Introdução
1 – É já um lugar comum, falar-se ou ler-se na Comunicação Social, sobre a instabilidade dos povos, a sua ânsia por um mundo melhor, com mais justiça e uma equilibrada repartição de riquezas, a que todos sentem ter um legítimo direito.
Também se refere o enfraquecimento ou mesmo a perda de alguns valores morais que nos têm regido até aqui. Há por outro lado a pretensão de alguns sectores da opinião pública questionarem a existência dessas normas, que nos têm proporcionado regras de vida, até hoje. Dizem que são valores conservadores e não se entende muito bem qual é a desvantagem da sua adopção e prática, quando estão em causa valores éticos e morais que permitem a defesa dos interesses de todos, criando a estabilidade e a confiança necessária ao convívio harmonioso da sociedade.
Especialistas conceituados – e temos lido alguns excelentes artigos de opinião, de sociólogos, analistas políticos e outras autoridades em assuntos civilizacionais,- que escrevem sobre todos estes assuntos, visando encontrar e definir as causas de tanta instabilidade social, que desagua em muita infelicidade humana.
Quando lemos o Antigo e Novo Testamento, é referido o antigo e sempre actual sofrimento humano. Nessas leituras, encontramos respostas para algumas das questões que afligem a comunidade humana, mas que, infelizmente, parecem não chegar ao conhecimento das pessoas em geral. Por outro lado, os povos também são lentos na aplicação prática desses conselhos, que nos conduziriam a uma nova atitude sadia perante os valores da vida.
E as causas do sofrimento, são sempre as mesmas. Afastamento de Deus, idolatria, no sentido largo da palavra, egoísmo e individualismo, que leva ao menosprezo dos valores de referência em Deus e à falta de respeito ao próximo, não reconhecendo o outro, como sendo também uma criação de Deus. Todos temos as mesmas necessidades espirituais, morais e materiais, que conduzem à realização do homem.
2 – Ao lermos o Profeta Amós, que viveu cerca do ano 787 AC, livro incluído no Antigo Testamento, vamos encontrar uma surpreendente lista da quebra de valores, que levaram à deterioração moral dos seus cidadãos. Essa lista é tão actual, que nos atrevemos a dizer que, se o Profeta voltasse a este mundo, não hesitaria em reeditar o seu discurso enérgico e denunciar os mesmos erros, que levaram ao colapso do seu povo, por causa da perda dos valores éticos e morais da sociedade
Este Profeta, faz parte de uma brilhante constelação de Profetas, que no século VIII AC e num breve espaço de meio século, nos forneceram uma época de grande riqueza de intervenção social. O grupo é constituído pelos Profetas Amós, Oséas, Isaías e Miquéias.
Os problemas sociais estão presentes em todos eles. A opressão e as grandes desigualdades nos bens materiais, a falta de sensibilidade pelo sofrimento do outro, a exclusão social, a hipocrisia religiosa e a ânsia de grandes lucros, levaram ao derrube do respeito dos direitos dos mais frágeis.
Quando isto acontece, e o fosso de desigualdade social se torna cada vez maior, diz-nos a história, que os povos acabam por impor a renovação ou, em casos extremos, a própria ruptura da sociedade, em que todos perdem.
Mensagem do Profeta Amós para os nossos dias
1 – Ao lermos a Comunicação Social e falando com pessoas do nosso circulo de amizades, somos confrontados, com frequência, por factos que nos deixam perplexos, perante a deterioração das atitudes éticas e morais, com que o nosso mundo vive hoje, fenómeno que todavia não é novo.
Muitas das normas éticas e morais, que regem as relações sociais, são hoje postas em causa, como se o primado do indivíduo, com as suas manifestações egoístas, radicais e de duvidoso nível moral, fossem agora o novo paradigma, com que as relações humanas se devem pautar.
As manchetes dos jornais são pródigas em propor aos seus leitores as notícias sobre a corrupção em geral, envolvendo figuras que, pelo seu estatuto social e político, esperaríamos serem pontos de referência que se impusessem pelo seu rigoroso cumprimento ético.
Com o seu exemplo dão uma triste nota, à sociedade em geral, com as consequências da perda de confiança nas Instituições que nos regem, afectando as relações pessoais e da economia, como se vê nos nossos dias.
Perante o enfraquecimento da moral, vem-nos à memória o Profeta Amós, um dos profetas do Antigo Testamento, com uma mensagem tão actual, que nos parece ter sido escrita para os nossos dias, se não soubéssemos que o coração do homem, entregue a si próprio, é sempre o mesmo, não respeitando as leis éticas e morais de Deus. A atracção do homem pelo precipício moral, acaba inevitavelmente, por faze-lo cair na corrupção, porque não tem a capacidade, em si mesmo, para se afirmar como homem íntegro de carácter, com todas as consequências sociais que dai advém.
2 – Vamos relembrar o Profeta Amós, em breves linhas, com a sua envolvente histórica e social do seu tempo.
O Profeta, encerra no seu livro, tesouros inesgotáveis, que ficam ao alcance de todos os que queiram ver, como uma sociedade que tinha Deus por sua referencia, com a sua elevada ética moral, se pode abastardar, até ao ponto de admitir as maiores imoralidades de degradação humana, afectando com isso, as relações com o seu Criador e com o próximo, destruindo todo o tecido social de uma nação, levando-a ao seu colapso nacional.
Amós foi um dos doze profetas menores, sendo nativo de Tecoa, cidade a dez quilómetros ao sul de Belém. Era criador de gado e cultivador de sicómoros – árvore frutífera – o que o obrigava a viajar dentro do território de Judá e Israel, pelo que conhecia a vida social do povo. Era patente a prosperidade de parte da população, mas ao mesmo tempo, Amós verificou o deslize moral, proveniente da vida fácil. Nestas circunstâncias, sentiu um chamado de Deus, a fim de denunciar os erros morais da nação. Era, o que agora chamamos, pregador leigo, com um sentido de justiça muito vivo, corajoso e com um desejo ardente de contribuir para que o nível ético e moral do seu povo não deslizasse para a perda dos nobres sentimentos, quer religiosos, quer sociais. Amós tinha um elevado conceito de Deus. Deus é criador (Amós 4:13) e sustentador da criação (Amos 4:7/8 e Amos 9:6). Sabia que Deus controla o destino dos povos (Amós 1:5). Ele é o Juiz e o determinador das leis morais, e considera os homens responsáveis pelos seus actos. (Amós 1:3/15 e Amós 2:1/3) Igualmente sabia que a justiça é um dos alicerces da sociedade, sem a qual não há futuro para ninguém. O privilégio da vida humana significa responsabilidade individual e quem não reconhece a sua responsabilidade sofre. As nações e, por analogia, os indivíduos, têm a obrigação de viver segundo as regras da luz moral e dos conhecimentos que foram dados ao homem. Quem abandona Deus e as suas leis éticas e morais entra em decadência espiritual e moral.
O Profeta viveu no tempo do reis, Uzias, de Judá e Jeroboão, de Israel, cerca do ano 786-746 AC . Embora seja considerado um dos profetas menores, Amós contém uma mensagem enérgica de cariz fortemente social. Mais tarde outros se lhe seguiriam, como Isaias, Oséas e Miquéias, que também tomam uma firme posição na defesa dos mais desfavorecidos. Também Jesus Cristo apareceu ao seu povo e todos declararam: Um grande profeta se levantou entre nós, e Deus visitou o seu povo (Lucas 7:16) E Jesus Cristo segue na mesma direcção da defesa dos excluídos e sem esperança, abordando e aprofundando, de forma única e inesquecível, o Evangelho na sua vertente social, perante as condições de injustiça e exploração em que vivia o seu povo.
Amós foi confrontado, no seu tempo, com um período de grande prosperidade, produto de uma boa governação dos reis de então, consequência também da localização dos dois territórios e do intenso comércio que por ali se processava.
A prosperidade material, como é usual, provocou a corrupção social e religiosa do povo. A vida fácil, estava a debilitar moralmente a população de Israel, como podemos ler em Amós 2:6/8 e Amós 5:11/12. A vida de luxo, a idolatria e a depravação moral do povo, fê-lo advertir para as consequências fatais do julgamento e perda de liberdade nacional, como se veio a verificar mais tarde.
A adoração dos deuses estrangeiros acabou por ser incorporada no sistema de culto de Israel, que mantinha a forma exterior de religião, mas não evitou que se implantasse a prostituição ritual, alcoolismo, violência, sensualidade grosseira, perda de respeito pelos valores éticos da vida. Na vida comercial as balanças e os pesos eram viciados e os produtos adulterados (Amós 8:5/6). Esta prática comercial é-nos hoje muito familiar, o que tem levado as autoridades a fiscalizar os circuitos comerciais, para a defesa do consumidor. A depravação acabou por contaminar o ideal do monoteísmo e a degradação geral degenerou para a injustiça judicial onde os ricos exploravam os pobres, produzindo uma autêntica escravatura social, instalando-se um sistema de relações que os ricos consideravam como norma de vida.
Esse período de vida ociosa, riqueza, orgulho cultural, arte e lassidão moral, acabou por levar Israel, para o cativeiro, tendo o seu povo sido levado prisioneiro pelo rei de Assíria em 745-727 AC. E esta foi a ameaça que Amós profetizou e que o povo não queria aceitar, como sendo possível. As consequências dos chamados pecados morais e sociais acabam sempre por trazer julgamento, com grandes revoluções sociais, algumas delas bem sangrentas, como regista a história dos povos.
E neste processo de degradação de valores morais, foi afectado o poder religioso, que vivia de mãos dadas com os políticos poderosos. Também o sistema religioso não aceitou ouvir as advertências de Amós e há uma forte reacção desse sistema, na atitude do seu máximo responsável, de nome Amazia (Amós 7:10
). Ele não queria perder as boas graças do Rei Jeroboão, nem os seus privilégios materiais e de poder e acusou o Profeta de sedição política, – diríamos hoje ser politicamente incorrecto – hábil acusação de todos os tempos para os denunciadores de injustiças sociais, que incomodam os detentores do poder e dos privilégios. O rei não lhe deve ter dado grande atenção, porque talvez o que o sacerdote pretendesse era a eliminação física do Profeta. Assim, Amós acabou por ter de ir viver para outra área do país, ou seja, um desterro forçado, como tem acontecido a tantos ao longo da história dos povos. (Amós 7:12/13)
Esta ocorrência, faz-nos lembrar a morte de Jesus Cristo. Também foi uma voz incómoda, na sua vocação profética, que denunciou os erros espirituais e morais do povo e defendeu os pobres, dando-lhes uma nova esperança. Como neste seu programa os poderosos ficaram incomodados, fizeram tudo para o matar. O seu julgamento foi ilegal e os três poderes constituídos da sociedade, político, religioso e popular ou seja autocrático, aristocrático e democrático, consertaram-se para se verem livres do Filho de Deus. (a)
A pergunta que hoje nos corre é esta: não estaremos nós hoje a viver também aspectos idênticos aos do período em que viveu o Profeta Amós?
Com base na leitura do livro de Amós, o autor destas linhas imaginou uma entrevista ao Profeta, nos moldes em que a imprensa escrita usa para os seus entrevistados, cujo texto se anexa.
Entrevista ao Profeta Amós
Entrevistador: O que o levou a abandonar a sua profissão mais tranquila e tornar-se um profeta em Israel?
Amós: Efectivamente eu não era profeta, nem filho de profeta, mas boieiro, e cultivador de sicómoros (Amós 7:14
), mas o Senhor me tirou de após o gado, e o Senhor me disse: Vai, e profetiza ao meu povo de Israel (Amós 7:15). Senti a responsabilidade do anúncio da palavra do Senhor, perante as condições sociais de exploração e injustiça em que o meu povo vivia e não podia calar a minha voz, nem tão pouco desobedecer à voz do Senhor.
Entrevistador: Mas como é que se apercebeu do que o povo desejava e quais as suas reclamações?
Amós: Apercebi-me das condições miseráveis, em que o meu povo vivia, porque os comerciantes e homens de negócio, com quem eu negociava, devido à minha própria actividade profissional, falavam em como procuravam abater o necessitado e destruir os miseráveis da terra, que sendo pobres, ainda ficavam mais pobres (Amós 8:4). Reparei ainda na falsa religiosidade em que viviam, mas no íntimo desejavam que a lua nova, a nova religião exterior que adoptaram, viesse depressa, para poderem vender o grão dos cereais que produziam e revendiam por elevados preços. Realmente adoptavam uma postura verdadeiramente pagã, porque a lua nova não era a verdadeira religião do meu povo, mas sim dos povos idólatras, nossos vizinhos, que corromperam a nossa verdadeira religião. (Amós 8:5)
Entrevistador: Mas acha, na sua opinião, que tudo isto teve muito peso na sua decisão em anunciar o castigo que o Senhor apresentou por seu intermédio?
Amós: Não foi só isto que me deixou incomodado e feriu a minha sensibilidade. Havia toda uma classe de ricos e poderosos que viviam do luxo e fausto, mas à custa dos pobres. Estes morriam de miséria e não havia ninguém que os ajudasse, nem a classe sacerdotal levantava um dedo para os auxiliar ou denunciar a situação imoral e dura em que o direito dos pobres era desprezado. Era mais que evidente e visível que havia uma clara distinção entre os dois grupos: os “oprimidos” e “os que amontoam opressão e rapina” (Amós 3:9/12)
Entrevistador: Havia outros sinais de decadência moral entre os ricos e os poderosos na sociedade, que também o incomodassem?
Amós: Esse era o problema. A cupidez e falta de consciência da classe rica e poderosa, já não via e sabia distinguir entre a mão direita e a mão esquerda (Jonas 4:11). Perderam toda a sensibilidade. O Senhor tinha de agir a favor dos pobres, para que não desaparecessem da terra e o seu clamor tinha chegado ate ao trono do Senhor. A ignorância dos poderosos era tal, que não se apercebiam que eles próprios seriam atingidos pela miséria e não seriam poupados a ela. Eles próprios eram os causadores de toda a miséria. Como servo do Senhor não podia calar a minha voz.
Entrevistador: Não acha que a sua rudeza e frontalidade poderia pôr a sua vida em perigo, em face da denúncia que revelava, ao mesmo tempo, uma provocação aos ricos?
Amós: Na realidade, eu esperava isso e acabei por ser expulso do país. Até o Sacerdote Amasia, representando a religião oficial (Amós 7:10) tomou parte na conspiração contra mim, junto do rei Jeroboão, para manter o politicamente correcto, agradar ao rei e manter o seu lugar de sacerdote. Não deixa de ser surpreendente essa atitude do representante máximo da religião, o que demonstra até que ponto se havia perdido a noção da justiça. E, como é usual nestas condições, encontraram um falso motivo político para calarem a minha voz.
Entrevistador: Na sua percepção religiosa e social, acha que Deus esteve e está envolvido nesta situação do povo? Acha ainda que Deus que vive tão distante se incomoda pelos negócios dos homens?
Amós: A minha percepção é que a voz do Senhor se fez e continua a fazer ouvir desde o seu Trono de Sião (Amós 1:2). Deus está atento às injustiças deste mundo e não permite que os pobres sejam marginalizados na terra que Ele criou, bem como ao homem que Ele criou à sua Imagem e Semelhança. Deus sabe ver por dentro da capa da prosperidade dos povos, o seu coração e a sua verdadeira situação espiritual (Amós 5:12/21). O Senhor vê a imoralidade e a corrupção dos homens e até nos cultos o povo pode ser perverso (Amós 2:7/8). Deus está vivamente interessado na justiça social. Não vive só no formalismo dos cultos que lhe são prestados. Ele preocupa-se com o bem estar dos povos. Deus rejeita cultos que não respeitem a justiça e a sinceridade no relacionamento entre o povo (Amós 5:21/27). Eles muitas vezes não se apercebem da justiça divina, mas ela está sempre presente em toda a actividade humana e o castigo vem devido aos próprios actos (Amós 6:7)
Entrevistador: na sua visão de Deus, acha que pode haver esperança para o povo, após verdadeira conversão e implantação de justiça para todos?
Amós: Sem dúvida. Essa esperança é a pedra de toque da minha fé. Deus restabelecerá o trono de David e o povo será chamado a renascer e a viver uma vida completamente redimida, numa afirmação da bondade de Deus, porque Ele está sempre presente na história dos homens e das mulheres (Amós 9:11/15)
Entrevistador: Gostaria de dar alguns conselhos aos nossos leitores, que servisse a todas as gerações e em todos os países?
Amós: Certamente que sim. Esta é a minha função de profeta. A minha voz está ao serviço de Senhor. A mensagem de Deus é que pratiquem a justiça em todo os actos da vida, porque ela é uma parte importante da Sua mensagem (Amós 5:15)