“Tendo, pois, estas promessas, amados, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus.” (2 Coríntios 7.1)
“Estas promessas, portanto”. Deus, é verdade, nos contempla em suas promessas por seu puro favor; mas quando ele tem, por sua própria vontade, conferido a nós seu favor, ele logo em seguida exige de nós a gratidão em troca. Assim, o que ele disse a Abraão, “Eu sou teu Deus” (Gênesis 17. 7), foi uma oferta da sua bondade imerecida, mas ele, ao mesmo tempo acrescentou o que ele exigia dele – “Anda na minha presença e sê perfeito”.
Como, no entanto, esta segunda frase nem sempre é expressada, Paulo nos ensina que em todas as promessas, esta condição está implícita, as quais devem ser incitações a nós para promover a glória de Deus. Para que propósito ele apresenta um argumento para nos estimular? É a partir disto, que Deus nos confere uma honra tão ilustre. Essa, então, é a natureza das promessas, para que elas nos chamem para a santificação, como se Deus as tivesse interposto por um acordo implícito. Sabemos, também, que a Escritura ensina isto em várias passagens, em referência ao projeto da redenção, e a mesma coisa deve ser vista como a aplicação de cada prova do seu favor.
“De toda a imundícia da carne e do espírito”. Tendo já mostrado, que somos chamados à pureza, agora ele acrescenta, que esta deveria ser vista no corpo, bem como na alma; porque o termo carne significa aqui corpo, e o termo espírito significa alma, é manifesto disto, que se o termo espírito significa a graça da regeneração, a declaração de Paulo, em referência à poluição do espírito seria absurda. Ele nos queria então, puros de contaminações, não só interiormente, tendo apenas a Deus como testemunha; mas também no exterior, como estando sob a observação dos homens. “Não devemos ser somente de consciência casta aos olhos de Deus. Também devemos consagrar a ele todo o nosso corpo e todos os nossos membros, para que nenhuma impureza possa ser vista em qualquer parte em nós.”
Agora, se considerarmos qual é o ponto que ele tem em vista, facilmente iremos perceber, que são aqueles que agem com imprudência excessiva, que desculpam a sua idolatria, eu não sei sob que pretextos. Porque, assim como a impiedade interior, e superstição, de qualquer tipo, é a contaminação do espírito, o que eles entendem por contaminação da carne, senão uma profissão externa de impiedade, seja isto fingido, ou expressado do coração? Eles se vangloriam de uma consciência pura; que, de fato, está baseada em motivos falsos, mas concedendo-lhes aquilo do que se gabam, eles têm apenas a metade do que Paulo requer dos crentes. Portanto, eles não têm base para pensar, que têm dado satisfação a Deus por aquela metade; porque, deixe uma pessoa mostrar qualquer aparência de uma total idolatria, ou qualquer indicação da mesma, ou tomar parte em rituais maus ou supersticiosos, embora ela fosse – o que ela não pode ser – perfeitamente reta em sua própria mente, ela seria, no entanto, não isenta da culpa de poluir seu corpo.
“Aperfeiçoando a santidade”.
Apesar de que o verbo ἐπιτελεῖν em grego signifique às vezes, “aperfeiçoar”, e às vezes “realizar ritos sagrados”, isto é elegantemente usado aqui por Paulo na antiga significação, que é a mais frequente – de tal forma, porém, como para aludir à santificação, da qual ele está agora tratando. Por enquanto isto denota perfeição, parece ter sido intencionalmente transferido para ofícios sagrados, porque não deve haver nada defeituoso no serviço de Deus, senão que tudo deve ser completo. Assim, a fim de que você possa se santificar a Deus corretamente, você deve se dedicar de corpo e alma inteiramente a ele.
“No temor de Deus”. Porque, se o temor de Deus nos influencia, não estaremos tão dispostos a sermos indulgentes conosco, e nem haverá uma erupção dessa audácia de luxúria que se mostrou entre os Coríntios. Porque como acontece que muitos se deliciam tanto em idolatria exterior, e altivamente defendem tão grosseiro vício, a não ser por eles pensarem que zombam de Deus impunemente? Se o temor de Deus tivesse domínio sobre eles, eles iriam imediatamente, no primeiro momento, deixar todos os sofismas, sem a necessidade de serem constrangidos a isso por qualquer contestação.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
(Nota do Pr Silvio Dutra: Calvino apresenta uma excelente interpretação desta passagem, ao associar o assunto da santificação à vida devotada a Deus, em separação sobretudo de práticas idolátricas, e não meramente em seu sentido moral, o qual é importante, mas que é apenas a consequência de um caminhar na presença de Deus e em comunhão com Ele. Apoia a sua interpretação o fato de Paulo ter tratado no contexto imediato anterior, nos últimos versículos do 6º capítulo, à não conveniência da associação dos crentes com as práticas idolátricas daqueles que não conhecem a Deus, seja a qual pretexto for.)