O Problema dos Pastores Profissionais
Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo – Efésios 5:21.
Julgai todas as coisas, retende o que é bom, abstende-vos de toda forma de mal – I Tessalonicenses 5:21/22
Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede – João 6:35.
Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão – Gálatas 5:1.
Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor – Gálatas 5:13.
Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda co-participante da glória que há de ser revelada: pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória – I Pedro 5:1/4.
Atenção: O material a seguir destina-se à leitura de pessoas maduras e pode ser profundamente perturbador à grande maioria dos leitores. O autor recomenda grande discrição no uso deste material e na exposição do mesmo.
INTRODUÇÃO
Os discípulos do Senhor Jesus, felizmente, eram como todos nós. Isto quer dizer que eram pecadores e falhos como todos nós somos. Nos dias do Antigo Testamento o Salmista se refere ao Deus de Jacó como uma maneira de nos consolar em meio às nossas fraquezas quando diz: Bem-aventurado aquele que tem o Deus de Jacó por seu auxílio, cuja esperança está no SENHOR, seu Deus – Salmo 146:5 . A expressão “Deus de Jacó” é uma referência clara ao fato de que Deus está acostumado a lidar com pessoas pecadoras e contraditórias como Jacó e como qualquer um de nós. Bendito seja Deus, o Senhor, que nos ama apesar de sermos o que somos. Mas como falamos no início, os próprios apóstolos do Senhor Jesus não eram diferentes de cada um de nós. Como tal estavam sujeitos às mesmas tentações e desvios de conduta que ameaçam a vida de qualquer um de nós. O registro dos Evangelhos está cheio de circunstância onde o Senhor precisou agir com firmeza para corrigir estas situações anômalas na vida dos Seus discípulos e apóstolos. Uma destas circunstâncias é aquela que trata do pedido de Tiago e João e da mãe deles, que havia decidido agir como se fosse uma verdadeira empresária dos próprios filhos. O pedido em questão, feito ao Senhor Jesus, era o seguinte: Então, se chegou a ele a mulher de Zebedeu, com seus filhos, e, adorando-o, pediu-lhe um favor. Perguntou-lhe ele: Que queres? Ela respondeu: Manda que, no teu reino, estes meus dois filhos se assentem, um à tua direita, e o outro à tua esquerda – Mateus 20:20/21.
O pedido de Tiago e João visava satisfazer a uma das necessidades mais básicas que existem em todos os seres humanos que é ter autoridade sobre outros que são seus iguais! Este é um sério problema dos seres humanos: o desejo de quererem ser “mais” iguais que os outros. É óbvio que os outros discípulos, sendo também humanos, não aplaudiram o pedido feito por Tiago e João. E por que não? Porque cada um dos outros dez discípulos desejava ocupar, ele mesmo, um daqueles lugares à direita e à esquerda do Senhor Jesus, no Seu reino glorioso. De fato o texto bíblico diz que os dez ficaram indignados com os dois irmãos – ver Mateus 20:24.
O Senhor Jesus tratou com bastante firmeza aquela situação, procurando mostrar aos discípulos que as regras que deveriam existir entre eles eram diversas das regras que existiam entre as pessoas que não são discípulos de Jesus. Ele disse: Ora, ouvindo isto os dez, indignaram-se contra os dois irmãos. Então, Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos – Mateus 20:24/28.
O princípio que o Senhor Jesus quis ensinar era bastante necessário e urgente naquele momento. A saúde da futura Igreja Cristã iria depender, em parte, da obediência às palavras de Jesus acima mencionadas. Um dos aspectos do verdadeiro Cristianismo que mais encanta este autor é o fato de que nosso Deus e Senhor é sempre nosso exemplo naquilo que demanda de nós. Isto é verdade com relação ao ensino acerca de como se tornar realmente grande entre o povo de Deus.
Quando o Senhor Jesus confrontou Seus discípulos, mostrando-lhes como a conduta deles precisava ser diferente do exemplo que viam na humanidade em geral, emendou dizendo que esta havia sido a atitude ou exemplo que estavam recebendo d’Ele. Em outras palavras, Jesus disse aos discípulos que eles pertenciam a uma comunidade de pessoas que eram rigorosamente iguais e que não deveria existir nenhum tipo de interesse dominador por parte de uns sobre os outros como estava implícito no pedido de Tiago e João. O serviço cristão praticado de uns para com os outros produz apenas o bem ao passo que o desejo de dominar sobre outros conduz irremediavelmente a partidarismos, contendas, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas bem como a abusos de toda sorte – ver Gálatas 5:19/21.
Cerca de dois mil anos se passaram desde que o Senhor Jesus ensinou estas verdades. Independente deste fato é com grande pesar que constatamos nos nossos dias, que ainda temos um longo caminho a percorrer quando o assunto é servir uns aos outros como um mandamento que deve valer indistintamente para todos aqueles sobre os quais o bom nome do Senhor foi invocado.
Temos observado, com grande tristeza, inúmeros abusos que estão ocorrendo no seio da Cristandade (2) em geral bem como no seio do Cristianismo em particular. Estes abusos têm causado inúmeros males ao corpo de Cristo, que é Sua Igreja, além de destruir por completo inúmeras vidas. Muitos destes que foram abusados perderam a fé e alguns até se tornaram inimigos da fé cristã como conseqüência direta dos abusos que sofreram.
É intenção do autor discutir tão delicado assunto visando contribuir para que de alguma maneira possamos seguir no caminho do serviço em vez do caminho do autoritarismo e do abuso espiritual. Nesta questão envolvendo abuso espiritual temos descoberto que não existem inocentes. Lideranças (3) e liderados (4) são igualmente responsáveis pelo descalabro que podemos observar e igualmente culpados pelos males praticados.
A. Liderança como Serviço e não como Senhorio.
1. A Tênue Linha que Separa o Serviço do Senhorio.
Conforme vimos o Senhor Jesus advertiu severamente seus discípulos contra o desejo de se tornarem senhores uns sobre os outros e podemos dizer, por extensão, de se tornarem senhores sobre o povo de Deus. Existe uma linha muito fina entre serviço e senhorio, entre discipulado e dominação. O que temos notado é que em muitos casos a linha se torna tão tênue que é mesmo impossível distinguir onde o primeiro terminou e o segundo começou. A grande maioria das lideranças com as quais convivemos, têm cruzado esta linha sem muita cerimônia e não escondem seu aborrecimento quando confrontadas pelos fatos. Em um próximo artigo falaremos do poderoso arsenal ao qual costumam recorrer para se defender.
Não estamos querendo colocar todo mundo dentro de um mesmo saco e por este motivo é importante que mencionemos que existem líderes sensíveis a esta tênue linha e que procuram manter uma posição equilibrada com relação à mesma. Outros há que transgridem o limite, mas se arrependem e voltam ao bom senso representado pelo serviço cristão. Outros há, por fim, que não sabem funcionar se não estiverem completamente do outro lado da linha como senhores absolutos sobre o povo de Deus. Infelizmente, nos nossos dias, este último tipo tem sido bem mais freqüente do que gostaríamos de ver.
2. A Questão Representada pela Existência dos “Servos” Profissionais.
Outra questão importante para a nossa discussão é a profissionalização da liderança, especialmente, da liderança pastoral. Todos os pastores, sejam de tempo integral, sejam de tempo parcial, sabem que seu sustento e o de suas famílias dependem diretamente das comunidades locais que estão pastoreando. E esta não é uma questão periférica. Muito pelo contrário é uma questão central. Muitos pastores cruzam a linha mencionada no item anterior motivados e movidos por recompensas financeiras e ambição pessoal.
Assim continua verdadeiro o princípio mencionado pelo apóstolo Paulo de que o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores – I Timóteo 6:10. Nos últimos anos temos podido notar um número cada vez maior de “servos” profissionais que têm usado o povo de Deus para construir seus pequenos impérios que incluem, entre outras coisas, residências em diversas cidade e países, automóveis, móveis e roupas de luxo, canais de televisão e estações de rádio etc.
Estes verdadeiros “senhores”quando confrontados com a dura realidade representada pela Palavra de Deus, muito dificilmente se arrependem, preferindo lançar mão de um poderoso arsenal, que na realidade não passa de um grande besteirol, para justificar seus desmandos.
3. Tanto faz mentor ou tutor, o exemplo vem sempre de cima.
Esta parece ser uma das mais inflexíveis leis na História da Humanidade. O exemplo vem sempre de cima, ou seja, o exemplo estabelecido pela liderança será sempre imitado e servirá de inspiração e motivação para quem está mais em baixo. Se o exemplo for ruim, então as conseqüências serão verdadeiramente devastadoras. Nos dias de hoje é bastante comum, pastores se espelharem nos métodos e na forma de agir daqueles que podem ser percebidos como sendo bem sucedidos. Por sucesso, neste contexto, não estamos nos referindo à fidelidade à palavra de Deus como proposto pelo apóstolo Paulo em I Coríntios 4:2 e sim ao sucesso como percebido pelo mundo e que pode ser medido em números. Fidelidade, como bem sabemos, não é mensurável em números.
É necessário que tanto quem lidera quanto quem é liderado seja fiel à revelação bíblica. Este fato, por si só, seria um poderoso antídoto contra todo o veneno que tem sido disseminado no corpo de Cristo, no que diz respeito aos maus exemplos que estão sendo estabelecidos e seguidos. O ensino das Escrituras é claro quanto à responsabilidade de todos os crentes de julgai todas as coisas, retende o que é bom; abstende-vos de forma de mal – I Tessalonicenses 5:21/22.
4. Nobreza ou rebelião?
O médico Lucas, que nos legou o Evangelho que leva seu nome, também nos deixou um segundo tratado. Estamos falando do Livro dos Atos dos Apóstolos. Neste livro, no capítulo 17, Lucas descreve, entre outras coisas, a visita que Paulo, Silas e o próprio Lucas fizeram às cidades de Tessalônica e Beréia. De acordo com o texto Bíblico a atitude dos bereanos causou profunda impressão nos visitantes. Nas próprias palavras de Lucas os de Beréia, eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim – Atos 17:11.
Nos dias de hoje qualquer um que tente imitar o bom exemplo que nos foi deixado pelos bereanos será rigorosamente tachado de “rebelde”. A atitude inquisitiva que procura confirmar se certas práticas são mesmo bíblicas é definida como rebelião com o acusado sujeito a sofrer grandes abusos por parte da liderança questionada. Este tipo de abuso ocorre em duas frentes. A primeira é quando o líder usa as Escrituras de forma abusiva para ensinar ou justificar práticas que não se sustentam diante de uma análise mais apropriada. Neste caso não importa o que a Bíblia ensina e sim a interpretação particular que foi fornecida pelo líder A segunda ocorre quando o líder ignora por completo a Bíblia e parte para ensinar algo que nem de longe poderia ser justificado pelo ensino das Escrituras. A falta de discernimento e de uma atitude mais positiva, à moda bereana, por parte dos liderados é o elemento singular que mais contribui para que este tipo de abuso espiritual ocorra no seio da Igreja Cristã.
5. O que se exige e o que se permite.
Outro problema que existe no contexto das relações entre liderança e liderados diz respeito às exigências que pesam sobre a liderança, exigências estas feitas pelo Senhor da Igreja e pela Sua palavra e aquilo que lhes é permitido pelas comunidades às quais ministram. Aquilo que os líderes deveriam estar fazendo e ensinando de acordo com as Escrituras e aquilo que eles estão fazendo na prática normalmente não se encaixam. O grande dilema enfrentado pelos pastores é a enorme inconsistência que enfrentam entre o que Deus demanda e o que as comunidades estão dispostas a tolerar. Como os líderes são normalmente eleitos e sustentados pelas comunidades nas quais atuam este dilema torna-se o mais agudo.
Conclusão.
O surgimento de “servos” profissionais produziu no seio da cristandade uma série de fatores que têm feito com que muitos líderes, alguns até bem-intencionados, cruzem a tênue linha que existe entre um ministério legítimo de um completamente ilegítimo. Estes “servos”, em vez de servir, acabam por substituir o verdadeiro discipulado por uma dominação que nada tem de cristã. Em vez de liderar pelo exemplo se tornam “senhores” sobre o rebanho de Deus que, diga-se de passagem, não lhes pertence.
B. Redefinindo certos Termos.
Uma das características mais marcantes dos líderes que praticam o abuso espiritual é a insistência em redefinir certos termos. Palavras acerca das quais estávamos absolutamente certos de conhecermos o significado, de forma precisa, são manipuladas a um nível que as tornam irreconhecíveis. A manipulação é tão extensa e profissional que chegamos a duvidar se alguma vez entendemos, realmente, o significado de certas palavras.
1. Autoridade.
Não existe no seio da cristandade nenhuma outra palavra que seja mais abusada pelos abusadores espirituais do que a palavra autoridade. O ensino bíblico é bastante claro nas afirmativas que faz de que autoridade significa poder exercido de maneira apropriada – ver Mateus 9:6; João 1:12; João 10:17/18 e João 17:2 etc. Por este motivo, todo exercício de poder de maneira imprópria, não é exercício de autoridade e sim de abuso espiritual. Como esta questão é bastante sutil é mais fácil indicar situações onde existe abuso espiritual, ou seja, onde o poder é exercido de maneira não apropriada, do que discutirmos as questões genuinamente semânticas relacionadas a este termo. Líderes acostumados a abusar espiritualmente das pessoas confiadas à sua guarda poderão manifestar as seguintes características:
Estender a autoridade da liderança a áreas da vida que ultrapassam os limites representados por questões morais e de valores apresentados na Bíblia. Um exemplo clássico é quando a liderança quer determinar com quem uma pessoa pode namorar e até casar. Outro aspecto tem a ver com interferências acerca de que profissão seguir e etc.
Impor sanções quando não houver submissão ao item anterior.
Promover um sentimento de culpa generalizado quando não existir conformação automática aos desejos manifestos da liderança.
Rotular as pessoas que resistem serem manipuladas de: insubmissos, orgulhosos, corações endurecidos etc.
Agir como se fosse o próprio Deus na vida das pessoas.
Manipular e torcer a palavra de Deus para conformá-la aos desejos da liderança.
Confrontar de maneira permanente o pecado na vida de todas as pessoas. Quanta hipocrisia pode existir nesta prática é simplesmente impossível de dizer.
Ensinar que as pessoas devem ser julgadas pelas opiniões que possuem acerca da liderança.
Ensinar que não existe verdadeiro discipulado fora do redil em que a pessoa se encontra.
Ensinar que Jesus não é mais todo suficiente – ver João 6:35 – e que é necessário seguir as muitas invencionices, nenhuma delas bíblica, diga-se de passagem, que impõe sobre as pessoas.
Ensinar que inúmeras coisas são pecaminosas quando a própria Bíblia nada diz diretamente acerca destes mesmos assuntos.
Ensinar que ser um verdadeiro seguidor de Jesus significa colocar a vontade de outro, normalmente a vontade do próprio líder, acima da própria vontade.
Transmitir a sensação de que a pessoa está realmente afundando na fé quando ela começa a considerar abandonar o redil em que se encontra.
Fazer com que pessoas rejeitem promoções no serviço, mudança de cidades ou novas oportunidades apenas para se manterem onde estão em completa submissão à liderança.
Torcer de maneira perversa o uso de palavras como obediência e submissão.
Se o leitor se encontra em um ambiente onde qualquer uma destas características está presente, é necessário tomar muito cuidado, pois o perigo de estar sendo abusado espiritualmente é bastante real.
2. Independente.
Um teste simples talvez seja a melhor maneira de entendermos como esta palavra tem sido redefinida. Faça o seguinte: escreva no centro de uma folha de papel a palavra “independente”. Depois, escreva outras palavras que lhe vêm à mente e que estejam relacionadas com independente. Terminada esta fase, analise francamente se a palavra “independente” bem como as outras palavras anotadas descrevem alguém de forma positiva ou negativa. Quais são as características de uma pessoa realmente independente. Agora, procure ver o termo independente ou livre, à luz de Gálatas 5:1/13, nomeadamente os versículos 1 e 13. Ser independente significa que temos a liberdade de vivermos não como queremos e sim como devemos. Mas este modo de vida é muito imprevisível para os dominadores. Eles preferem estabelecer regras fixas e rígidas para seus seguidores. Nenhuma independência ou liberdade como ensinada na Bíblia serão toleradas. Na Bíblia, independência e pecaminosidade não mantêm nenhuma relação direta. Paulo era bastante independente por um lado e completamente dependente de Deus por outro.
3. Obediência e submissão.
Estas palavras são verdadeiras “pedras-de-toque” no jargão dos abusadores. Obediência cega e submissão inquestionável à liderança são as maiores características dos discípulos na opinião da liderança religiosa abusadora. Amor, fé e esperança são secundários, apesar da Bíblia nos ensinar exatamente o contrário!
C. Autocracia na Igreja.
O termo autocracia não é usado nesta divisão de forma equivocada como alguns poderão pensar. Infelizmente nossa experiência nos tem mostrado que existem muitos líderes autocráticos nas igrejas cristãs, independente da denominação. A expressão “autocracia” é definida pelo dicionário Aurélio Século XXI como: “Governo de um príncipe, com poderes ilimitados e absolutos”. É realmente uma pena que no meio cristão existam tantos líderes “governando” a igreja desta maneira. Para a grande maioria deste tipo de líderes os irmãos e as irmãs são completamente insignificantes. Bem, como toda regra tem sua exceção, os irmãos e irmãs são importantes somente em um único momento: na hora de contribuir. De acordo com um velho amigo, a maioria das igrejas modernas concedem aos seus membros estes dois direitos inalienáveis:
Pagar as contas. Todas as contas, inclusive os salários daqueles que são abusadores.
Calar a boca. Ou ficar de boca fechada mesmo diante dos maiores descalabros imagináveis.
O governo autocrático ocorre todas as vezes que um determinado grupo, que pode ser chamado de diretoria, conselho, presbitério etc, passa a controlar, com mão de ferro os meios de disciplina. Este controle, diga-se de passagem, é exercido de modo cabal. Nenhum tipo de “má conduta” pode ser nem será tolerado de fato. Toda e qualquer resistência será sumariamente fulminada. A Bíblia e o bom senso cristão submetido ao Espírito Santo são ignorados por completo. O que vale são os interesses do grupo no poder. Qualquer ameaça, seja real ou apenas imaginária é confrontada com toda a força possível, de tal maneira que não reste a menor dúvida acerca de “quem manda”. A sensação de impunidade destes indivíduos beira realmente ao absurdo.
São verdadeiros “sacripantas” (5). Mas, como é que tanta barbaridade tem sido cometida no seio de igrejas cristãs? Como é possível que estas formas abusivas de pensamentos e ações permaneçam e sejam justificadas? A resposta a estas perguntas não é realmente muito complexa. O poder é criado e mantido através de um artifício muito simples. Este artifício constitui em sacralizar – atribuir caráter de sagrado – a certas formas de pensamento e de comportamento que privilegiam a classe dominante como se ela fosse melhor ou mais próxima de Deus do que o resto dos cristãos. Levantar-se contra a casta dominante torna-se sinônimo de levantar-se contra o próprio Deus. E isto, meu caro leitor, não pode ser tolerado em nenhuma hipótese.
Estes privilégios são, por sua vez, preservados e garantidos mediante o estabelecimento e o controle de mecanismos institucionais que agem e reagem de forma absolutamente “sem misericórdia e sem perdão”, contra toda e qualquer forma de pensamento ou comportamento que não se conforma com o que a autocracia espera ou deseja.
A autocracia é real e suas ações são devastadoras para dizer o mínimo.
Não existe solução alternativa para os abusados que não seja a de sair da instituição e expressar o profundo desprezo que sentem por estes senhores de quinta categoria.
(1) Todas as citações bíblicas neste artigo são da versão de Almeida Revista e Atualizada (ARA) publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil a menos que outra tradução seja indicada.
(2) O autor chamará de “Cristandade” esta religião falsa, espalhada pelo mundo, que se auto-intitula de cristã. Mesmo não gostando do termo “Cristianismo”, pelo reducionismo ideológico que ele causa, o mesmo será usado para se referir à verdadeira igreja cristã espalhada pelo mundo.
(3) O termo “liderança” será usado neste estudo para descrever aqueles que se intitulam, por exemplo, como Apóstolos, Reverendos, Pastores, Bispos, Anciãos, Presbíteros, Diáconos, Ministros do Evangelho, membros da Diretoria ou membros do Conselho etc.
(4) O termo “liderados” define neste estudo, todos aqueles que não se enquadram nos pomposos títulos da nota de número 3.
(5) É com grande pesar que o autor constata que nossos líderes religiosos, independente de se denominarem pastores, presbíteros, diáconos, anciãos, diretores etc, se parecem em demasia mais com o personagem Sacripante, que era pessoa de índole violenta, mau caráter e falsamente piedosa, e que é descrito no poema Orlando Innamorato, de Matteo-Maria Boiardo (1434-1494), e no poema Orlando Furioso, de Luigi Ariosto (1474-1533).