Tanto quanto parece, talvez por Janeiro de 2007 os portugueses serão colocados, num referendo, perante esta pergunta: “Concorda com a despenalização da IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez), a pedido da mulher, até às dez semanas de gravidez, e numa clínica legalmente autorizada?”.
Quanto a mim, votarei com um “sim”, apesar de ser, por princípio, contra a prática do aborto. Creio, porque é assunto do foro íntimo, que nas congregações cristãs protestantes as mulheres em geral não recorrem ao aborto, nem nenhum cristão convicto aconselharia sua esposa ou filhas a essa prática, salvo, talvez, se os médicos informassem que o feto em formação viria atingido de grande malformação.
Mas ser, por princípio, contra o aborto e responder “sim” no próximo referendo pode parecer contraditório. Não o é, porém, pois a verdade que temos de ter bem presente é que há muitas mulheres que, por várias circunstâncias se vêem condenadas a abortar, recorrendo as economicamente mais desfavorecidas ao aborto clandestino, que tem matado algumas ou deixado outras com sequelas físicas ou psicológicas profundas para o resto da vida, por causa das más condições em que os abortos são feitos e da má preparação dos ou das abortadeiras. Ninguém ignora que milhares de portuguesas remediadas ou ricas que decidem recorrer ao aborto fazem-no em clínicas no estrangeiro, em condições apropriadas e em perfeita legalidade. O meu voto não é para uma “liberalização do aborto”, mas para a despenalização das mulheres que, por diversas e ponderadas razões, se submetem aos abortos. Responder “sim” não é defender a prática indiscriminada do aborto, mas significa não acrescentar à dor de ter de abortar, a humilhação e o sofrimento da penalização. Dizer “sim” no referendo é estar do lado das famílias menos favorecidas onde e quando houver a imperiosa necessidade de recorrer ao aborto, com a decisão final da mulher.
A situação ideal seria que todas as gravidezes pudessem seguir até ao fim e que as crianças geradas pudessem ser recebidas com alegria e gratidão pelos pais. Infelizmente, contudo, não vivemos ainda num mundo ideal, mas num mundo imperfeito, onde a própria natureza é imperfeita. Os cristãos devem ser exortados a enfrentar os obstáculos e manter reverência pela vida, desde o momento da fecundação até ao último suspiro, pois cremos que desde a sua concepção o embrião é uma vida e só Deus é Senhor dela. Mas a reverência pela vida aplica-se também à mulher, de consciência formada, protagonista de uma gravidez que não pode ser acolhida com alegria. Além disso, os cristãos não devem impor as suas convicções a outros, nem ignorar que a penalização do aborto não impede a manutenção dessa prática, assim como a penalização dos acidentes mortais nas estradas não impede a ocorrência de acidentes. A hipocrisia está em negar essa evidência, e nada se fazer para encorajar a educação sexual, os métodos anticoncepcionais, e as condições económicas das famílias. O aborto tem sido continuamente, em Portugal, considerado um crime, mas nem por isso tem deixado de existir e ceifar a vida de muitas mulheres.
O aborto, em geral, não é decidido de ânimo leve, nas com imensa dor. Penso que as pessoas que dizem com sorrisos e ar de diversão serem a favor do aborto são, por certo, superficiais e que nunca reflectiram seriamente nos factos. As mulheres que já abortaram, em geral, falam dessa opção como algo dramático que fizeram por absoluta impossibilidade de ir até ao fim da gravidez. Ninguém vê o aborto como um método anticoncepcional, mas como uma solução trágica, tal como a amputação de uma perna ou de um braço.
Amar o próximo e respeitar a vida significa também ser solidários com todas as mulheres que sentem dever recorrer à Interrupção Voluntária da Gravidez, e não aumentar a sua dor com a nossa condenação. Se Cristo, não sendo pecador, aceitou o baptismo do arrependimento, feito por João Baptista, e se fez maldição para salvar a humanidade Gálatas 3:13, como não hão-de as cristãs e os cristãos que, por princípio, não apoiam o aborto, apoiar a despenalização das mulheres que ao aborto tiveram de recorrer? A Bíblia diz: “Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo” Gálatas 6:2 .
Manuel Pedro Cardoso
Figueira da Foz – Portugal