, para sermos santificados.
Pobre de espírito significa então aqueles que são trazidos ao senso da sua própria miséria, em razão dos seus pecados, e que não veem nenhuma bondade em si mesmos, e que se entregam completamente à misericórdia de Deus, recebida por causa dos méritos de Cristo.
Nós vemos esta pobreza de espírito sendo citada no texto de Isaías 61.1:
“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos;”.
É pelo reconhecimento de nossa pobreza que recebemos maiores medidas da graça, para sermos enriquecidos espiritualmente, no progresso da nossa transformação à imagem e semelhança com Cristo.
É portanto, pelo reconhecimento da nossa pobreza, que somos conduzidos à riqueza de Deus.
Tiago nos diz em Tg 2.5:
“Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que são pobres quanto ao mundo para fazê-los ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam?”.
Jesus diz em Mateus 5.4, que os que choram são bem-aventurados porque serão consolados (segunda bem-aventurança).
Aqueles que estão muito satisfeitos com a vida que têm neste mundo, com aquilo que são, sem terem se convertido ao Senhor, não são bem-aventurados, porque enquanto mantiverem este estado de espírito, dificilmente se humilharão diante de Deus, lhe pedindo que transforme os seus corações.
Mas os que lamentam pela condição da natureza pecaminosa que possuem (que é comum a todas as pessoas), e que têm buscado o conhecimento do que é justo, santo e verdadeiro, são bem-aventurados, porque haverão de conhecer ao Senhor.
Muitos lamentam e choram pelo que perdem ou não podem desfrutar, e outros pelos danos e más consequências que sofrem por causa do pecado, mas nunca choram por causa dos seus próprios pecados. Não é portanto, a estes, que se refere a segunda bem-aventurança.
Um arrependimento verdadeiro é espiritual, pois nos faz lamentar muito mais pelo pecado do que pelo sofrimento ao qual o nosso pecado deu causa.
Um pecador pode assim lamentar os juízos que acompanham os seus pecados, e não lamentar propriamente pelo pecado.
É para evitar o endurecimento do nosso coração que o apóstolo Tiago nos ordena a transformar o nosso riso em pranto, quando há pecados em nós ou em outros para serem lamentados, em vez de vivermos nos alegrando desconsiderando tais pecados, numa clara demonstração de desprezo aos juízos de Deus.
“Senti as vossas misérias, lamentai e chorai; torne-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria em tristeza.” (Tg 4.9).
É melhor chorar pelo pecado e ser alegrado por Deus, do que se alegrar agora no pecado, e depois chorar eternamente num juízo eterno.
É neste sentido que entendemos as palavras proferidas por Cristo em Lc 6.24,25:
“24 Mas ai de vós que sois ricos! porque já recebestes a vossa consolação.
25 Ai de vós, os que agora estais fartos! porque tereis fome. Ai de vós, os que agora rides! porque vos lamentareis e chorareis.” (Lc 6.24,25).
Não há misericórdia para aquele que não pretende abandonar o pecado, que não chora por causa dos seus pecados.
Por isso se diz que apenas os que choram são bem-aventurados.
Somente os de coração contrito podem receber a graça e a habitação de Deus, conforme Ele falou através do profeta Isaías.
E aos que choram e são de coração quebrantado é feita a promessa que serão consolados por Deus.
Deus tornará o seu pranto em pura e verdadeira alegria, pelo poder do Espírito Santo.
Convertendo-se e conhecendo a Deus, pela pobreza de espírito, e andando em contrição de espírito, confessando os seus pecados, e os mortificando, pelo Espírito, o cristão é introduzido à terceira bem-aventurança, porque Deus lhe ensinará a ser manso (submisso, longânimo) tanto em relação ao cumprimento da Sua vontade, quanto a suportar as injustiças que sofre da parte dos homens.
É a estes que é feita a promessa de serem herdeiros da terra, quando o ímpio e violento for dela desarraigado, para um lugar de tormento eterno, no dia do Grande Juízo divino; e o manso a terá conquistado para estar aqui com Cristo no milênio, não pela força do seu próprio braço, ou pela engenhosidade do seu gênio, mas justamente por ter sido manso, submisso, longânimo (tardio em se irar).
A virtude da mansidão é contrária ao espírito iracundo.
É ela que traz a paz de Cristo à vida, em toda e qualquer circunstância.
A mansidão também nos disporá ao perdão e a suportar danos com paciência cristã.
Ela nos tornará semelhantes a Cristo, que é manso e humilde de coração.
É pela mansidão que somos também habilitados a cumprir o mandamento do Senhor de amarmos os nossos inimigos, de orarmos pelos que nos perseguem, e abençoar os que nos maldizem.
A estarmos com nossos espíritos desarmados diante dos nossos ofensores, e dos que são injustos para conosco.
Temos o dever de buscar a graça da mansidão, porque temos este exemplo fixado na Bíblia, na vida dos servos de Deus e na do próprio Cristo.
“Dizei à filha de Sião: Eis que o teu Rei aí te vem, manso, e assentado sobre uma jumenta.”(Mt 23.5).
Jesus foi insultado, mas não insultou os seus agressores como se lê em I Pe 2.23.
Jesus nos ordena em Mt 11.29 a aprendermos do Seu próprio exemplo de mansidão.
Moisés era o homem mais manso da terra, conforme se afirma em Nm 12.3. Quando os israelitas murmuravam contra ele em vez de se irar, ele intercedia em favor deles (Êx 15.24, 25).
A mansidão é um atributo da natureza de Deus. Ele é completamente longânimo e paciente. Por isso não somos logo julgados ou condenados. E Ele tem revelado este traço do Seu caráter, especialmente na presente dispensação da graça.
Quando o cristão começa a experimentar na sua própria vida a presença do Espírito Santo, pela conversão, ele sentirá automática e instantaneamente daí por diante, uma fome e sede de justiça cada vez mais crescente.
Porque a justiça do evangelho, a lei de Deus, a Sua vontade, é inscrita por Ele, em sua mente e coração, pela habitação do Espírito Santo.
Como é o próprio Deus que produz em nós tal fome e sede espiritual, Ele mesmo faz a promessa na quarta bem-aventurança de saciá-la em medida.
Quanto mais nos aproximarmos de Deus, pela oração e prática da Sua Palavra, maior será a nossa fome e sede, e portanto, maior será também o banquete da graça que Ele disponibilizará para nós, para o louvor da glória da sua graça, e para o benefício e avanço do reino de Cristo.
Porque fortificados com a graça da justiça de Cristo, operando em nosso viver, teremos maior poder espiritual para torná-lo conhecido através do nosso testemunho de vida, e pela pregação e ensino do evangelho.
É a justiça de Cristo que nos dá a vida eterna. Ela é perfeita, completa. Todavia é implantada em nós em graus de graça cada vez maiores, que nos leva a confiar e a colocar a nossa fé inteiramente nele, em tudo o que vivemos e fazemos, especialmente naquelas coisas que se referem aos interesses da sua igreja e reino.
Assim, essa fome de justiça não é de justiça própria, que procure estabelecer os nossos méritos, mas é a justiça de Cristo, que nos leva a promover e a exaltar exclusivamente os seus méritos.
Estando no caminho estreito da pobreza de espírito, do choro pelo pecado, da mansidão e longanimidade, da justificação e da justiça implantada em nós pelo Espírito, teremos também um crescimento no conhecimento da misericórdia divina.
Seremos misericordiosos (quinta bem-aventurança) para com todas as pessoas, independentemente de serem pecadoras, porque sendo também pecadores teremos experimentado, pela conversão a Cristo, as grandes medidas da sua misericórdia em nossa própria vida.
E assim não julgaremos o próximo, não apenas para não sermos julgados, mas porque saberemos por experiência própria, que não há quem não necessite da misericórdia de Deus.
Por melhor que seja o fariseu, é aos olhos do Senhor, tanto ou mais pecador do que o publicano.
Ai do homem se não fosse Deus misericordioso!
Seríamos todos instantaneamente destruídos, mas as suas misericórdias não têm fim, e se renovam a cada manhã, e por isso não somos consumidos pelos atributos da sua ira e juízo divinos.
É pelo evangelho que a misericórdia se mostra em toda a sua glória. Porque é por ele que a graça está sendo oferecida para livrar condenados da prisão eterna, e conduzi-los à plena liberdade dos filhos de Deus.
Então a maior prova de misericórdia pelo próximo é lhe anunciarmos o evangelho de Cristo, por amor das suas almas.
E fazer isto sem qualquer distinção de pessoas ou preconceitos, porque isto contraria o caráter mesmo do evangelho, em seu aspecto de ser o veículo da misericórdia divina para todos os pecadores, grandes ou pequenos.
À medida que se progride no conhecimento, por experiência pessoal, das virtudes de Cristo, surge no cristão, o desejo de mantê-las puras, sem qualquer mistura, com as obras das carne que se lhas opõem.
Como por exemplo: Não deixará que a maledicência conviva com um falar santo, a ira injustificada com a longanimidade, A soberba com a humildade.
Enfim, tudo o que é vil, com o que é precioso aos olhos de Deus.
Fazendo assim, valer e prevalecer cada vez mais um procedimento santificado em sua vida.
O coração limpo ou puro, traz a sexta bem-aventurança de se ver a Deus, conforme a promessa embutida em Hebreus 12.14 de que os que se santificam verão a Deus.
Um coração puro é portanto um coração santificado pela Palavra de Deus, porque somente ela é o instrumento da nossa santificação, e o seu agente, o Espírito Santo.
Então teremos o cuidado diligente de nos aplicarmos à prática de toda a Palavra. Nós a amaremos, honraremos, observaremos e cumpriremos.
E enquanto estivermos empenhados neste trabalho, ainda que sujeitos ao pecado, que remanesce na nossa velha natureza, nós seremos considerados pelo Senhor, como os puros de coração aos quais a bem-aventurança se refere.
Um coração puro terá uma vida pura, como se ordena em II Cor 7.1:
“Ora, amados, visto que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus.”.
Jesus não disse que bem-aventurados são os que forem purificados dos seus corações no céu para poderem ver a Deus; mas que bem-aventurados são os que são puros de coração neste mudo, porque estes, e somente estes podem ter a certeza de que verão a Deus no céu.
O conjunto destas seis bem-aventuranças já citadas será completado por mais duas, mas somente por estas pode ser dito que estamos diante de um cristão, que as possuindo, somente se pode dizer dele que é bem-aventurado, tanto diante de Deus quanto dos anjos e dos homens.
Mas para que seja completo, deve ser um promotor da paz de Jesus neste mundo de ódio e trevas.
Ódio, pasmem! Contra o próprio Deus.
Porque a natureza terrena humana (de qualquer pessoa) está indisposta contra Deus. É sua inimiga como afirma a Bíblia, independentemente do querer do homem.
Há uma guerra contra Deus. Há um estado de rebelião que pode ser extinto e apenas apaziguado por meio da fé em Cristo, que nos reconcilia com Deus.
Assim, todos aqueles que agirem em prol desta reconciliação, pela oração e pregação do evangelho em favor de toda a humanidade, serão conhecidos como filhos de Deus, porque é o próprio Deus, que ama ao homem, seu inimigo, e o procura incansavelmente para conduzi-lo a uma condição espiritual de paz.
E como o apóstolo afirma em Rm 5.1, é por meio de Cristo, pela justificação que é pela fé nele, que temos paz com Deus.
E esta paz é para ser oferecida a todos, sem distinção, porque é este o desejo do Senhor.
Por isso é que se afirma na sétima bem-aventurança que serão chamados de filhos de Deus, todos aqueles que se empenharem no trabalho de evangelização, quer pela intercessão, quer pelo serviço ao próximo, pela pregação e ensino do evangelho.
Porque este é o meio de se conduzir os pecadores à paz com Deus, transformando-os de inimigos em amigos de Deus.
É a esta paz que nosso Senhor se refere.
Finalmente, seria de se esperar, se é este o resultado positivo do evangelho, que os seus promotores fossem achados em vida tranquila e sempre sossegada neste mundo.
Achados em alturas espirituais abençoadas nas quais seriam intocáveis pelo mal.
Todavia, é justamente por serem assim bem-aventurados, e por conduzirem muitos outros à bem-aventurança, que despertam a fúria do arqui-inimigo de Deus, Satanás, o diabo, e seus anjos caídos.
Então, em vez de se afirmar que a perseguição que sofrerão por amarem a Deus e a justiça de Cristo e do evangelho, que isto seria uma desventura, ao contrário, nosso Senhor a confirma como sendo a causa da oitava bem-aventurança, porque estas perseguições que sofremos com paciência cristã, por motivo da prática fiel da justiça do evangelho, contribuirão para o aumento dos nossos galardões, e serão exatamente elas que confirmarão a nossa entrada no reino dos céus.
Afinal, comprovamos para nós mesmos, que somos de Cristo, quando sofremos juntamente com Ele as injúrias e perseguições, que são levantadas por causa do nosso testemunho do evangelho.
É na nossa identificação com nosso Senhor, nos Seus sofrimentos, no carregar paciente diário da cruz, que temos a testificação do Espírito Santo, com o nosso espírito, que somos de fato filhos de Deus, porque, de outro modo, não poderíamos suportar tais perseguições com paciência. É o poder do Espírito Santo em nós, que nos capacita a isto.
Além disso, somos bem-aventurados, porque as tribulações refinam a nossa fé, e promovem o nosso amadurecimento espiritual no crescimento da graça e do caráter e virtudes de Jesus, que são melhor implantadas em nós, quando o nosso ego é quebrado pelo fogo da provação.
Por isso tanto nosso Senhor, quanto Tiago, dizem que devemos ter por motivo de grande alegria o passarmos por várias provações.
O bom soldado de Cristo suporta o sofrimento como se afirma em II Tim 2.3; sofrimento este que lhe sobrevém no bom combate da fé.
Jesus nos exorta à fidelidade mesmo em face da morte porque nos tem prometido a coroa da vida em Apo 2.10.